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ENTENDENDO A HISTÓRIA VIRTUAL DO CONCEITO

3 HISTÓRIA VIRTUAL E O CONCEITO DE FUNÇÃO

3.1 ENTENDENDO A HISTÓRIA VIRTUAL DO CONCEITO

Quando se trata da história virtual do conceito estamos tratando de um recurso metodológico ou de uma estratégia didática que põe em prática os pressupostos da Atividade Orientadora de Ensino: trata-se de uma situação-problema que contempla a essência dos conceitos, mostra como e por quais motivos a humanidade elaborou tais conceitos, dando a oportunidade aos estudantes de entender que o conhecimento vai se desenvolvendo à medida em que os seres humanos precisam responder a novas necessidades. Sendo assim, fica mais fácil de compreender que se trata de uma construção humana, os conceitos dependem do momento histórico e das múltiplas determinações que os levaram àquelas sínteses.

Defender o ensino baseado na história do conceito não significa que devemos contar o passo-a-passo nos mínimos detalhes da história da sua elaboração, desde as primeiras aparições, discussões, considerações ou reflexões. Segundo Kopnin (1978), o estudo dos objetos devem ser feitos invertendo a lógica temporal, ou seja, eles devem ser iniciados pela forma que envolva as condições essenciais mais desenvolvidas, isto é, pelo seu fim.

Neste estudo, por meio das abstrações autênticas, características do pensamento teórico é que se capta a essência do objeto ou fenômeno, suas definições primárias e abstratas e se descobre a história deste fenômeno.(…).

Entende-se também que há a preocupação com a compreensão do surgimento de um conceito, mas também com as suas formas de apropriação pela humanidade. (MOURA, 2010, p. 223).

Moura e Lanner de Moura (1998) consideram a história virtual do conceito, as situações emergentes do cotidiano e o jogo como recursos metodológicos nos quais ocorrem a objetivação das situações desencadeadoras de aprendizagem. Segundo Moura (1996b), podemos descrever a história virtual como:

as situações-problema colocadas por personagens de histórias infantis, lendas ou da própria história da matemática como desencadeadoras do pensamento da criança de forma a envolvê-la na construção de soluções que fazem parte do contexto da história. Dessa forma, contar, realizar cálculos, registrá-los, poderá tornar-se para ela uma necessidade real (MOURA, 1996b, p. 20).

O uso deste tipo de recurso visa a necessidade de mostrar as influências culturais e sociais dos conceitos, pois os sujeitos elaboram soluções a partir das suas necessidades objetivas, segundo suas necessidades reais e coletivas. Faz-se necessário mostrar que o conceito não aparece do nada, não “salta aos olhos”, mas que ele depende do momento histórico pelo qual a humanidade estará passando, por isso envolver os estudantes nesse tipo de situação é importante.

Além do exemplo já apresentado no início desta pesquisa – a relação entre quantidade de ovelhas e de pedras -, vejamos uma outra situação-problema compreendida como história virtual:

A atividade (…) constituiu-se da criação de um diário para o controle de movimentos quantitativos. Para isso, fizemos uso de um jogo de tabuleiro, chamado “Dinheiro do mês”, que simula a vida de um trabalhador assalariado durante um mês. (…).

O jogo “Dinheiro do Mês” foi utilizado, dentro da atividade orientadora de ensino, como cenário para a criação de uma história virtual. (…).

(…) propomos a atividade de criação de um diário (…) no qual o sujeito deveria registrar os movimentos quantitativos presentes na dinâmica do jogo. Para esse registro, não era permitido a ele utilizar qualquer símbolo matemático — somente palavras. (CEDRO; MOURA, 2007, p. 48-49).

Segundo Cedro e Moura (2007), o objetivo do jogo era que um jogador chegasse ao fim do mês com uma quantia de dinheiro maior do que a dos seus adversários. A cada jogada, os estudantes deveriam escrever as transações feitas – se ganhou ou perdeu

dinheiro e de quanto se tratava. Sendo assim, os movimentos passam a ser cada vez mais intensos e as trocas comerciais cada vez mais rápidas.

Depois do jogo e de feitas as observações, os estudantes deveriam responder a três questões que tinham como objetivo “ser um primeiro passo para a realização de uma síntese teórica sobre a insuficiência do instrumento utilizado na atividade” (CEDRO; MOURA, 2007, p. 50). As questões eram as seguintes:

[1.] Que problema esta forma de registrar o movimento diário de sua vida traz para o sr. Tobias ?

[2.] Se por acaso as atividades diárias do sr. Tobias aumentarem consideravelmente, é possível que se continue com esta forma de registro? Por quê?

[3.] Afinal, qual é o problema que o sr. Tobias está enfrentando?

Nesta passagem do texto, o sr. Tobias é um personagem fictício presente nesta história virtual. Como mencionamos, esse personagem registrava toda movimentação do dinheiro por extenso, sendo que os estudantes fariam o papel desse personagem. Como tudo deveria estar detalhado, e o jogo começa a ganhar forma e rapidez, escrever todos os valores passou a ser um processo que atrapalhava a dinâmica e o seu andamento. Sendo assim, surge a necessidade de uma maneira de reescrever essas quantias de maneira mais sucinta, ou seja, é preciso criar um novo instrumento para suprir uma necessidade objetiva: designar símbolos aquilo que estava apenas escrito por extenso.

Portanto, esta é uma narrativa que também conta com uma situação-problema da qual os alunos devem se colocar no lugar daqueles que pretenderam resolver tal problema, que pode ter sido vivido pela humanidade para responder à uma questão real – a necessidade da criação de símbolos que facilitassem a comunicação entre os humanos. Outro exemplo de história criada é “O Segredo da Canastra” (AMORIM, 2015) , no qual a personagem Emília, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, esconde um segredo e o tranca na sua canastra com um cadeado numérico. Como não poderia deixar de ser, Emília, sempre muito esperta, deixa algumas dicas para si mesma para não esquecer a senha e então relaciona símbolos arbitrários com os algarismos indo-arábicos. Assim, o objetivo é problematizar o sistema de numeração na base dez ao explicitar alguns dos elementos que o compõem, ao descobrir a lógica do sistema de numeração fictício, dessa vez de base quatro (AMORIM; MORETTI, 2017).

Portanto, utilizar narrativas que tragam discussões acerca da história que envolvem os conceitos a serem trabalhados em sala de aula, pode ser um avanço nos processos de

ensino e aprendizagem, uma vez que a abordagem não ficará apenas nos exemplares que compõem o conteúdo. Ensinar e aprender a análise combinatória, por exemplo, não é só saber sobre arranjo, combinação e permutação. Os são também, mas é, principalmente, entender como, em qual momento histórico e por quais motivos a humanidade os elaborou, com o objetivo de responder a quais questionamentos. Além disso, a unidade que define todas essas partes como o conteúdo “análise combinatória” e qual é a sua essência são questionamentos importantes que podem ser tratados a partir da história virtual do conceito.

Assim como o exemplo da análise combinatória, quando pensamos em Função é comum pensarmos nos seus diversos tipos: de 1º e 2º graus, exponencial, logarítmica, modular, constante e trigonométricas. Mas o que é que faz com que todos esses exemplares sejam classificados como Função, qual é a unidade que nos possibilita identificá-los como tal? Responder a esses questionamentos será nosso objetivo no tópico a seguir.