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Entrando no espaço escolar: olhando a prática docente

CAPÍTULO IV- ANÁLISE DOS ACHADOS:

4.1 Entrando no espaço escolar: olhando a prática docente

As visitas às escolas iniciaram no mês de novembro de 2010 e as observações das aulas ocorreram de 16 de novembro até 17 de dezembro, totalizando 24 aulas observadas, sendo duas semanais, por turma.

Procurei direcionar o meu olhar para o funcionamento geral da escola. Desde minha entrada no local, o contato com as pessoas da instituição, a movimentação dos alunos. Observei a localização das salas, a distribuição e acessibilidade dos espaços, a sala de recursos, a sala dos professores, o espaço e os materiais para a EF. Estas observações gerais do espaço escolar são relevantes, pois retratam o contexto em que as práticas docentes

pesquisadas estão inseridas, o que permitiu conhecer melhor a realidade pesquisada, colaborando para a organização das observações.

Quanto às aulas observadas, foquei minha atenção na movimentação dos alunos e do professor de EF, observei a organização da aula, o material utilizado, assim como o uso dos espaços. Estive atenta às atividades propostas, ao comportamento e às atitudes da turma e dos alunos em situação de inclusão, buscando analisar as relações professor-aluno e aluno-aluno. Por fim, o encerramento das aulas e o retorno para a sala de aula.

Apresento aqui as observações de forma separada, a fim de contextualizar os espaços que fizeram parte desta pesquisa. Assim, aponto algumas características de cada escola e faço essa referência denominando as escolas com os números 1, 2 e 3; quanto às aulas, procuro não relacionar o professor com a escola, mantendo o sigilo das identidades dos informantes, sendo assim, apresento as observações denominando turma A, B e C. Também para preservar a identidade dos entrevistados, utilizarei como identificação entrevistado A, B e C; quanto ao gênero, optei por usar o substantivo professor no masculino ao referir-me aos entrevistados.

Na escola 1 a entrada e saída dos alunos são muito bem monitoradas. Além de ter os espaços bem distribuídos, existe uma sala separada para a secretaria, outra para a direção e uma terceira sala ampla para os professores. A sala de recursos fica numa parte mais interna da escola, no entanto, é um espaço agradável e possui diversidade de materiais. O local para a prática da EF é amplo, possuindo um pequeno pátio coberto na entrada da escola, onde se situa uma sala com materiais da EF. No fundo da escola há um amplo espaço arborizado, no qual se localiza uma quadra desportiva.

Na primeira visita à escola fui recebida pela diretora em sua sala, a qual disponibilizou seu tempo, oportunizando, assim, que eu explicasse minha pesquisa. Além disso, no decorrer de minhas observações, demonstrou estar atenta às minhas visitas. Dessa forma, fui encaminhada a uma das professoras da sala de recursos para saber dos alunos que são atendidos naquele espaço, focando naqueles que estão no primeiro e segundo ano do ensino fundamental. A partir disso, foi possível organizar as turmas e seus horários para as observações. Percebi ser a escola um lugar tranquilo e organizado, havia monitores circulando e uma relação harmoniosa com os alunos. A escola está em obras, contudo, foi possível visualizar a acessibilidade em diversos locais, como rampas, corrimãos e funcionários aptos para lidar com as situações de inclusão.

Já na escola 2, a entrada e saída são monitoradas, todavia não percebi muito controle na circulação de pessoas. Há uma sala ampla para a secretaria, porém a sala dos professores é pequena, com divisórias para separar o espaço da direção. A sala de recursos é um pouco

afastada das outras salas e possui diversos materiais, muitos jogos pedagógicos, materiais lúdicos coloridos e de diferentes tamanhos. O espaço para a EF fica na lateral da escola, há uma sala pequena para os materiais, duas quadras juntas e cercadas de muros, sendo uma delas coberta. É um espaço que não apresenta uma boa distribuição, possuindo acesso pela areia e, em alguns casos, dificultando a acessibilidade.

Na primeira visita, fui atendida pela secretária e não havia ninguém da direção para me receber. Como meu horário não coincidia com o da diretora, somente depois de várias tentativas consegui agendar um encontro. Ao ser recebida por esta, fui encaminhada à coordenadora educacional do 1º ao 4ª ano do turno da manhã. Expliquei a pesquisa e ela passou-me todas as informações necessárias, inclusive sobre os alunos atendidos na sala de recursos e os horários das turmas dessas turmas. Quanto à acessibilidade dos espaços físicos da escola, considerei poucos acessos adaptados. Existem alguns ajustes, mas são limitados a alguns espaços com dificuldade de acesso para as quadras esportivas, que deixam a desejar em função de não atenderem as necessidades mais específicas de uma cadeira de rodas, por exemplo.

Na escola 3 há bastante monitoração na entrada e saída. A secretaria está num espaço muito pequeno, pois fica na mesma sala da direção, separada apenas com uma divisória. Não tive acesso à sala dos professores e a sala de recursos é afastada das outras salas, possuindo um espaço amplo. O espaço para a EF é muito restrito, há um pátio de areia e uma quadra sem cobertura. A sala de EF fica no fundo da escola e possui diversos materiais. Consegui conversar rapidamente com a diretora, a qual me encaminhou para a secretária da escola, sendo que esta me passou todas as informações necessárias. Sobre os alunos em situação de inclusão, conversei com a professora da sala de recursos. Quanto à acessibilidade dos espaços físicos da escola, considerei poucos acessos adaptados em relação à circulação e a áreas cobertas.

Após o contato com os professores de EF dessas três escolas, dei início às observações das aulas. Procurei não chamar a atenção da turma com minha presença, ficando sempre mais afastada e, aos poucos, aproximando-me para observar os detalhes dos diálogos. Alguns alunos demonstravam perceber minha presença, contudo, em certos momentos, pareciam esquecer que eu estava ali. Também procurei fazer poucos apontamentos durante a aula, deixando para escrever no final da observação.

Na Turma A, observei que os alunos chegam ao local da EF e ocupam todos os espaços, geralmente já se dividindo por grupos de afinidades. O professor, às vezes, propõe alguma atividade com todos os alunos, no entanto, quase sempre é uma brincadeira inicial.

Em seguida, os grupos voltam a formar-se e a aula fica mais livre. Alguns meninos jogam futebol, um grupo brinca com bola ou com corda e outros ficam distraindo-se com brinquedos que os colegas trazem de casa. O professor está sempre atento aos alunos, pois ocorrem desentendimentos entre os mesmos ou até mesmo entre os grupos. Nesse sentido, o professor sempre interfere e tenta resolver e, inclusive, já há uma regra estipulada para quem briga ou não está se comportando bem: sentar cinco minutos e ficar fora da brincadeira. Isso aconteceu algumas vezes e todos respeitaram a regra.

Já o material para a EF é muito precário e desgastado. O professor informou que, no início do ano, chegam diversos materiais, porém estes vão sumindo, seja por roubo, seja porque a bola cai no pátio do vizinho e o cachorro estraga. Nessa turma, devido à separação em grupos, não foi possível perceber as atitudes em relação ao aluno em situação de inclusão. Durante o período observado, ele pareceu tranquilo, pois passou a aula inteira circulando entre os grupos, conversando com alguns e brincando com os que tinham mais afinidade. Apesar da dificuldade na fala, apresentou-se bastante comunicativo. Observei, também, que ele sempre trazia brinquedos; o professor acha que isso acontece na tentativa de que os colegas brinquem mais com ele.

Em uma das aulas observadas, o professor levou a turma para uma praça próxima e informou-me que algumas vezes ocupa esse espaço por ser grande e muito próximo da escola. Neste dia o aluno não foi à aula, todavia, observei que a dinâmica foi a mesma: brincadeiras livres e em pequenos grupos. No restante das aulas observadas manteve-se sempre o mesmo padrão, ou seja, a presença ou ausência dos alunos de inclusão não influenciou a organização da aula.

Nesse espaço de tempo das observações, não presenciei nenhuma atitude de preconceito em relação ao aluno, por parte da turma. Ele demonstrou sentir-se bem naquele espaço, porém o professor acredita haver preconceito por parte dos outros alunos. Disse que esses demonstram não gostar muito de brincar com o discente em questão, afastando-se dele.

Senti falta de atividades mais direcionadas, de unir a turma para realizar dinâmicas relativas ao objetivo da EF. Entendo que o brincar livremente pode fazer parte de momentos das aulas de EF na faixa etária das turmas observadas, mas é necessário também um trabalho orientado, focado no desenvolvimento dos alunos e nas relações que devem ser possibilitadas nesse espaço de aula. É nessas relações, propiciadas nas atividades, que se constroem afinidades e bons relacionamentos. Nesse sentido, sobre a realização de atividades livres Seabra (2006, p.83) comenta que:

Favorecer este espaço aos alunos pode significar um momento positivo para as interações sociais, para as descobertas, em que, livremente, de acordo com seus interesses, suas possibilidades e suas capacidades, a criança possa entrar em contato com diferentes manifestações e práticas corporais.

Atividade livre, em uma dimensão lúdica, pode representar um momento importante na ação educativa, todavia, esse tipo de ação deve ser visto com cuidado, pois, favorecer este espaço, no contexto da educação escolarizada, não pode levar a uma atitude espontaneísta, por parte do professor, no sentido de afastar-se de seu papel educativo como mediador e facilitador no processo ensino aprendizagem. Caso contrário o papel do professor, como agente mediador e transformador intencional no processo ensino aprendizagem, estaria comprometido.

A Turma B tinha duas aulas de EF seguidas uma da outra que iniciavam no primeiro horário da tarde, onde todos os alunos ficavam expostos ao sol durante essas aulas. Geralmente, na primeira aula ocorriam atividades organizadas pelo professor e, na segunda, a turma ficava mais livre, brincando por outros espaços em que havia sombra.

As atividades iniciavam com os alunos indo para a quadra e alguns acompanhando o professor até a sala, para buscar o material. Este organizava o material na quadra, conforme a sua proposta de trabalho. Enquanto isso, os alunos brincavam juntos e corriam por outros espaços. Após a preparação do material, o educador reunia a turma para explicar a atividade. A aluna em situação de inclusão, inicialmente, ficava afastada e olhava a movimentação, às vezes, brincando um pouco com os colegas. No entanto, quando iniciava a atividade da aula, ela ficava só observando e, algumas vezes, saía da aula. Contudo, o professor estava sempre atento a sua movimentação e procurava fazê-la participar da atividade - o que quase sempre conseguia. Conforme sua participação ia aumentando, notava-se muita animação de sua parte. Digo que „quase sempre conseguia‟, pois, às vezes, a aluna saía da aula e sumia, sendo a monitora da escola quem a trazia de volta. Nesses momentos, pude perceber que o professor via-se dividido em atender a turma ou ir atrás da aluna e deixar o grupo sozinho.

Quando o docente chamava a turma, todos vinham rapidamente para a sua volta e ficavam muito atentos, além de realizarem a atividade com empolgação. Havia variações nas atividades e eles sempre demonstravam interesse pela proposta; algumas vezes paravam de fazer a atividade e sentavam, mas era visível que isso ocorria devido ao calor, pelo fato de estarem expostos ao sol. O professor demonstrava atenção ao movimento de todos os alunos, desenvolvia atividades motoras diversas, estimulava o trabalho em equipe, procurando manter a turma sempre unida. As atividades contemplavam o grupo de forma geral, não apresentando dificuldades que necessitassem de adaptações relativas às especificidades dos alunos. Embora envolvendo competição - pois geralmente fazia jogos de estafeta – não havia problemas para

o grupo: os alunos ficavam tão envolvidos em executar a atividade que a competição acabava tornando-se pouco relevante.

Ao final do primeiro período, o professor guardava o material e deixava a turma livre para brincar, liberando os colchonetes e a bola de futebol. Nessa pausa, a turma saia para beber água e logo os alunos pegavam os colchonetes e descansavam nas sombras, para, em seguida, começarem a brincar, a correr e, alguns, o jogar futebol na quadra da aula. Nesses momentos, a aluna em inclusão estava sempre envolvida, acompanhando a turma nas brincadeiras. Percebi que havia alguns desentendimentos, pois ela não media muito sua força e o que era para ser brincadeira acabava em confusão, quase sempre resolvida entre eles. Caso contrário, o professor intervinha e conversava com o grupo.

Achei muito interessante a relação desse professor com seus alunos, pois ele sempre estava tranquilo, conseguia manter um diálogo e recebia demonstrações de amizade por parte dos alunos. No momento da segunda aula, na qual os alunos ficavam mais livres, costumavam reunir-se na volta do professor, que se sentava junto com eles nos colchonetes, para conversarem.

A Turma C era uma turma tranquila e muito unida. Os alunos ficavam envolvidos com as atividades, sendo que muitas vezes pareciam nem perceber minha presença como observadora. O professor conversava com os alunos em sala e levava a turma para a quadra menor. Nessa turma havia um aluno autista (aluno 1) que, em alguns momentos, era acompanhado de uma monitora, e um aluno com deficiência física, o qual utilizava cadeira de rodas (aluno 2). As atividades iniciavam com o professor organizando os exercícios e explicando-os para a turma. O aluno 1 ficava sempre muito disperso, geralmente querendo ir embora. A monitora ficava acompanhando seus movimentos e o professor chamava a sua atenção várias vezes. Inclusive os próprios colegas o convidavam para as atividades, mas raramente ele participava. Ora queria ficar sentado, ora deitado e também tentava ir para o portão da escola. O aluno 2 participava junto com a turma e desempenhava bem as atividades - conforme as suas limitações motoras. Alguns exercícios eram adaptados e, em outros, ele só acompanhava a turma, mas sempre demonstrando satisfação em estar na aula com os colegas. Muito interessante a relação da turma com esse aluno: os colegas estavam sempre a sua volta. Em uma das aulas observadas, a turma ficou em sala e o professor propôs jogos pedagógicos. Todos ficaram interagindo sentados ao redor de uma mesa e demonstraram uma grande amizade no grupo; em nenhuma das observações ocorreu desentendimentos entre os alunos.

As aulas desse professor eram criativas, as atividades diversificadas, envolvendo exercícios de motricidade. O professor usava histórias nas atividades, estimulando a

imaginação dos alunos e fazia brincadeiras com dinâmicas variadas. Foram aulas muito interessantes. Percebi que a maior dificuldade enfrentada era com o aluno 1, uma vez que este necessitava de alguém que, além de acompanhá-lo, desse um suporte durante as atividades propostas pelo professor, o que não ocorria. A monitora demonstrava despreparo para tal função, pois não auxiliava nem estimulava, apenas acompanhava o aluno. O professor relatou que esteve um bom tempo sem monitoria e, no último mês, já havia mudado duas vezes de monitor. Isso, segundo ele, também atrapalhava o andamento das aulas, pois ele considera que estas mudanças não são boas para o aluno, porque não favorece um ritmo adequado de trabalho. Contudo, o que o professor percebe é que a função de monitor ainda não está bem clara, inclusive para o próprio funcionário, o qual acaba perdido, sem saber muitas vezes qual atitude tomar. O docente também salientou que seria importante ter um momento para conversar como o monitor e que este deveria estar atento e envolvido na proposta de trabalho de cada aula.

Este professor faz um trabalho com dança na escola, realizando coreografias com alunos de diferentes turmas. Em uma de minhas visitas, presenciei o ensaio de uma coreografia para a festa que iria ocorrer na escola. Havia um grupo grande de alunos e uma aluna adolescente com problema motor, a qual parecia ter uma paralisia parcial (hemiplegia). A alegria do grupo em dançar chamou muito minha atenção, em especial, esta aluna que estava envolvida de forma muito natural e demonstrando uma grande satisfação em estar dançando. A interação do grupo era visível nos olhares e nos movimentos.

Diante das situações observadas, percebi espaços que estão se reformulando a partir das exigências do processo de inclusão; há escolas que estão buscando condições para adaptar-se a este processo. Saliento como pontos positivos, as salas de recursos com diversidade de materiais e profissionais especializados, o fato de as turmas com alunos em situação de inclusão serem pequenas, os ambientes escolares parecerem em harmonia, no que diz respeito à aceitação da inclusão, e os professores de EF entrevistados, diante das dificuldades e particularidades, demonstrarem preocupação com o processo de inclusão.