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4.3 RELAÇÕES NO SISTEMA DE INOVAÇÃO

4.3.3 Entraves à difusão da inovação

Os entraves para a difusão indicam um posicionamento relutante dos agentes quanto à criação de uma unidade integrada, o que pode ser ilustrado pela

resistência dos agentes em compartilhar e realizar ajustes que auxiliariam a consolidação do sistema. Embora de pontos de vista diferentes, todos os agentes apontaram obstáculos à inovação que provém da resistência ou desinteresse de outro agente em realizar ajustes ou promover compartilhamento de recursos para o benefício conjunto.

Ainda assim, todos os agentes acreditam que em média nos últimos cinco anos, os alimentos funcionais tem se difundido em grande escala, indicando um aumento do mercado consumidor e das oportunidades para o sistema de inovação, o que indica uma disparidade na difusão do sistema: mercado potencial versus falta de integração no sistema.

Dos entraves à difusão, o governo foi o mais criticado (visto que foi o mais citado nas entrevistas), tendo sido a legislação o obstáculo tido como mais complexo para as inovações em alimentos funcionais no Rio Grande do Sul.

As empresas, principais agentes da P&D de alimentos funcionais, consideram que estes produtos enfrentam como principal entrave a legislação brasileira que impede diversas idéias de tornarem-se comercializáveis. Em menor escala, citaram também a resistência de um grupo de consumidores e a posição dos varejistas, que ainda limita a quantidade e a variedade de alimentos funcionais nas gôndolas. Contudo, os consumidores não indicam tal resistência, tendo apontado um alto consumo diário e semanal per capita de alimentos funcionais (BARCELLOS et al, 2011).

A crítica à legislação e a consideração desta como o grande entrave do sistema foi também enfatizada pela Universidade B, federação das indústrias (FIERGS) e sindicato (SIA-RS). Segundo estas, a capacidade de criação e produção de novos alimentos, em especial pelas pequenas empresas, é prejudicada pelo alto volume de requisitos legais exigidos para a aprovação de produtos.

A ANVISA e sua comissão (CTCAF), por seu turno, consideram a falta de estudos por parte das empresas e a conduta irregular de fabricantes e comerciantes de divulgar alegações não permitidas e sem comprovação científica são os reais entraves do sistema. Segundo a entrevistada da ANVISA, sem os devidos estudos, as inovações não estão completas e não podem ser comercializadas se ainda há risco ao consumidor. A pouca colaboração com as universidades, observada na pesquisa, pode justificar a falta de estudos relatada pela entrevistada.

O medo das empresas de compartilhar informações foi outro entrave citado pelos entrevistados e uma constatação reiterada da pesquisa. Os agentes indutores e intermediadores alegam não conseguir colaborar plenamente com sugestões, recursos e capacitações devido ao grande receio das empresas em abrir suas portas para parceiros. Segundo a entrevistada do Sindicato das Indústrias de Alimentos (SIA-RS), quanto menor a empresa, mais receosa em compartilhar informações. Nas palavras da mesma:

Tem associados que tem tanto medo que a gente passe os dados deles pra outros que nem o e-mail eles querem passar [...] Fazem mil questionamentos [...] o porquê a gente precisa daquela informação [...] e às vezes pedem até por escrito uma confirmação de que o nome do responsável ou o contato não vai ser divulgado para outras fontes. [...].A gente não consegue ajudar, porque eles não abrem. Tem um monte de atividades que a gente tenta, mas não adianta, o pessoal não vem [...]. Acham que isso vai entregar os segredos deles para os outros.

Pelo mesmo motivo, pesquisas sobre competitividade e necessidades da indústria alimentícia, bem como a oferta de capacitações e outros incentivos promovidos pelo sindicato acabam prejudicados e, em grande parte das vezes, ficam restritos a um pequeno grupo de empresas.

A entrevistada da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS) reforça as alegações:

[...] Em todos os eventos, vem sempre os mesmos (representantes das empresas gaúchas). [...] Às vezes o evento é gratuito, tudo pago pelo governo (feiras internacionais, congressos) e ainda assim temos dificuldade de preencher as vagas.

O benefício, não aproveitado pela empresas gaúchas, muitas vezes acaba sendo repassado a empresas de outra região do Brasil ou mesmo a empresas estrangeiras. Assim, incentivos que poderiam auxiliar as empresas locais a adquirir competitividade são desprezados, muitas vezes por receio das empresas de compartilhar as mais elementares informações. A desconfiança também está nas ofertas, que acreditam ter uma contrapartida não explícita.

As universidades ressaltaram esta mesma dificuldade como um ponto crucial da difusão das inovações, em especial devido ao desinteresse das empresas em incentivar estudos que não resultem diretamente em um novo produto para comercialização própria. As universidades A e B comprovam este posicionamento

receoso exemplificando com o pedido reiterado de sigilo dos projetos, que muitas vezes prejudicam as publicações acadêmicas.

A ANVISA confirmou a preocupação extrema das empresas em manter sigilo a respeito de seus produtos. De acordo com a entrevistada, existem casos em que as empresas apresentam tal resistência a revelar seus dados, que o órgão realiza um tratamento altamente sigiloso da fórmula, ficando a mesma restrita à análise de um grupo seleto de profissionais e nem mesmo consta no jogo de documentos arquivados no órgão.

O fato de as empresas não perceberem a importância da colaboração com outros agentes e buscar apenas projetos que mantenham o conhecimento “fechado” na organização, confirma o medo das empresas gaúchas de compartilhar informações com outros agentes. Este receio limita as relações do sistema, uma vez que reduz a colaboração entre os agentes, confirmando assim o entrave previsto na literatura (RAUEN; FURTADO; CÁRIO, 2009).

O quadro a seguir resume os entraves que ainda afetam a difusão dos alimentos funcionais.

EMPRESAS

- Receio em compartilhar informações;

- Produtos com alegações de propriedades funcionais não aprovadas ou sem comprovação científica GOVERNO - Legislação excessivamente burocrática e inflexível

CONSUMIDOR - Resistência de determinado grupo de consumidores aos novos alimentos

VAREJISTAS - Quantidade e variedade restrita de alimentos funcionais em alguns pontos de venda

Quadro 5 – Entraves à difusão da inovação.

Os entraves apresentados para a difusão da inovação tendem a afetar a eficiência do sistema de inovação, tornando-o fragmentado e reduzindo o potencial de criação de inovações (ROESE, 2000; CHAVES; ALBUQUERQUE, 2006). Complementarmente, a difusão da inovação representada pelos alimentos funcionais, embora crescente como já havia sido pontuado no referencial teórico (FIERGS, 2010a; FIERGS, 2010b; RÜHEE, 2010), ainda não atingiu o ponto em que

a diferenciação passa a inexistir (NELSON; PETERHANSL; SAMPAT, 2004), o que também pode ser resultado dos entraves, que “atrasam” o processo de inovação (LIMA; TEIXEIRA, 2001). Mesmo com o volume considerável de agentes e produtos identificados, os alimentos funcionais consistem num vasto grupo, que ainda possui várias possibilidades de expansão pouco exploradas, o que se justifica pela demanda ainda não atendida e o aumento da quantidade de empresas do segmento nos últimos anos, como constatado na pesquisa. Os entraves indicados pelos agentes igualmente refletem um cenário potencial de expansão, que pode ser conquistado conforme os obstáculos impostos pelos próprios agentes forem superados. Contudo, sem a superação dos empecilhos impostos pelos próprios agentes, o desenvolvimento e a consolidação do sistema tendem a ficar comprometidos.

Em suma, as relações do sistema de inovação mostram-se afetadas pela baixa percepção de importância de colaboração das empresas, uma vez que as mesmas constituem o núcleo do sistema de inovação. Embora sensibilizadas a colaborar com alguns agentes próximos, os demais agentes do sistema não estabelecem, em sua maioria, comunicação eficaz entre si. Isso se deve, entre outros, ao medo de compartilhar informações e a falta de visão integrada, que é expressada pela resistência ou baixo empenho dos agentes em ajustar seus posicionamentos individuais para contribuir para a eficiência do sistema.