• Nenhum resultado encontrado

4.2 ASPECTOS GERAIS DO SISTEMA DE INOVAÇÃO DE ALIMENTOS

4.2.6 Políticas e regulamentos

A primeira constatação de pesquisa a respeito de políticas e regulamentos provém da ANVISA e refere-se ao termo “alimento funcional”. Legalmente, o governo brasileiro não reconhece este termo, uma vez que para as autoridades, todo o alimento, por definição, seria funcional, logo a diferenciação do alimento funcional não existiria. A fim de regulamentar a categoria de alimentos industrializados que propiciam benefícios à saúde foram definidas disposições relacionadas ao termo “alimentos com alegações de propriedades funcionais e/ou de saúde em alimentos”. A listagem de alegações de propriedades reconhecidas pela ANVISA está disposta no anexo B desta pesquisa. Outras podem ser adicionadas de acordo com a avaliação de solicitações das empresas, que requerem a apresentação de estudos e documentos comprovando as propriedades benéficas do novo alimento.

Outro ponto importante da legislação é o fato de não existir complementos estaduais de qualquer natureza. Assim, a ANVISA, um órgão nacional, é a única autoridade a estabelecer políticas e regulamentos a respeito dos alimentos funcionais, tanto para o Rio Grande do Sul, quanto para os demais estados do Brasil. Estes produtos são regulamentados por meio de três resoluções fundamentais:

a) Resolução ANVISA nº 18/99: estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades funcionais e/ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos;

b) Resolução ANVISA nº 19/99: define os procedimentos de registro de alimentos com propriedades funcionais e/ou de saúde e;

c) Resolução RDC ANVISA nº 2/02: dispõe sobre substâncias bioativas e probióticos isolados com alegações de propriedades funcionais e/ou de saúde.

No que se refere ao estágio em que a legislação brasileira sobre alimentos funcionais se encontra, é pertinente citar o comentário da entrevistada da ANVISA:

Os regulamentos técnicos sobre alimentos com alegações de propriedades funcionais e/ou de saúde foram elaborados com base nas referências internacionais existentes à época (1999), principalmente as normas do Codex Alimentarius, uma vez que poucos países dispunham de normas sobre o assunto. O Brasil foi o primeiro país a regulamentar o assunto na América Latina. No entanto, os regulamentos são dinâmicos e precisam ser atualizados considerando que muitas referências internacionais foram revistas.

A necessidade de modificação da legislação, reconhecida pelo órgão, é altamente cobrada pelos demais agentes. Empresas, universidades, sindicato e federação declararam considerar as exigências da ANVISA complexas, difíceis de cumprir e onerosas.

As empresas confirmaram que projetos inteiros já foram descartados devido ao alto gasto de tempo, recursos financeiros e capital humano que necessitariam ser empregados para desenvolver um alimento funcional dentro das exigências da ANVISA. Segundo os mesmos, quanto mais diferenciado é o alimento, mais estudos e documentações precisam ser apresentados para sua aprovação pelo órgão.

Os órgãos indutores (FIERGS e SIA-RS) afirmam que a regulamentação excessivamente burocrática prejudica a inovação de alimentos, visto que produtos aceitos em outros lugares do mundo não são aprovados no Brasil. A Comissão da ANVISA (CTCAF) defende a ANVISA, afirmando que os modelos internacionais de segurança de alimentos, embora mais flexíveis, nem sempre são efetivos e casos delicados já foram gerados de aprovações sem o devido estudo, como o exemplo dos alimentos feitos a partir do fruto de noni (tradicional da região amazônica), aprovados pela União Européia e reprovados no Brasil, que comprovaram gerar insuficiência hepática em uma parcela significativa da população, tendo sido retirado às pressas do mercado europeu.

Segundo a entrevistada da Universidade B, os testes clínicos para aprovação dos alimentos funcionais no Brasil variam, em média, entre seis meses e dois anos, o que prejudica o lançamento da inovação no mercado. De acordo com a mesma, em muitos casos, até o tempo mínimo é o suficiente para um concorrente lançar um produto similar, o que faria com que a inovação perdesse força e o investimento de

pesquisa não tivesse retorno, motivo pelo qual muitas empresas desistem dos projetos.

A entrevistada da Empresa B reconheceu que os produtos da empresa não estão registrados como alimentos funcionais. Embora com propagandas divulgando benefícios do alimento (o material promocional da empresa mostra a chamada “alimentos funcionais à base de soja), as exigências da ANVISA para que a informação de alegação funcional constasse no rótulo (apresentação de documentação, detalhamento de quantidades, testes em humanos, etc) fizeram com que a empresa optasse por trabalhar com o conceito de “alimento funcional” apenas na perspectiva do marketing. Logo, os produtos detêm apenas o registro como alimento tradicional, o que igualmente permite a comercialização do alimento em território nacional. Embora legalmente no mercado, percebe-se uma inconsistência entre a propaganda e o registro dos alimentos da empresa.

Este não é o único caso de alimentos funcionais não adequados às diretrizes da ANVISA identificado na pesquisa. Segundo a Comissão da ANVISA (CTCAF), há outra lacuna na legislação que permite que alimentos entrem no mercado como funcionais sem estarem submetidos à autorização da ANVISA, mesmo que por um curto período. Segundo o entrevistado, alimentos específicos, como os lácteos, podem solicitar seu registro diretamente pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Algumas empresas fazem uso desse registro para introduzir alimentos funcionais no mercado (como por exemplo, iogurtes com adição de vitaminas e probióticos) sem atenderem aos requisitos da ANVISA. De acordo com o entrevistado, medidas já estão sendo tomadas para evitar novos casos, mas é relevante ressaltar que até mesmo multinacionais introduziram alimentos através deste método.

O entrevistado da Comissão da ANVISA (CTCAF) reconheceu ainda que o grande desafio quanto aos alimentos funcionais é de fato melhorar a fiscalização, de modo a prevenir este e outros problemas. Segundo ele, a regulamentação, embora mais rígida que outros modelos (como o europeu) é adequada e garante a segurança do consumidor. A fiscalização, em contrapartida, ainda não consegue impedir que fabricantes e varejistas propaguem e comercializem alimentos funcionais não regulamentados ou com promessas mentirosas. Segundo o mesmo, certas empresas aproveitam a tendência de alimentos com benefícios para propor produtos milagrosos, sem registro e com promessas ilusórias como o exemplo de

um suco que esteve sendo vendido no interior de São Paulo e que supostamente “cura a caspa”, um problema dermatológico que não poderia ser simplesmente sanado por um alimento. Outro exemplo da necessidade de melhoria da fiscalização foi constatado ao longo da pesquisa. Segundo o entrevistado da Comissão da ANVISA (CTCAF), foi proibido recentemente (novembro de 2011) o uso do Aloe Vera em alimentos devido aos possíveis riscos do uso da planta na alimentação e a falta de estudos a respeito. Contudo, ao longo da observação nos pontos de venda (vide Apêndice F) verificou-se que sucos com este princípio ativo ainda estão sendo comercializados em lojas especializadas em alimentos naturais.

A idéia do agente governamental visto pelos demais agentes como prejudicial à inovação contrapõe Freeman (2002), que indicava o governo como um agente incentivador da inovação em maior ou menor intensidade. A importância da regulamentação - em especial para alimentos - prevista na literatura, foi confirmada no estudo (COUTINHO; FERRAZ, 1995; RÉVILLION; PADULA, 2008; SALGADO; DE ALMEIDA, 2008). Em contraponto, a Lei da inovação tecnológica (BRASIL, 2010), uma ferramenta governamental brasileira de ação no sistema de inovação, não foi citada pelos entrevistados em nenhuma das respostas, o que pode indicar desconhecimento parcial da legislação que beneficia as empresas e ainda reforçam a falta de relacionamento entre os agentes. Benefícios fiscais como o da lei poderiam fornecer os recursos financeiros necessários para a adequação dos alimentos funcionais aos requisitos da ANVISA, viabilizando inovações que hoje são descartadas por falta de fundos.