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Entre a iniciativa infantil e o trabalho dirigido ou

11. As observações da prática curricular da educadora Madalena

11.2. As outras maneiras de fazer e estar com as famílias

11.3.2. Entre a iniciativa infantil e o trabalho dirigido ou

Ainda em conjunto na manta, a educadora propõe uma actividade, de pequeno ou grande grupo, para ser desenvolvida com o apoio de um dos adultos da sala:

153 "as crianças estão em grande cavaqueira entre si e as estagiárias e a

educadora está de dedo no ar à espera de poder falar: - posso falar agora de outra coisa?

- sim!!! - respondem

- vamos lá a ver quem fez anos a semana passada, enquanto estivemos de férias, sim?

(dirige-se para o calendário de aniversários afixado na parede. As crianças respondem acertadamente):

- foste tu, o Alberto e a Matilde

- então devíamos fazer o bolo de anos

- mas os bolos de anos não se fazem... eles já estão feitos - diz o Vasco

- mas sabes, nem todas as pessoas compram bolos de aniversário na pastelaria. Eu, por exemplo, faço sempre os bolos de anos

- mas não é preciso - insiste ele

- pois, mas nós temos iogurtes ali que dão para fazermos um bolo de iogurte, acham bem?

- eu quero! Eu quero! - dizem quase todos - então quem é que vai?

- toda a gente - responde o Vasco

está bem, depois do lanche vamos fazer o bolo para lancharmos à tarde". (Registos, 06 de Março de 2001)

"após a conversa sobre a operação da mãe da Julieta, a Madalena diz para o grupo:

- meus meninos, eu tenho estado cá a pensar que nunca sei quem é que está ao certo nos cantinhos, porque às vezes estão lá meninos só de passagem, outras vezes saem duns cantos para os outros e então parece-me que temos de arranjar uma maneira de sabermos bem quem é que escolheu primeiro. Quem são os meninos que querem vir comigo fazer umas tiras de cartolina para cada um lá escrever o seu nome? Depois pomos qualquer coisa para que as tiras colem nos armários e cada vez que mudarem de cantinho, vocês colocam no armário a tira com o vosso nome, sim?

- sim - respondem alguns

- nós depois pensamos melhor como é que vai ser, agora quem é que quer vir trabalhar nas tiras?

- eu! Eu! EU! - oferecem-se a Manuela, a Joaquina, o Telmo, o Amilcar, a Irene, o Alberto e a Antónia". (Registos, 20 de Março de 2001)

Está em evidência a ideia de que a Ermida é um contexto de acção organizado antecipadamente pela educadora, que aponta propostas previamente definidas, regulando as actividades e permitindo às crianças interpretar circunstâncias e situações de modo a poderem responder adequadamente ao que está a acontecer e a adoptar um comportamento adequado (Giddens, 1984:70). Neste sentido, a proposta da Madalena é paradigmática, dado que as crianças percebem que se trata de "trabalho", onde se estabelecem algumas combinações necessárias ao desenvolvimento da actividade, mas que a proposta que a

154 educadora considera com importância para ser explorada, deve ser entendida, observada e cumprida.

Ainda neste espaço de reunião, as crianças escolhem as actividades também em grupo, uma a uma, à medida que a educadora (ou algum colega por ela nomeado) vai chamando pelos nomes:

"a Madalena tira a caixa mágica da prateleira da estante e diz:

- atenção... ora vamos lá a ver quais são os nomes que aparecem primeiro

(tira um cartão com um dos nomes e mostra-o ao grupo): - Luís - diz ele

- para onde queres ir? - para o computador

(os outros aguardam a sua vez na expectativa da magia funcionar a seu favor)

- vamos ver agora outro nome... (e a educadora volta outro cartão) - Gonçalo. Eu vou para o médico

(e assim sucessivamente...)" (Registos, 12 de Março de 2001)

"terminada a conversa acerca das amêndoas que a Rita trouxe da casa de Trás-os-Montes, a educadora diz:

- Hoje é a Matilde quem manda. É ela quem vai chamar para dizerem o que querem fazer.

( a menina começa a olhar seriamente para os colegas, a pensar quem escolhe primeiro e alguns sugerem-lhe os próprios nomes, mas ela não parece deixar-se influenciar):

- Jorge, és tu

- para a pista - diz ele, levantando-se logo - André, pra onde vais?

(ele fica pensativo e os colegas impacientam-se) - para a pista

(prosseguem as escolhas, com a Marta em silêncio, supervisionando o grupo...)" (Registos, 09 de Março de 2001)

Importa sublinhar o papel atribuído às crianças na própria dinâmica institucional, sendo elas também mediadoras na comunicação e afirmando-se na vida da comunidade a que pertencem. Compreende-se assim como este tipo de participação é fonte de representações e meios de compreensão das relações sociais. Esta ocasião permite a todas e a cada uma das crianças expressar opções e tomar decisões, ter consciência dos seus interesses e procurar resolver alguns problemas, nomeadamente escolher outra actividade quando a que pretende já não é possível. Tal pode ter a ver, por exemplo, com o número de crianças que pode funcionar em cada área de cada vez e, assim sendo, é sentida a necessidade de discutir e acordar alternativas.

155 Trata-se dum momento de planeamento intencionalmente educativo que inclui dois tipos de actividades: as actividades livres11 e as orientadas, ou seja, da iniciativa da educadora.

No caso das primeiras, elas são livres porque se apresentam à disposição das crianças, facilitando e solicitando escolhas e gestão das actividades. Por outro lado, este livre acesso acaba por ser ao mesmo tempo restrito, dado que as escolhas se confinam a actividades previamente organizadas pela educadora.

As actividades orientadas são mais estruturadas, também planeadas pela educadora e realizadas com o apoio dos adultos da sala, havendo maior ou menor orientação por parte destes.

11.3.3- "Acertar o passo depois do recreio" ou... A separação do(s) tempo(s) e do(s) espaço(s)

"- isso é que foi brincar... agora vamos lá a ver... eu vou buscar a caixa mágica, tirar os cartões um a um e perguntar o que querem fazer?" (Registos, 13 de Março de 2001)

Voltar à reunião em grupo no regresso do recreio, funciona como um mecanismo de socialização dos ritmos institucionais, isto é, visa mais uma vez socializar as crianças na ordem institucional. Rever com as crianças o que estão ali a fazer (assinalando assim o fim de um tempo e espaço que é todo da ordem das crianças) e recontextualizar a sala de actividades através dum ritual de entrada para se regressar a um tempo da ordem da educadora, novamente o momento de reunião na manta onde voltam a acordar as actividades a desenvolver.

11.3.4- "O fim da manhã" ou... Um tempo de espera e entretém sem abdicar da ordem

O final dum tempo forte da manhã - a saída para o almoço - que se configura como uma ruptura com os tempos do J.I., como um período de transição entre a instituição e a casa, foi cuidadosamente planeado pela Madalena, estabelecendo o regresso à manta, ao tempo colectivo. Antecipando

11

156 um momento de alguma desordem, a educadora confere-lhe acalmia, dando uma atenção especial a uma ou outra criança mais inquieta, dizendo um poema, cantando em conjunto, enfim, acima de tudo, o seu sentido de calma e de ordem vão levar as crianças a superarem algumas dificuldades que este período poderia criar. Assim, o grupo reúne-se na manta para conversar, cantar, ouvir música..., enquanto aguardam a saída para o almoço, que se processa gradualmente:

"já estão quase todos reunidos na manta quando aparece o Antero com a capota do carrinho das bonecas avariada. A conversa gira à volta do facto das crianças se sentarem no carrinho e andarem nele: - pois é, vocês têm ideia da razão porque a capota se estragou? - porque andam lá em cima - responde a Aurora

- pois é, fazem de conta que são bébés, mas esquecem-se que não são

- e depois estraga-se - exclama o Daniel

- nunca nos devemos esquecer que os brinquedos não aguentam com muito peso... vocês já são muito grandes

- e agora? - pergunta o Antero preocupado

- fica combinado que logo eu vou arranjar este carrinho com vocês, à uma e meia."

"- o que vos parece que podíamos fazer enquanto esperamos que nos venham buscar?

- vamos cantar a cantiga da estrela! - propõe imediatamente a Julieta (todo o grupo canta baixinho: 'ai que estrela tão bonita'... Quando terminam, o Martinho sugere):

- agora vamos todos cantar aquela do upiá...

- então temos de ficar muito juntinhos... temos de fazer os gestos... um... dois... três...

- upiá... upiá... - cantam em coro". (Registos, 06 de Março de 2001)

11.3.5- "Arroz de cenoura e Bolero de Ravel" ou... Voltar a entrar na estrutura educativa

As crianças chegam e dirigem-se para a manta. A Madalena lidera uma conversa conjunta e, no final, procede à escolha das actividades feitas pelas crianças:

"a Madalena vem sentar-se no meio da roda que está bem cheia e começando por perguntar aos meninos que comeram na cantina: - o que foi o almoço hoje?

- douradinhos, alface e arroz com cenoura - responde o Bruno - e gostaram, estava bom?

- sim, era muito bom - diz o Telmo

- a cenoura estava no meio da alface ou do arroz? - do arroz - responde o Telmo

- então diz-se arroz de cenoura. E a sopa era de quê?

157 "as conversas processam-se de criança para criança enquanto se vão

reunindo. A educadora está a preparar um CD na aparelhagem de som e quando termina põe o dedo no ar para falar:

- meninos, dão-me licença?

(eles calam-se e a Madalena continua):

- lembram-se de uma música que eu disse outro dia que era uma música que começava muito pianinho e depois ia aumentando o som? Ora, eu andei a arrumar os meus CD's este fim de semana e encontrei finalmente o que queria. Vamos ouvir agora... eu gosto muito... vamos ver se vocês também gostam. Eu vou pôr só um bocadinho porque a música é muito grande.

(há silêncio absoluto e começa-se a ouvir o Bolero de Ravel. A certa altura a educadora diz):

- eu estou aqui sentada... não vou mexer no som e vocês vão verificar que ele vai aumentando

(passados alguns minutos, a Madalena volta a dizer no mesmo tom baixo):

- já ouvimos um bocadinho. Agora já estamos satisfeitos por ouvir

este pedaço e vamos então escolher o que cada um vai fazer". (Registos, 05 de Março de 2001)

Mais uma vez a manta é (re)visitada para se "viver e aprender a viver" (Perrenoud, 1995:25), na Ermida, ou seja, para se agir, escolher, reflectir, entrar em relação com os outros de um modo considerado apropriado pelo adulto, sendo mais uma vez o momento de reunião que gera aprendizagens acerca da relação com os outros, com uma determinada cultura, com a regra, com a comunicação constante no seio desta organização.

É de voltar a sublinhar a ponte que é estabelecida entre o que se passou na ausência daquela esfera institucional e a introdução de algo relevante para a educadora - o Bolero de Ravel - no ambiente educativo.

11.3.6- "Começam juntos e acabam juntos" ou... Tempo de Rever

Todo o grupo se reúne na manta e sob a orientação da educadora é feita uma conversa sobre o vivido, o trabalho realizado, fazem-se perguntas e dão-se opiniões. É com este momento de grande significado social e formativo que se encerra o ciclo do dia, procedendo-se à saída gradual das crianças:

"- um, dois, três... perninhas à chinês - cantarola a Madalena - vamo- nos sentar para conversarmos sobre o que fizemos durante o dia. O que é que gostaram mais na escola?

- de nada - responde logo o Telmo com um ar maroto

- não gostaste mesmo de nada? Não tinhas saudades depois do fim de semana?

- tinha, mas não quero falar

- eu gostei do computador - diz a Patrícia

- pois é, o que é que houve hoje de novo na nossa escola? - é o computador - responde o Telmo

158 - e eu fiz o meu nome, um desenho e depois saiu na folha -

acrescenta a Sara

- o Vasco quando estava nas construções não me deixou fazer o prédio - Antero

- sim, mas como é que fizemos com o computador - Madalena - estivemos a fazer coisas - Antónia

- mas primeiro tivemos de aprender o nome das partes todas, daquelas coisas todas que tem o computador

- pois foi - Telmo - depois eu fiz o quê? - escreveste - Julieta

- mas escrevi o que me apeteceu? - sim - Aurora

- não foi não... diz lá ao Raul o que é que eu escrevi - os nomes

- pois foi, mas vocês é que iam dizendo e a seguir?

(a conversa prossegue acerca do trabalho realizado). (Registos, 05 de Março de 2001)

"- antes de sairmos, vamos lá falar sobre a peça de teatro que fomos ver de manhã... qual é o nome?

- o Sebastião - Julieta

- a aventura de Sebastião Poffer, no Palácio Real, vocês lembram-se como começou a história?

- com o Sebastião - Bento - e onde estava o Sebastião? - na cama - Teresa

- e quem é que apareceu?

- eu fui ontem com o meu pai ao cinema - André

- sim, mas digam-me lá quem é que apareceu ao Sebastião? - a mãe - Sara

- mas ele foi chamar o amigo - Gonçalo

- mas temos de contar tudo de seguida... então o que é que ele fez quando a mãe apareceu?

(a reconstituição da peça prossegue até ao final)". (Registos, 15 de Março de 2001)

A intervenção da Madalena surge a ordenar as noções de tempo, de sequencialidade e a atribuição de sentido faz-se por via dessa sequencialização. Estamos a falar de um apelo à racionalização da sequência diária. Nesta revisão do vivido, as crianças reflectem sobre o que fizeram ao longo do dia e algumas tendem a verbalizar o que para elas foi mais relevante, significativo e é de notar que a educadora não se coloca nesta lógica das crianças, mas antes pega nesses aspectos para trabalhar naquilo que é importante na lógica do adulto, ou seja, a sua intervenção vai no sentido de trabalhar a alunização, o "ofício do aluno" (Perrenoud, 1995).

Crianças e adultos estão, pois, reunidos para reflectirem acerca do que fizeram ao longo do tempo de trabalho. Rever proporciona às crianças

159 oportunidades para falarem umas com as outras sobre as suas experiências para se ajudarem a encontrar soluções, estabelecerem uma relação entre o que pensaram fazer e o que fizeram, sobre as suas ideias e acções e a capacidade de as verbalizar.

A Madalena utiliza normalmente as mesmas estratégias que são usadas no planeamento, propondo questões às crianças sobre as actividades, os materiais usados, a sequência do trabalho, etc.

É possível então, visualizarmos as rotinas quotidianas no funcionamento do J.I. que surgem da iniciativa da educadora e as suas regularidades, nomeadamente o momento de reunião, distribuídas conforme o quadro 2.

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Quadro 2

Distribuição Diária das Rotinas

Rotinas Espaços Momentos

Acolhimento No hall Transição família / J.I.

Reunião Na manta

Contextualização no J.I.; planeamento; marcação de

presenças

Actividades

Áreas: computador, desenho, pintura, casa das bonecas, modelagem, biblioteca,

jogos, garagem, picagem, pista, construções

Momento em que as crianças desenvolvem actividades, individuais, em pequeno ou grande

grupo, livres e/ou apoiadas pelo adulto

Lanche Na hall

Momento em que crianças e adultos lancham juntos à volta

da mesa

Recreio No exterior

Brincadeira livre em conjunto com o 1º ciclo

Reunião Na manta

Contextualização na sala de actividades; escolha de actividades

Actividades

Áreas: computador, desenho, pintura, casa das bonecas, modelagem, biblioteca, jogos,

garagem, picagem, pista, construções

Momento em que as crianças desenvolvem actividades livres individuais ou em pequeno grupo

Arrumação Na sala Arrumação colectiva

Reunião Na manta

Momento em que as crianças aguardam a saída para o almoço, cantando ou entretendo-se de outras formas com os adultos e entre si

Almoço Na escola ao lado ou em casa Transição J.I. / família

Reunião Na manta

Contextualização no J.I.; escolha de actividades

Actividades

Áreas: computador, desenho, pintura, casa das bonecas, modelagem, biblioteca, jogos,

garagem, picagem, pista, construções

Momento em que as crianças desenvolvem actividades livres individuais ou em pequeno grupo

Arrumação Na sala Arrumação colectiva

Reunião Na manta Tempo de rever

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