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8. Em suma ou a história até aqui

8.5. Falas das educadoras

À medida que o discurso das três educadoras se desenvolve, surgem considerações acerca do papel da educação pré-escolar, o que se prende com o sentido profissional do trabalho das educadoras. Este é visto e problematizado como uma cultura maternal (onde o acto educativo aparece bastante valorizado pela gratificação das relações afectivas, pela intuição, criatividade) - dado que as crianças são ainda relativamente dependentes do adulto e a preocupação está centrada num atendimento que substitua a casa, a mãe (dado que os pais têm de trabalhar, de se ausentar de casa) em fazer com que o J.I. possibilite uma boa socialização, que crie um clima rico para o desenvolvimento. É uma posição com um carácter mais aproximado do cuidado e da protecção. Já Arthur Combs (1965,

in Spodek e Saracho, 1998), definia os bons professores como sendo seres

únicos que se usam a si mesmos, eficientemente, para atingir objectivos pessoais e sociais na educação dos outros.

Paralelamente surge uma abordagem mais educativa, no sentido de que a educação pré-escolar é fundamental para todas as crianças, independentemente da sua situação familiar ou social (defendendo que as crianças pequenas aprendem umas com as outras, que a socialização inter-pares é crucial no seu desenvolvimento social e que a frequência do J.I. as prepara para um melhor desempenho escolar). Aqui são seleccionados e adaptados quais os conhecimentos importantes a adquirir (a cultura, a socialização entre pares e as aquisições instrumentais para o nível de educação subsequente) e os modos de o fazer para um grupo específico.

Durante os discursos observam-se referências a desempenhos profissionais do papel de educadora que se estendem para além da intervenção

124 directa com as crianças (Coordenadora Pedagógica, Encarregada da Direcção do Estabelecimento, Membro do Conselho Pedagógico do Agrupamento de Escolas - as três; Coordenadora duma Equipa de Educação especial, Membro duma Equipa de Diagnóstico e Encaminhamento, Membro da Assembleia de Escola - Madalena, Representante das Educadoras de infância no Centro de Formação da Associação de Escolas do concelho - Marta) e que esses desempenhos, em maior ou menor grau, alargam o leque de conhecimentos, competências e atitudes que à medida que vão sendo adquiridos se podem aplicar às situações de prática educativa (até onde podem chegar as competências da educadora, a articulação e importância do 1º ciclo na vida das crianças com quem trabalham...).

A relação com as famílias das crianças surge como um aspecto importante mencionado nas entrevistas e focado no contacto pessoal e interacção. Verifica-se um interesse em comunicar aos pais os progressos dos filhos, compartilhar informações e resolver problemas conjuntamente. Nos padrões de participação dos pais no J.I., apenas Marta refere a contribuição destes na elaboração do programa, assim como a sua participação nas actividades de sala de aula. No entanto, os julgamentos dos pais são consideradas formas de avaliação do desempenho das educadoras e as suas reacções são consideradas, juntamente com outros dados, na tomadas de decisões destas profissionais.

Na análise da narrativa das três participantes, as questões relacionadas com a escolha do que ensinar, ou seja, com o poder da educadora na definição do currículo, a pesquisa de materiais e os registos efectuados ao longo do ano lectivo são aspectos pouco visíveis. Por outras palavras, a programação, a avaliação e a tomada de decisões (questões da reflexibilidade, intencionalidade da acção), parecem ganhar menos relevância do que a prática de sala de actividades.

Um outro aspecto referido pelas três educadoras é uma concepção do desenvolvimento infantil como uma visão maturacionista. A partir desta concepção, as crianças são vistas e agrupadas de acordo com as suas idades cronológicas e providas com experiências consideradas apropriadas para as suas faixas etárias. Estes argumentos são utilizados para justificar as actividades

125 consideradas inapropriadas e para assegurar a inclusão de outras mais adequadas na vida escolar das crianças pequenas, dando suporte à ideia de que os programas devem basear-se nas necessidades e interesses das crianças, devendo apresentar-se mais seguros e confortáveis, do que desafiadores.

Mais recentemente, Zabalza (1998:40), considera que "a educação infantil é uma etapa eminentemente educativa e, portanto, destinada a tornar possíveis progressos pessoais que não seriam alcançados se a escola não existisse". Por isso, todas as crianças beneficiam em frequentar este nível educativo, inclusive aquelas que se encontram em melhor situação social e económica. Na perspectiva deste autor, os educadores não são mães/pais substitutos, mas sim profissionais que devem saber aquilo que é próprio da sua profissão e que está vinculado a "potencializar, reforçar e multiplicar o desenvolvimento equilibrado de cada criança" (idem). Esta noção também é apoiada pelas três colegas, que consideram que o J.I. é recomendável a todas as crianças entre os três e os seis anos de idade.

Spodek e Saracho (1998:35), reforçam a ideia de que "os professores devem combinar o conhecimento profissional com os seus valores pessoais e sociais acerca da importância da infância, do indivíduo, da escola e da efectividade de tudo o que fazem com e para as crianças", o que se verifica nas narrativas das três participantes que integra uma componente pessoal referente a finalidades, objectivos e valores tanto ou mais que às componentes técnicas.

É pela mão destas três educadoras, que me abriram portas e mostraram caminhos, que passarei a um segundo nível de análise: o da observação e análise da sua acção educativa. No entanto, convém sublinhar, e de acordo com Donald Schön (1975), que os processos de pensamento dos professores não são menos reais nem menos importantes, dado que muito do que os professores fazem é ditado pelo que pensam. É quanto nos basta, neste momento, supomos, para olharmos mais além, sem proclamarmos a primazia de um aspecto sobre o outro.

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