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Em abril de 1990, apareceu a oportunidade de traçar novos vínculos com a escola, fui convidada pela diretora da EE “Nossa Senhora de Lourdes”, localizada no bairro que leva o mesmo nome, para ministrar aulas em uma segunda série no bairro Saltinho, uma sala isolada que havia sido montada naquele mês e não havia professoras interessadas, devido à distância.

Saltinho era um bairro rural, em que a maioria dos moradores vivia da plantação de figo ou trabalhava na “Máquina de Arroz”, uma fábrica onde o arroz era beneficiado e distribuído para os grandes mercados da cidade. Grande parte deles morava em sítios e alguns na favela Buraco do Sapo, sem nenhuma condição de saneamento básico. Moravam em barracos, geralmente de dois cômodos.

Era uma série com alunos fora da idade, que trabalhavam na roça à tarde ajudando os pais e só podiam frequentar a escola de manhã e no bairro, pois não tinham dinheiro para pagar passagem e se deslocar para o Jardim Nossa Senhora de Lourdes.

Uma sala com vinte e seis alunos, entre 10 e 13 anos de idade, que iam para escola à procura do que não tinham em casa, brincadeiras, carinho, descanso e principalmente diálogo. Uma escuta para seus sonhos e tristezas. As aulas foram na realidade uma troca de conhecimento, passei para a classe um pouco da cultura escolar e aprendi com eles muito sobre a cultura rural, do cotidiano da vida na favela, da falta de ônibus, centros de saúde e todos os benefícios a que se tem direito.

Sobre anoitecer e amanhecer no campo, sem nenhuma luz artificial, as saudáveis verduras sem agrotóxico, leite recém-tirado da vaca, brinquedos construídos com madeiras e outras coisas do campo. E descobri feliz que tinha acertado a minha militância a favor da criança e adolescente.

Dois dias por semana assumi com o grupo o dia da brincadeira, ensinei as crianças a jogarem fubeca, bets, a soltarem pipas, pularem corda, amarelinha, rir, gritar, pular e sonhar.

Em 1993, me efetivei na Prefeitura Municipal de Campinas, assumindo outra segunda série na EMEF Professor “Benevenuto de Figueiredo Torres”, localizada no Jardim São José, outra periferia da cidade.

Jardim São José, um bairro localizado às margens da Rodovia Santos Dumont, região Sul de Campinas. A maioria dos seus moradores migrantes do Paraná e Minas Gerais que vieram atrás de trabalho, uma vez que a mão de obra foi trocada pela mecanização na lavoura e a concentração em grandes propriedades expulsando os pequenos produtores da região.

O bairro possuía na época um Centro de Saúde, uma Escola Municipal de Ensino Fundamental, duas Escolas de Educação Infantil, pequenas indústrias, transportadoras e uma indústria química, que se instalou lá em 1951, antes do bairro. Muitos moradores do bairro vieram atrás de emprego nessa indústria.

Nessa escola, trabalhando com crianças, mais uma vez pude constatar que nunca tive com elas uma relação professora/alunos. Até hoje temos uma relação de amigos, afetiva, onde a fantasia necessária para elaboração de sua personalidade e caráter existe no cotidiano da sala. Como escreveu Paulo Freire.

E o que dizer, mas sobretudo esperar de mim, se, como professor, não me acho tomado por este outro saber, o de que preciso estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes a coragem de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que participo. Esta abertura ao querer bem não significa, na verdade, que, porque professor, me obrigo a querer bem a todos os alunos de maneira igual. Significa de fato que a afetividade não me assusta, que não tenho medo de expressá- la. (FREIRE, 2004, p.141).

Trabalhava com a consciência de que são crianças, e por isso mesmo sujeitos de direitos, tratados como crianças, como seres pensantes, possuidores e criadores de cultura e que depois crianças-alunos tem direito ao afeto e carinho na aprendizagem.

Uma coisa que fiz e me aproximou muito de todos os alunos da escola foi o Projeto Biblioteca. Eu ficava 12 h/a semanais em horário contrário as aulas na biblioteca da escola. Ficava tarde e noite. Conheci e me aproximei de todas as turmas da escola, que tinha quatro períodos.

A biblioteca foi aberta para ex-alunos e moradores do bairro. Muitas mães iam buscar livros ou estudantes de outras escolas pegavam livros que não achavam na sua escola.

Ampliei o horário de atendimento, mantive o fixo de cada classe, mas deixei aberto o melhor horário para cada um retirar o livro para leitura, ou mesmo fazer a leitura na biblioteca, o que era proibido também antes da minha entrada. Até então, o tempo de permanência para cada dupla era de cinco minutos. Impossível encantar-se com um livro em cinco minutos.

Tudo que fazia era o contrário do que pensavam os professores da escola a respeito de organização e disciplina, que com certeza desconheciam Paulo Freire que escreveu que disciplina se conquista com liberdade:

O professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar”, ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento do seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. (FREIRE, 2004, p.60).

Em 1998 consegui organizar a I Mostra de Cinema da escola, embora trabalhasse na biblioteca há quatro anos e a vontade fosse antiga. Alguns problemas sempre inviabilizavam a ideia, lugar pra exibir filmes, tempo de duração da mostra e horário. A ideia de chamar de Mostra de Cinema foi para fazer a ligação entre as mostras que aconteciam em São Paulo e Rio de Janeiro e discutir a importância e a magia da “telona” na vida sociocultural das pessoas. Na realidade era uma mostra de vídeo.

Foi uma mostra tímida, com poucos filmes e sem um lugar específico, o vídeo era levado até a sala e os alunos assistiam. Em 1999 já melhor estruturada aconteceu a II Mostra de Cinema, o espaço utilizado foi o da biblioteca, durante uma semana não haveria empréstimo de livros, pois a mostra funcionaria em cinco horários diferentes.

Os filmes foram escolhidos para crianças, jovens e adultos, filmes que não tinham obtido grande sucesso no circuito comercial e que ajudariam a responder algumas questões postas pelos adolescentes.

Foram feitos 30 convites por sessão, com cores diferentes, uma para cada horário, só entrava na sala quem tivesse convite.

Os trinta convites disponíveis eram retirados com antecedência pelo interessado. A divulgação dos filmes e desenhos foi feita durante uma semana, com cartazes ampliados e a sinopse dos filmes. Após cada sessão era feita a avaliação pelo público.