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Tenho muitos amigos e duas irmãs Psicodramatistas, sempre que conversamos sobre meu trabalho pedagógico e a Prô Robô, me falam que essa história lembra Moreno e a verdade poética, até que resolvi ler Moreno e concordei com eles.

Criada por Moreno84 a verdade poética ou psicodramática é a capacidade

de transformar uma verdade histórica em uma verdade poética ou psicodramática mais aceitável, e descobrir na vida cotidiana, mesmo que tediosa ou difícil, um “adicional da realidade”. Moreno sempre teve sérios problemas de relacionamento com a família, porque quando nasceu seu pai não estava presente.

Não que o meu cotidiano em aula com as crianças fosse tedioso ou difícil, mas tive necessidade de criar a verdade poética para dar conta do meu projeto de felicidade na escola.

A minha verdade histórica é uma só. Eu sou professora e as crianças alunos, estamos todos dentro de uma escola com um único objetivo aprender. Marineau, nos conta a verdade histórica de Moreno.

A criança nasceu às 4 horas da tarde de 18 de maio de 1889, na casa de seus pais, na rua Serban Voda. Seu pai não estava presente na hora do nascimento. O registro oficial foi assinado

84Jacob Levy Moreno (18 de maio de 1889 - 14 de maio de 1974) foi um médico, psicólogo, filósofo, dramaturgo turco-judeu nascido na Romênia, crescido na Áustria (Viena) e naturalizado americano, criador do psicodrama e pioneiro no estudo da terapia em grupo. Tem grandes contribuições no estudo dos grupos, em psicologia social e é o criador da sociometria.

por amigos da família e membros da comunidade sefardim. (MARINEAU, 1989, p.20)

Essa verdade histórica não deixou Moreno feliz, que criou a sua verdade poética.

Nasci numa noite tempestuosa, num navio que singrava o Mar Negro, do Bósforo a Constanta, na Romênia. Foi na madrugada do Santo Sabath e o parto teve lugar logo antes da oração inicial. O fato de ter nascido num navio foi devido a um honroso erro, sendo que a desculpa foi que minha mãe tinha apenas dezesseis anos e pouca experiência matemática da gravidez. Ninguém sabia a bandeira do navio. Seria um navio grego, turco, romeno ou espanhol? O anonimato do navio deu início ao anonimato do meu nome e ao anonimato da minha cidadania. [...] Nasci como um cidadão do mundo, um marinheiro que se mudava de mar para mar, de país para país, destinado a desembarcar um dia no porto de Nova York. (MORENO, 1997, p.6)

A verdade psicodramática ou poética criada por mim é: sou uma Prô Robô de Sedna, criada pelo meu Chefe XPTo00, me chamo XPTo13, tenho uma Robô Cópia. Sou de Sedna, um pequeno planeta que fica muito longe do sol. Por conta dessa verdade, meus alunos também têm a sua verdade poética e são o que quiserem ser dentro do nosso “adicional da realidade”, em um espaço criado por nós. Para ensinar e aprender dentro de uma realidade cheia de regras e leis que nem sempre estão a nosso favor, com alegria e brincadeira. Defendo que ser feliz é a única regra que devemos seguir na vida, seja na escola ou fora dela.

Essa capacidade de transformar a realidade em poesia é o que eu tento levar para e escola. Todos nós sabíamos que na realidade estávamos na escola, mas a poesia e a fantasia nos colocavam num Navio Pirata, na Sala de Justiça, numa relação outra, entre uma Prô Robô de Sedna e uns pequenos Piratas da Terra.

Essa verdade nos aproximou, tornou a relação com a escola e a aprendizagem mais fácil, a relação na fantasia é feita à base de igualdade. Na fantasia não existe professor, aluno, grupo de saberes, estamos todos no mesmo nível, não há hierarquia.

Bakthin diria que os Piratas e a Robô vivem um romance polifônico, pois eu não criei nenhum dos “seres imaginários” que povoam a minha aula, apenas

três, a Prô Robô, a Cover/Clone e o Chefe. Os Piratas, Heróis, Países, Famosos e outros que surgiram foram criados pelos próprios alunos nos diálogos entre eles e eu, nas relações que se estabeleciam e se estabelecem sempre entre as crianças e eu. Segundo Bezerra, no romance polifônico

As personagens participam da história, interagem com o autor, que é um regente, não interfere nas vozes nem as controla, deixa que elas se cruzem e interajam que participem do diálogo em pé de igualdade contanto que permaneçam imiscíveis; cada personagem é um sujeito que mantém sua individualidade marcada pelo papel que desempenha. (BEZERRA, 2005, p.198)

Existe uma com-fabulação entre a Prô Robô e as crianças, eu só existo como robô porque tenho uma resposta positiva das crianças que aceitam a brincadeira, com-fabulam comigo essa fantasia, criando para eles também codinomes e personagens que gostariam de ser.

A Robô personagem “com-fabula”, na relação com os seus outros, consciências equipolentes porque rompem a hierarquia com o mundo da vida normal para o mundo criado por eles, o mundo estético de uma sala de aula tornada história e fantasia.

Entre 2007 e 2011, a minha história era um segredo, ninguém na escola poderia saber da nossa verdade poética, caso isso acontecesse eu seria enviada de volta a Sedna e adeus luz, sol e calor. Esse segredo fazia parte da fantasia, nos bastidores a escola inteira e os pais sabiam da nossa brincadeira. Mas o segredo criava outra importante cumplicidade.

Por um Triz

27/08/2008

Como todos já sabem, sou uma professora de Sedna, um chip me passa as informações necessárias para as escolas da Terra. Testada pelos meus pequenos heróis todos os dias, isso é um baile constante. Mas a diretora não pode saber nunca, nunca, senão ela me manda embora, nosso segredo.

Há uns dias atrás, estava terminado de passar uma poesia na lousa, escrevo em letra de imprensa maiúscula, e quando alguns pedem também em cursiva.

Escrevi a palavra “SOMO

S

” dessa maneira. Mas o último S saiu maior que o resto da palavra, o que imediatamente gerou um alvoroço e pequenas vaias, com muitas risadas, a explicação veio da boca do Homem-aranha:

- Ahhhhhhhh Prô, você tinha que deixar o “S” de Sedna maior que as outras letras!

Rindo falei:

- Mas Com “S” de Sedna a gente escreve muita coisa, até Sala da Justiça. E assim passamos o tempo.

Aproveitando a ideia comecei a trabalhar cada dia uma letra, sabendo que causaria agitação: “ M” de Marte, onde moram meus primos, “C” de China, país da Olimpíadas, letras dos pais, amigos, arqui-inimigos da TV e depois aproveitava em outras atividades:

- Prô, pra escrever massa é o “S” de Sedna e o da Sala de Justiça juntos?

- Em pomba é o “M” de Marte” não é “N” de Navio Pirata não né? Às vezes o tempo é curto e a atividade rola normal, mas eles sentem falta, escuto as falas no fundo, por isso hoje resolvi brincar um pouco e escrevi Sobrinho com um “S” pra - lá de enorme.

Depois de todo falatório, risadas e vaias, começamos a atividade, mas hoje a lousa não foi usada, deixando o “S” no nome da escola, mais ou menos assim: FRANCI

S

CO PONZIO

S

OBRINHO.

De repente como que caindo do céu a diretora apareceu e depois de uma bronca geral, olhou pra lousa e perguntou:

- “Quiquiisso” Cristina Campos? Não sabe escrever o nome da escola não?

Antes que eu pudesse responder, ela olhou pra turma e perguntou: - O que significa isso Gi? A Super super (esse foi de promoção hoje, presente dos amigos) Gigi olha pra um, pra outro, outro, à procura de ajuda, como ela não chegou:

- Sinto muito D. A. mas é um segredo nosso e a senhora não pode saber. Numa calma invejável. Silêncio geral, apareceu o guarda:

Mosquito Elétrico falou rindo:

- Nussa Prô, agora você foi salva por um triz hein.

Contava para eles sobre limpezas de vulcões, do som dos ferros batidos, da falta do sol e calor, das cores, bocas e ouvidos diferentes. Da nossa música, do nosso grupo de música e das nossas atividades da escola, tudo isso chamava tóf tóf tóf85, com diferentes maneiras de pronunciar. Os pais me diziam:

- Cris me explica essa coisa do tóf tóf tóf porque em casa eu falo de um jeito e levo bronca porque é de outro e quando falo do outro levo bronca porque era do primeiro jeito! – Como pronuncia isso e para quantas coisas ela é usada? Em troca, as crianças me contavam as delícias deste planeta, o gosto da comida, o sabor da água sem cor e sem gosto, de correr descalço na rua, de ter um amigo para brincar, de rir, chorar, da TV. De estar em casa com os pais, me perguntavam como eram os pais em Sedna.

Nossas conversas eram alimentos para a produção da escola, as crianças são criativas sim, mas mesmo a melhor criação precisa de alimento.

As crianças tinham sobre o que escrever, contar, todos os dias não nos faltavam temas para nossas produções de texto, faltava sim era tempo para tanto contar.

Dividir com as crianças essa fantasia e criar dentro da escola um lugar onde a hierarquia não existe, onde a confiança, a amizade e o respeito são atingidos não porque existem regras, ou ordens de uma autoridade, mas porque existe cumplicidade entre a criança e a professora, cumplicidade construída através da fantasia.

O fato de eu ser um Robô e não conhecer o mundo dos humanos deixava as crianças sempre à procura de respostas para as minhas dúvidas e também atrás de soluções para o meu processo de humanização. Eu sempre falo para eles que meu sonho é ser gente igual a eles, poder beber refrigerante ou água, nadar, tomar sorvete, pois são esses pequenos prazeres que me apontam como

85 Eu falo que é a língua mãe de Sedna. Que é usada de diferentes maneiras, às vezes muito

prazeres da Terra. Isso nos aproxima e deixa a nossa relação cada vez melhor. É uma via de mão dupla, dividimos o protagonismo da aula, a gente ensina e aprende ao mesmo tempo.

“Pipocas do Coração”

06/11/2008 No Planejamento do começo do ano aparece Órgãos do Corpo Humano, estranhei, pensando que estamos no 2º ano e de repente temos coisas mais importantes pra estudar.

Pra não ficar muito, muito chato, espalhei pela classe revistas e livros sobre o assunto à espera da melhor hora para entrar no tema. O que não foi muito difícil, sendo eu de Sedna e desconhecendo totalmente um Corpo Humano. Aprendi muita coisa e me diverti mais ainda.

Eis que há tempinho atrás chegamos ao Coração. Um dia a Pirata Ana perguntou:

- Prô, por que nessa revista o coração é diferente do que a gente conhece? Ele é feio né!

- Não deu tempo de responder, o Pirata Bi, responde:

- Porque esse é só pra quem “ta apaixonado” sua boba, nem parece mulher.

- Ué, porque mulher? – Perguntei.

- Por que “vocêis” se apaixonam à-toa. - Meu tio falou.

Depois de um pouco de risada, falei que na próxima aula começaríamos a estudar o coração. E eles tinham que trazer materiais para estudo, qualquer coisa.

Conforme a gente ia estudando, o coração ia ganhando novos olhares, risos e desenhos. E a certeza de que os homens também se apaixonam à- toa.

Um pouco de história ajudou também explicar o tradicional coração dos amantes. Romeu e Julieta, Branca de Neve e o famoso Cúpido, esse querido que insiste em flechar a gente. História essa que o Super-homem mais que amou.

- Prô de Sedna, fecha os olhos. – Fechado.

Senti um aperto bem forte do lado esquerdo do peito e umas risadas deliciosas, adoro o som que a risada dessa turma produz.

- Pode abrir!!!

Eis que ganho um coração igual do Cúpido, desenhado numa folha de caderno e descubro que ele foi feito enquanto o portão não abria. Isso o tornou mais delicioso e necessário. E ainda ouvi:

- Prô de Sedna, agora você tem um coração, igual do Cúpido, e a gente acha que se você usar todos os dias você vai virar gente igual à gente. Só os abraços para explicar esse momento.

Depois dos abraços o Super falou:

- Prô “deixa eu” pintar um pouco mais seu coração, o do Cúpido é mais vermelho, eles não sabem nem pintar!

E enquanto ele pintava combinei com todos de assistirmos no dia seguinte, O Mágico de Oz, aquele de 1939. Porque lá um Homem de Lata “igual eu” também ganhou um coração.