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Entre o discurso único da televisão e a possibilidade da desconstrução desse discurso

ANEXO I – Desenho das alunas da 4ª série matutino

4.3 Entre o discurso único da televisão e a possibilidade da desconstrução desse discurso

Como percebemos, as representações sobre o meio ambiente são fundamentais para quem deseja praticar a EA. Como salienta Sato (2002, p. 11) “[...] é necessário conhecer

essas representações dos indivíduos ou dos diferentes grupos sociais sobre o que entendem por ‘ambiente’, uma vez que essas representações podem direcionar as práticas pedagógicas da EA”.

Pois é no espaço escolar que as múltiplas vozes participam ativamente, apresentam suas experiências pessoais e suas crenças, transmitidas através das famílias, das religiões, dos meios de comunicação, principalmente, da televisão e da educação. Assim, as imagens e opiniões que as pessoas tem do seu ambiente é uma construção cultural. (Reigota, 1999)

E Reigota (2002, p. 124) complementa, “A principal fonte de difusão e consolidação

das representações sociais são os meios de comunicação de massa principalmente a televisão [...]”.

Diante da televisão, milhares de olhares se concentram em busca de entretenimento e informação; em que as crianças, os jovens e os adultos se encontram, não exatamente presos a uma rede, mas encantados pelas intensidades das representações associadas à fugacidade das imagens que são apresentadas pela televisão.

A televisão é o meio de comunicação de maior alcance no Brasil; cerca de 98% 5 da população entre dez e sessenta e cinco anos sintonizam em algum canal, possuem os seus canais prediletos e programações dos mais variados gostos. Dessa maneira, a televisão brasileira é uma das maiores válvulas de escape de todos os tempos, ou seja, a televisão é uma das grandes paixões da população brasileira, pois através de seus canais a população forma suas opiniões e obtém (des) informações sobre uma série de assuntos de interesse público, entre os quais figuram; a ecologia e o meio ambiente. É importante ressaltar que esta é uma

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Fonte: Instituto de Pesquisa Marplan. Disponível em: http://www.obacharel.hpg.ig.com.br/comunicacaosocial/comsoc_tv.htm. Acesso em 15 agosto, 2001.

informação que dificilmente alcançaria os segmentos menos privilegiados, não fosse a presença dela na televisão e muitas vezes é nesse veículo de comunicação que as comunidades criam espaços de interatividade com o meio que as cerca.

Ao comentar a influência desse veículo de comunicação Reigota (2002, p. 124) é contundente “[...] é inquestionável a influência política, cultural e social da televisão na

“formação de opinião” de milhares de pessoas com os mais diferentes níveis de escolaridade”.

Através dos textos de Bourdieu (1997), saliento que as suas reflexões auxiliaram a entender com mais clareza conceitos como a violência simbólica, o poder simbólico e o capital simbólico, ao demonstrar uma série de mecanismos que fazem com que esse meio de comunicação tenha o principal papel de “encantar” milhares de telespectadores mesmo que seja por algumas horas dos seus cotidianos. Alguns programas televisivos imprimem seus conceitos e suas representações, como também inculcam nos indivíduos valores e crenças de maneira impactante, não deixando muito espaço para questionamentos, mas sim para uma permanente aceitação do que está sendo transmitido. Bourdieu (1997, p. 22) ao afirmar que a televisão “[...] exerce uma forma particularmente perniciosa de violência simbólica6”. E para

esse teórico, a violência simbólica se faz presente nas relações sociais e, em particular, nas relações de comunicação divulgadas pelos meios de comunicação que é exercida com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também dos que a exercem.

Do mesmo modo, Reigota (2002, p.124) considera “A influência desse veículo é

implacável, sendo que o poder simbólico7,que detém e difunde ultrapassa todos e quaisquer limites que sociedades supostamente democráticas poderiam admitir”.

A televisão, em muitas situações, expõe a um grande perigo as diferentes esferas da produção cultural como a arte, e a literatura, devido ao seu poder de massificar e banalizar. Entretanto, mesmo um programa televisivo, que utilize como recurso o sensacionalismo, poderá vir a ser ótimo instrumento para desvelar o que as imagens e discursos querem dizer; é urgente, porém, que os receptores comecem a educar a visão, a audição e, especialmente, a discutir os programas que assistem, pois o veículo (televisão) legitima equívocos, clichês e opiniões; além de homogeneizar as imagens e discursos, ocorrendo a legitimação pura e simples dos mesmos. Discursos esses que encerram meias-verdades e completas mentiras,

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Bourdieu (1975) se refere à violência simbólica como poder que impõe significações e as impõe como legítimas.

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Segundo Bourdieu (1989), o poder simbólico é um poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.

alimentando e (re) produzindo inúmeras representações a partir dos fragmentos de imagens e discursos difundidos. Reigota (1999, p. 124), enfatiza que “[...] a televisão a partir do

momento que difunde imagens que adentram com muita força o cotidiano das pessoas, alimenta a difusão de representações sociais sobre os mais variados temas”.

Por intermédio das imagens visuais e sonoras, as novas gerações são bombardeadas com uma contundência sem precedentes. A televisão se converteu no ambiente onde crescem as novas gerações. É por meio da televisão que acessam a realidade. Reigota (1999, p. 115) salienta que “Vivemos numa época de banalização do cotidiano através do excesso de

imagens [...] em movimento (cinema, televisão, publicidade) com forte apelo popular [...]”.

Nossa visão do mundo, da história e do homem está intimamente ligada à visão imposta pelos meios de comunicação, no caso, a televisão.

A televisão tem uma urgência, uma fugacidade, pois o tempo, como nos lembra Bourdieu (1997, p. 23) “[...] é algo extremamente raro [...]”.

Quem paga por esse tempo? A televisão perde a sua autonomia sob pressões econômicas. Os mais influentes canais de televisão, tanto internacionais como nacionais, são propriedades de empresas transnacionais, familiares e estatais. Logo essas empresas cerceiam e censuram o que vai ser mostrado e falado. Considerando que essa censura atinge os comunicadores sociais, principalmente os jornalistas e seus vários campos de atuação.

Reigota (1999, p. 93) ao discutir sobre essas imagens, que são veiculadas pela televisão, faz uma legítima crítica sobre “[...] o potente capital simbólico [...]”8 que essas

imagens trazem implícita ou explícita das instituições, grupos e pessoas que as produzem e divulgam. A televisão entra em nossas vidas, organizando nosso cotidiano; para a televisão somos telespectadores da classe tal, com tais e tais preferências, com poder aquisitivo “xis” e com tantos e tantos cartões de crédito. Nome? Convicções? Passado? Rosto? História? Opinião? Conhecimento? Cultura? Na televisão é dispensável para não dizer impensável.

Se formos “convidados” a assistir a todas essas sombras, qual será a nossa capacidade para fazer uma leitura desses discursos, que são improvisados sem critérios definidos pela mídia?

Ainda Reigota (1999, p. 94) considera que para analisar as imagens gráficas, faz-se necessário “[...] educar-se para ler, interpretar e desconstruir os discursos implícitos ou

explícitos que estas tentam consolidar no espaço social”. Ai surge uma interessantíssima

discussão sobre o papel da escola como formadora de receptores mais críticos e conscientes

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Bourdieu (1998) se refere ao capital simbólico designando os títulos, o prestígio deles, assinalando as desigualdades e as legitimando.

de seus direitos de cidadãos. O espaço escolar é propício para essa discussão, já que o tempo da escola não possui a dinâmica e fugacidade das imagens e discursos veiculados pelos programas televisivos. As crianças têm de aprender a discutir sobre os meios de comunicação, os programas de televisão, como as novelas, os desenhos animados e as reportagens sobre os mais variados temas nos quais figura a ecologia e o ambiente natural, mais do que nunca, servem como farto material pedagógico onde poderão ser comentados, refletidos e reelaborados. Mas para que isso ocorra é necessário que os professores comecem a desenvolver as idéias. E não ter uma postura tão preconceituosa em relação aos meios de comunicação particularmente à televisão. Pois entendo que independente do programa ser ruim ou bom, o importante é que se crie o habito na comunidade escolar de estimular os alunos a falarem sobre as imagens que possuem dos mais variados programas.

A televisão convida à dramatização, no duplo sentido: põe em cena imagens de um acontecimento, exagerando a importância, a gravidade e o caráter dramático trágico. Como separar e entender essa ambivalência e o que de fato se quer engendrar em nossos sentidos, já que a televisão está perfeitamente “ajustada” às estruturas mentais do público. (Bourdieu, 1997)

Reigota (1999, p. 115-116) continua, e diz que entre os meios de comunicação de massa e os seus consumidores, “[...] não há uma relação dialógica entre emissor e receptor

[...] O exercício da leitura e desconstrução dos discursos das imagens passa pelo exercício do reconhecimento do indivíduo como cidadão [...]”. Os meios de comunicação,

principalmente a televisão, têm de ir para a escola; e a comunidade escolar tem de assumir isso e refletir que, além de deter o conhecimento e transmiti-lo, o papel da escola vai além; está na sua capacidade de mediar ou tentar fazer com que seu aluno tenha a habilidade de se conectar com o mundo através dos meios de comunicação, desenvolvendo sua competência para a leitura e interpretação das imagens e opiniões que são veiculadas por esses meios.

A discussão e análise dessas imagens no espaço escolar oferecem uma abertura para se questionar acerca das diferentes representações. Reigota (Id, p. 94), reforça que a possibilidade de análise dessas imagens “[...] expõe sobre o que os discursos escondem, os

equívocos que evidenciam, as críticas [...]”.

Para exemplificar, o tema explorado pelo Globo Repórter do mês de julho de 2003, sobre a Reserva Ecológica de Uruçuí-Uma, entre a Amazônia e o Nordeste, da maneira como o jornalista abordou o assunto: natureza e populações tradicionais; deixou nítido que os políticos da região deveriam copiar o modelo dos Estados Unidos que tratam suas áreas de preservação da vida selvagem sem a interferência humana de maneira semelhante ao Parque

Yellowstone; com um pequeno detalhe: as populações nativas, os índios americanos, foram deslocados para outras regiões tendo uma série de problemas de caráter ético, político e cultural. (Diegues, 2002)

O jornalista transmitiu a sua opinião sem com isso se inteirar do tema que foi abordado, sugerindo que as populações tradicionais deveriam ser deslocadas e que deveriam ocupar outras terras, pois as mesmas impediriam a harmonia desse santuário. Essas populações vivem há séculos nessas áreas interagindo com todo o ecossistema florestal e aquático de maneira que extraem o que necessitam para sua sobrevivência, sendo agentes do modo de produção primitivo, extraindo e coletando o que precisam, de modo que sua agricultura também é primitiva. O jornalista, em seu discurso, expressa o desejo dos pesquisadores da Reserva Ecológica de Uruçuí-Una de ver as comunidades tradicionais afastadas da área da Reserva Ecológica.

Diegues (2002, p. 19) salienta:

[...] as áreas naturais protegidas levantam inúmeros problemas de caráter político, social, e econômico e não se reduzem, como querem os preservacionistas puros, a uma simples questão de conservação do mundo natural e mesmo da proteção da biodiversidade. (grifo do autor)

O jornalista do Globo Repórter passou a imagem e expressou através do discurso preservacionista que para proteger é preciso expulsar a população tradicional, deslocando-a para terras que não são as suas e que, muitas vezes, são improdutivas e inadequadas para a vida humana. Afastando essas populações dessas áreas de preservação afastam-nas também de suas culturas, de suas maneiras de vestir, comer, brincar; enfim, de todos os rituais que as faz sentirem-se um grupo.

Ainda Diegues (2002, p. 22) indica que “[...] estudos recentes têm indicado que a

biodiversidade existente hoje no mundo é em grande parte gerada e garantida pelas chamadas populações tradicionais”.

Não se pretende aqui discutir a falta de informação desse jornalista, mas a forma negligente de transmitir as suas opiniões e imagens, onde a natureza e os ecossistemas são vistos como santuários intocáveis e que, com a mínima intervenção humana, vai desarmonizar tudo. Ao expressar sobre a relação homem e natureza, possivelmente o jornalista acredita, e quer que todos acreditem, no “Mito da Natureza Intocada”, (Diegues, 2002); então, a solução mais prática, proposta pelos pesquisadores da Reserva Ecológica e transmitida pelo jornalista, é desocupar o santuário e torcer para que a natureza mantenha-se na mais absoluta harmonia

para a visitação de milhares de turistas, que estressados com a vida na cidade, só querem um pouco de sossego.

Reigota (1999, p. 104), considera que “[...] cabe à educação a tarefa de desconstruir

não só as representações específicas presentes no texto publicitário, mas também a desconstrução de ‘legitimidades’ que originam, difundem e consolidam representações como esta”.

É nesse sentido apressado e afoito que o campo jornalístico desliza, pois o deslize ético dos jornalistas é deixar aflorar suas convicções ideológicas, embora isto seja intrínseco aos seres humanos. A falta de ética consiste em não esclarecer as informações que são transmitidas diariamente, passando a imagem de verdades inquestionáveis. Então, por que a urgência em expressar um discurso sem fundamento? Diga-se de passagem que as imagens da Reserva Ecológica foram fascinantes, mas daí a concluir que a melhor solução é afastar essas populações, no mínimo é pressa irrefletida de jornalista, que preocupado em expressar a sua opinião, fala sem fundamentação.

Reigota (1999, p. 115), reflete que essas imagens, no processo educativo, adquirem um outro significado, permitindo o diálogo entre os múltiplos atores sociais, “[...] No

processo pedagógico as imagens exigem [...] um aprofundamento analítico sobre as representações sociais subjacentes nos discursos visuais”. A preocupação dessas imagens, no

processo pedagógico, implica na visão do sujeito aprendiz e a do sujeito professor. Ambos precisam desenvolver o pensamento de que a escola é um ponto de encontro de conhecimentos e não uma via de mão única; aquela representada pela escola como o templo sagrado do saber.

Bourdieu (1997), faz um convite à reflexão de maneira a enxergar o campo de força que são a televisão e o jornalismo. Esse campo estruturado onde há dominantes e dominados; há relações constantes, e permanentes de desigualdade que são exercidas no interior desse espaço; também um espaço para transformar ou conservar esse campo de força.

Como percebemos, exercitando a leitura e a desconstrução dos discursos visuais e sonoros, aliados à socialização das tecnologias de comunicação e informação, possibilita-se transformar a televisão em um canal privilegiado de educação, não somente disseminando informações em bases igualitárias, mas também promovendo intercâmbios de experiências, métodos e valores. Os meios de comunicação, mais precisamente a televisão, pode também ser um veículo de acesso à informação ambiental quando se constitui no primeiro passo para que todos os segmentos da sociedade se conscientizem da necessidade urgente da revisão do modo de utilização dos recursos naturais disponíveis do planeta.

Ao concluirmos as reflexões, sobre as relações das representações do meio ambiente e a televisão, sem a pretensão de considerá-las esgotadas, percebemos a importância do seu entendimento para que tenhamos clareza de que o processo educativo acontece na comunicação e na desconstrução / reconstrução de representações.

5 METODOLOGIA