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Durante o andamento do trabalho, principalmente durante a execução do Café com Memória, quando a temática tradições e festas da comunidade surgiam, quase sempre ouvíamos os relatos dos mais velhos sobre esses momentos de sociabilidades: Baile do chapéu, Baile da

Vassoura e festa surpresa, e o almoço (Almoço de Rua) de domingo, que muitas vezes,

acontecia na rua para acomodar toda a família da comunidade, que na concepção dos moradores é apenas uma “grande família”. Segundo os remanescentes, esses momentos de comunhão e sociabilidade festiva remetem “ao tempo dos escravos” e eram praticadas durante muitos anos até meados da década de oitenta, porém hoje, não acontecem mais na comunidade, mas há um movimento jovem, formado por universitários que tentam retomar estes saberes e festas típicas da comunidade.

No ano de 2018, a Associação de Moradores do Buieié organizou o 1º Almoço de rua no qual tivemos a oportunidades de ajudar e participar. As informações elencadas abaixo foram colhidas nos momentos de encontro com a comunidade e transcritas pelo jovem líder da comunidade Julius Keniata, um dos idealizadores desse processo de apropriação cultural que a comunidade vive nos últimos dois anos. Decidimos manter o texto na integra (de autoria de Julius) para dar maior caracterização desses momentos para os próprios moradores da comunidade, e termos um perfil fidedigno das festividades no olhar do morador do Buieié. Segue a descrição de cada um destes momentos transcritos por Julius Keniata:

Baile do Chapéu:

Os bailes geralmente aconteciam em um bar com um salão, outras vezes o terreiro de alguma casa, onde o povo dançava até levantar poeira, por isso, chamavam de poeirão. O baile iniciava com a chegada do sanfoneiro que iniciava e dava o tom da festa com os forrós, e ao som de uma música o baile tinha início no centro do salão ou terreiro, cada homem escolhe sua dama para lhe acompanhar durante a música. Um homem que fica de fora e sem parceira para acompanhá-lo escolhe um dos pares que estão dançando e ao colocar o chapéu que está em sua cabeça, na cabeça do homem que está dançando toma a sua dama, este homem que perdeu a dama deve escolher outra pessoa e fazer o mesmo passando chapéu não pode repetir, perde quem terminar música a sem ninguém.

Baile da Vassoura:

Da mesma forma como nos outros bailes, este tipo de dança/brincadeira só acontecia nos finais de semana, quando as pessoas se reuniam após os longos e exaustivos dias de trabalho. O baile iniciava com a chegada do sanfoneiro que iniciava e dava o tom da festa com os forrós, e ao som de uma música o baile tinha início no centro do salão ou terreiro, cada homem escolhe sua dama para lhe acompanhar durante a música. Um homem que fica de fora e sem parceira para acompanhá-lo escolhe um dos pares que estão dançando e rouba sua dama, colocando no lugar dela uma vassoura, este homem que perdeu a dama deve então continuar a dançar com a vassoura durante um tempo e daí, tentar trocar sua vassoura por uma nova dama de outro casal que ainda não foi escolhido, perde quem terminar dançando a música com a vassoura, momento em que todos gozavam desta pessoa que ficou uma parte da música dançando sozinho, aliás, com a vassoura.

Festa/Baile Surpresa:

Esta era uma forma típica de fazer bailes nas casas dos amigos, o povo que gostava do baile se reunia, compravam cachaças e tira-gostos, convidavam o sanfoneiro e convidavam toda a comunidade para fazer um baile na casa de algum amigo, sem que o mesmo soubesse. No dia da festa chagavam de surpresa na varanda/terreiro da casa e começavam o baile, o sanfoneiro começava a tocar e o povo a dançar, se o dono da casa ouvisse o som e abrisse a porta de sua casa acolhendo a festa, a mesma continuava sem hora pra terminar até o raiar do dia, porém, se ele permanecesse com a porta fechada, todos paravam encerrava-se o baile naquele momento e todos retornavam para sua casa. O objetivo era confraternizar com os amigos, mas, somente se ele permitisse e abrisse as portas de sua casa, caso contrário, isso

demonstrava que ele não estava satisfeito com algo e o baile não teria condições de acontecer naquele único dia que todos podiam festejar.

Estes Relatos e informações sobre essas festas foram concedidos pelo Sr.ª. Alexina da Cruz, conhecida na comunidade como Aleixa.

Julius Keniata, novembro de 2018.

Entre esquecimentos, memórias e lembranças, a comunidade reconstrói sua identidade de remanescente. O papel dos agentes idosos que “lembram” os mais jovens o que aconteceu na comunidade no momento do café com memória, é fundamental para o estreitamento de vínculos identitários que reforçam o sentimento de perecimento da comunidade. Mesmo que praticas lembradas não sejam mais praticadas, recordá-las oferece significação cultural para os moradores mais jovens que se vem imersos em um processo de apropriação cultural fundamental no processo de busca por direitos como: cidadania e melhoria de qualidade de vida. Lembrar desses momentos, saber e propagar as informações concedem intangibilidade a identidade da comunidade quilombola do Buieié, fazendo-os sentirem-se únicos dentre tantas outras comunidades remanescentes que existem. Relembrar memórias esquecidas, festas, bailes e almoços, ressignificam toda uma comunidade.

Capítulo 3: Memória, Identidade e cidadania: entre reflexões e

diálogos com a comunidade do Buieié, Metodologia e o processo na

comunidade