• Nenhum resultado encontrado

Prosseguimos para uma fase intitulada Raízes do Futuro, tendo como público-alvo as crianças da comunidade e ressaltando a valorização da cultura e do perfil do quilombola, incitando a luta contra o racismo e estereótipos da sociedade e reforçando a identidade quilombola. Propomos uma palestra de valorização da identidade negra, destacando a naturalidade e beleza dos cabelos, da cor de pele e das formas de vestir. Para isso, palestras com ativistas da causa foram a aposta. As crianças aprendem a cuidar e valorizar os traços do seu povo. Desconstruir estereótipos de beleza impostos pela mídia, trabalhando a autoestima, para que cresçam confiantes do seu potencial e sujeito histórico. Partiu das crianças da comunidade, a vontade de aprenderem algo novo e prático relacionado com artesanato ou culinária.

É válido relembrar que para a realização da oficina voltada para o público infantil e execução de todo o processo de planejamento do Café com Memória como de qualquer outro evento na comunidade, é necessária preparação prévia das ações até a culminação na data do evento, com: definição de data e local, definição de uma dinâmica metodológica para trabalhar usos de conceitos dentro da proposta de educação patrimonial, locomoção, materiais para atividade lúdica, provimento de lanche para as crianças e outros. Nossa primeira oficina feita com as crianças aconteceu na Biblioteca Comunitária da comunidade, uma casa de uma moradora agregada à comunidade onde funciona um projeto social, Crianças do Futuro, em formato de biblioteca comunitária, local o qual as crianças costumam frequentar rotineiramente.

Para a proposta lúdica e prática, contamos com a participação de uma ativista e educadora da causa da identidade afro, líder de um projeto desta mesma linha, “Pérolas Negras”, desenvolvido na cidade de Viçosa pela cientista social Raissa Rosa, a qual propôs a oficina de bonecas Abayomi (bonecas negras feitas de retalhos de panos que têm uma estória atrelada à identidade afro e à valorização do negro). Segundo uma lenda folclórica africana que ganha conotações diferentes de região para região, as africanas, mães que se tornavam escravizadas para aclamar seus filhos durante as terríveis viagens a bordo dos navios negreiros que realizava o transporte de escravos entre África e Brasil, rasgavam retalhos de suas saias e a partir deles criavam pequenas bonecas, feitas de tranças ou nós, que serviam como amuleto de proteção. Tais bonecas se tornaram símbolo de resistência, ficaram conhecidas como Abayomi, termo que significa “Encontro

precioso” em Iorubá, uma das maiores etnias do continente africano cuja população habita parte da Nigéria, Benin, Togo e Costa do Marfim. A boneca é feita sem nenhuma costura, somente com amarrações, não possuem demarcação de olho, nariz nem boca, isso para favorecer o reconhecimento das múltiplas etnias africanas. Inspirado pela tradição dessa arte histórica, a brasileira Cláudia Muller, educadora popular artesã e militante do Movimento das Mulheres, iniciou e liderou a confecção das bonecas no Brasil no final dos anos 1980, com objetivo de evidenciar a memória e identidade popular do povo brasileiro ela criou o projeto Martinha Pereira em que passou realizar oficinas e exposições com objetivo de valorizar a diversidade cultural.162

A confecção da boneca foi acompanhada por uma aula reflexiva, ministrada por mim, instigando as crianças a conhecerem mais sobre a sua comunidade, sua história, memórias e saberes, relacionando sua história de vida com a da comunidade e como tais fatores contribuem ricamente para a formação da identidade individual de cada um.

Figura 14: Banner convite e divulgação da oficina proposta para as crianças na fase RAÍZES DO FUTURO.

162Informações colhidas no site oficial Géledes, Instituto da Mulher Negra. Disponível em :

https://www.geledes.org.br/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-tradicao-e-poder-feminino/ acesso em 2019. Veja também o site oficial da percussora da prática de Bonecas Abayomi: https://matintah.com/.

Para a realização dessa oficina com as crianças foram necessários alguns materiais: cerca de quinze metros de malha na cor preta, quarenta tesouras sem ponta e diversos retalhos e pedaços de tecido. Este provimento resultou em um custo de R$185,00 (cento e oitenta e cinco reais, sendo que os retalhos foram doações) que ficou ao meu cargo. Foi necessária também a provisão de lanche. Para isso, providenciei cem pães para cachorro-quente e quinze quilos de salsicha, ficando um total de R$80,00 (oitenta reais). Quanto aos sucos e refrigerantes, recebemos patrocínio de uma distribuidora de bebidas da cidade (Bella Schia): cerca de dezesseis litros de suco e um fardo de refrigerante. Para a locomoção da palestrante e sua equipe também foi necessário provimento de um carro particular, custando cerca de R$60,00 (sessenta reais) o combustível.

O público estimado era de trinta crianças, porém compareceram quarenta e duas pessoas, contando crianças e adultos. Por se tratar de uma atividade prática, despertou o interesse de muitas mulheres da comunidade. Para a realização da oficina, necessitamos e contamos com a ajuda de quatro voluntárias, tanto para ajuda com crianças como para a preparação e distribuição dos lanches. Pessoas próximas a mim se dispuseram a auxiliar.

O desenvolvimento da atividade foi muito satisfatório. As crianças participaram de modo efetivo, muito curiosas tanto para aprender a confeccionar a boneca Abayomi quanto para a discussão sobre a comunidade e sua relação identitária. Muitos meninos também compareceram e participaram da oficina. Após o término das atividades e discussões, houve um momento de socialização com o lanche que oferecemos e a entrega de certificados de participação na oficina,

algo simples, mas que teve muito significado para as crianças presentes, reforçando um sentimento

de valorização pela cultura de matriz afro e suas raízes. Seguem algumas imagens:

Figura16: Foto tirada ao final da oficina com todas as crianças e jovens presentes. Figure 15: foto demonstra interesse e interação entre os meninos.

Figura 18: Foto do momento da troca de saberes.

Figure 20: Ficha prática para realização da primeira oficina RAÍZES DO FUTURO

Acreditamos que tal oficina cumpriu bem seu objetivo de valorizar a identidade afro junto às crianças, além de instrumentalizar, ensinar e reproduzir a feitura das bonecas Abayomi para outros grupos da comunidade. Algumas jovens entre quatorze e dezesseis anos, posteriormente à oficina, relataram estar utilizando desta forma de artesanato para possível complemento da renda familiar, ou mesmo por um hobby.

3.5 Minha história minhas raízes e a oficina: Quem conta um conto cria