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6.4 O que sentem e pensam os estudantes cotistas raciais sobre tudo isso?

6.4.2 Entrevista com Lázaro Ramos

“Seus colegas o insultam, ofendem ou ridicularizam? Caso isso aconteça, você sente que pode contar com seus professores?”

“Não. No máximo o que eles fazem mas é tipo brincadeira mesmo mas se não fosse eu acabaria chamando a atenção. Geralmente quem pega mais no meu pé são os que eu tenho uma amizade mais forte então eu acabo levando na brincadeira”.

[Mas que tipo de brincadeira?]

“Ah às vezes eles fazem algumas preconceituosas, umas piada meio pesada, mas a gente até entende e tal tudo bem, mas tipo se a gente não tivesse um nível de amizade seria provavelmente de briga”.

[tu achas que os professores controlam em sala de aula esses tipos de brincadeira ou eles deixam quando eles escutam?]

“Nem todos os professores. Alguns sim porque isso acaba gerando de certo modo várzea na sala então acaba atrapalhando”.

Lázaro interpreta as atitudes preconceituosas dos amigos como “brincadeira” e diz que “até entende”. Ele entende porque está culturalmente imbricado nesse jogo de poder em que o branco se sente no direito de falar o que quiser sobre o negro. De acordo com seu depoimento os professores que controlam esses tipos de “brincadeira” o fazem para controlar ruídos de sala de aula e não para amenizar a questão do preconceito em si. Aqui temos um exemplo de naturalização e racismo cultural.

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“Você é a favor da Lei de Reserva de Vagas ou Cotas Raciais para ingresso no IFRS? Por quê?”

É... eu acho que é uma boa, eu concordo com a proposta. Bom eu concordo por causa que eu acho que geraria mais oportunidade até de conseguir entrar numa Instituição sendo que a maior parte da população no Brasil ela se demonstra

negra como a inferior das classes até mesmo por média de dinheiro de renda.

Geralmente aqui no IF eles acabam aumentando mais, eles conseguem ter um

futuro melhor. É mais fácil até.

O fato de o estudante utilizar o pronome na terceira pessoa do plural “eles” demonstra um distanciamento da sua identidade negra e também da sua posição de cotista, vindo ao encontro do que Munanga (2012, online) alega:

Por causa da ideologia racista, da inferiorização do negro, há aqueles que alienaram sua personalidade negra e tentam buscar a salvação no branqueamento. Isso não significa que elas sejam racistas, mas que incorporaram a inferioridade e alienaram a sua natureza humana.

Mesmo o aluno sendo a favor das Cotas ele enfatiza o status social quando ele fala sobre os negros serem os pobres. Parece um fato comum de embranquecimento, mesmo após um curto período na Instituição; um não querer pertencer ao grupo dos que estão ainda excluídos de alguma forma, pois fala de “outros”.

“Você já sofreu algum tipo de discriminação? Como?”

Bom, assim diretamente não, mas geralmente quando eu vou no centro às vezes eu entro em lojas as pessoas tipo dependendo de como elas agem a gente consegue

perceber o que elas fazem mesmo que elas não digam nada, tipo elas chegam em ti e te perguntam se tu realmente tens dinheiro pra comprar aquilo, obviamente tu

entra na loja tu tem dinheiro pra comprar, mas a gente consegue perceber a

tonalidade de preconceito no tom de voz.

Ele sofre discriminação, conforme relatou, e ainda assim ameniza o fato dizendo que “diretamente não”. Se ele percebe o preconceito na forma em que as pessoas no comércio falam com ele, é diretamente sim. Parece não querer expor seu constrangimento e atenua a discriminação sofrida, num racismo daltônico de naturalização. Se nem num lugar público, ele consegue se impor, mais difícil será entre os colegas de sua escola, conforme ele respondeu anteriormente. De acordo com Teixeira (2003, p. 132):

As pessoas costumam citar situações muito constrangedoras por que passaram em lugares públicos, como lojas, bancos, portarias de prédio ou de hotéis, bares e restaurantes. Contudo, mais difíceis de lidar seriam aquelas que surgem em ambientes domésticos, onde, diante da surpresa e do extremo constrangimento, não se consegue o distanciamento necessário para reagir da mesma forma que nas situações em público. Nesses casos, em geral, a única alternativa é “engolir” a humilhação e “fingir” que ela não foi percebida [...].

“O que você faz para tentar superar um trauma ou algum tipo de situação negativa? Você conversa com alguém, pede ajuda, a quem? Você percebe a situação traumática como um aprendizado ou sofre por um tempo aquela agressão?”

Geralmente eu costumo conversar com a minha mãe porque é uma pessoa que me

ajuda bastante e também costumo falar com alguns amigos. No geral eu tento tornar essa dificuldade de uma coisa mais positiva. Eu tento superar ela,

mostrando que eu consigo superar ela eu consigo superar a mim mesmo então seria me tornar uma pessoa melhor. Afinal de contas tudo é experiência.

Lázaro demonstra ter uma rede segura de relacionamento com sua mãe e amigos e isso é importante principalmente nesta fase da vida em que há muitas transformações. Essa rede parece fortalecê-lo, permitindo que construa sua resiliência.

“As aulas de língua Inglesa fizeram você sentir a capacidade de se transformar? Como? Há outras disciplinas em que você tenha tido esse mesmo sentimento? Qual/quais?”

“Sim, de certo modo ela me fez pensar em conceitos que eu nunca tinha parado pra ver com tanta atenção antes, como preconceitos nas partes feministas e nas partes raciais. Sociologia e Português”.

As aulas despertaram uma consciência para os temas que trabalhamos sob a perspectiva do desenvolvimento da Competência Simbólica e isso foi importante, pois ele diz que não tinha pensado com atenção sobre assuntos como o preconceito, inclusive, o racial. Ele reestruturou (reframed) os acontecimentos e discursos, mudando sua percepção e desenvolvendo sua CS, visto que ela é também

a capacidade de reconhecer o contexto histórico de enunciados e suas intertextualidades, para questionar categorias estabelecidas como Alemão, Americano, homem, mulher, Branco, Negro e colocá-los nos seus contextos históricos e subjetivos. Mas é também a habilidade de ressignificá-los, reestruturá- los, re- e transcontextualizá-los e jogar com a tensão entre texto e contexto (KRAMSCH, 2010, p. 359)

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Portanto, a partir das aulas de LI, bem como as das disciplinas que ele incluiu como transformadoras, ele poderá perceber a discriminação que por vezes sofre e passar a desenvolver um olhar mais crítico e reflexivo. Isto é, olhar a língua e através dela para entender a forma com que os discursos desafiam a autonomia e integridade do falante (Poder Simbólico) (KRAMSCH, 2011).