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6.4 O que sentem e pensam os estudantes cotistas raciais sobre tudo isso?

6.4.5 Respostas de Zumbi dos Palmares

“Você sente que os docentes se interessam por seu aprendizado? O que você aprende na escola é importante para a sua vida?”

“Ahhh tem muita gente que se interessa mas tem muita gente também que abre mão. Dá de ver quem são as pessoas, esses professores conhecem quem são essas pessoas. Eles até dizem „a gente sabe por experiência própria quem é quem‟”.

[então tu achas que alguns se interessam e outros não?]

“Sim”.

“Olha momentaneamente não, mas eu sei que isso vai me dar uma base de estudos né pra futuramente conseguir uma carreira de emprego”.

“Os professores se interessam pelo bem-estar de vocês? Quantos deles?” “Alguns sim, alguns não (risos)”.

Zumbi afirma que há professores que se interessam e outros que não, tanto em termos de aprendizado como de bem-estar e demonstra pelas risadas que ele tem algum tipo de ruído com algum ou alguns professores. O fato de este estudante não considerar o que é aprendido na escola importante para sua vida no momento, pode ser reflexo do que o fez desistir da escola. Zumbi dos Palmares não retornou após as férias de julho. Essa crença de não enxergar

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na escola um lugar que tenha relação com sua vida fora dela pode frustrar e afastar muitos adolescentes, principalmente se não se sentirem acolhidos, como parece ser o caso de Zumbi.

“Seus colegas o insultam, ofendem ou ridicularizam? Caso isso aconteça, você sente que pode contar com seus professores?”

“Acho que nessa parte é muito mais na brincadeira porque eu só brinco mesmo com os meus colegas com os que são amigos, eu não vou ficar insultando as pessoas do nada”.

[tá, mas eu tô falando de ti. De tu te sentires ridicularizado ou insultado]

“Não”.

Zumbi dos Palmares apresentou o nível de resiliência bom em geral, porém, com todos os Modelos de Crença Determinantes (MCD) com Padrão Comportamental de Intolerância (PC-I). Essa resposta mostra exatamente essa propensão a agredir para se defender, já que ele afirma que faz “brincadeiras” com os colegas/amigos, mas não sofre nenhum tipo de insulto ou ofensa.

“Você sente que faz parte de um grupo? Você cuida dos materiais e das instalações da escola?”

“Sim cuido. Sempre me cobram isso (risos)”.

Ao rir e alegar que o cobram para cuidar da escola, percebo um tom de não pertencimento do espaço, pois quando sentimos que pertencemos ao lugar, sentimo-nos responsável por aquele ambiente.

“Você é a favor da Lei de Reserva de Vagas ou Cotas Raciais para ingresso no IFRS? Por quê?”

“Eu acho que a Cota Racial e a Reserva de Vagas são as coisas mais racistas que têm. Eu acho que não deveria existir uma cota pra negro porque a pessoa negra tem o potencial pra aprender e tirar uma nota muito melhor que uma pessoa branca”.

Repetidamente escutei e li respostas que versam sobre o negro ter capacidade e inteligência e Zumbi, infelizmente, não fugiu à regra.

“Você já sofreu algum tipo de discriminação? Como?”

“Agora não. Já quando eu era menor eu sofria bullying porque eu era gordinho, por causa do meu cabelo e da cor também”.

Características físicas fizeram este estudante sofrer bullying quando criança e duas dessas características são marcadores de uma raça, a negra. Flores (2007, p. 15) tem como objeto de estudo a cultura de raça que emergiu no século XIX. Segundo ela:

Cultura de raça no sentido de cultivo, criação, acontecimento no qual se articulam nação (com a questão da identidade étnica), corpo (com a questão da invenção da raça) e sexualidade (com a questão da intervenção na sexualidade para a geração da “boa” raça). Ou seja, cultura de raça aqui designa uma tecnologia que empregou métodos de eugenia, lamarkiana ou galtoneana, a fim de melhorar e embelezar a raça, já que da beleza da raça dependia a marcha da evolução humana. Era nisso que se acreditava. Cultura de raça designa-se, também, o racismo de Estado, pois este investiu nas técnicas da vida e nas políticas de população, sob o pressuposto do vínculo entre características físicas e morais do ser humano como determinante do caráter étnico-nacional, numa taxonomia que media o grau de civilização e o rumo da modernização que se desejava.

Essa crença de modelo de beleza, sabemos qual é: no centro os brancos e civilizados e à margem os negros, pardos e índios rudes.

“O que você faz para tentar superar um trauma ou algum tipo de situação negativa? Você conversa com alguém, pede ajuda, a quem? Você percebe a situação traumática como um aprendizado ou sofre por um tempo aquela agressão?”

“Só lido com a realidade, eu não deixo as coisas me abalarem tão fácil. Pela questão religiosa, eu sou cristão, então eu converso com Deus. Como aprendizado”.

Ao mesmo tempo em que ele alega “conversar com Deus” ele se contradiz falando que “só lida com a realidade”. Essa inconsistência é comprovada no seu baixo nível de resiliência e suas atitudes intolerantes a várias áreas vitais, tornando-o agressivo, fazendo “brincadeiras” com os colegas.

“As aulas de língua Inglesa fizeram você sentir a capacidade de se transformar? Como? Há outras disciplinas em que você tenha tido esse mesmo sentimento? Qual/quais?”

Eu lembro dos trabalhos que a gente tinha que apresentar que tinha que achar um problema e uma solução aqui dentro do IF e aqueles trabalhos, muitos deles, inclusive o meu falava sobre um assunto bem... digamos assim polêmico... que era depressão. Alguns dizem “ahh brincadeira”, mas não é brincadeira porque depressão é diagnosticada como uma doença e todos trabalhos também passaram

uma mensagem que a gente pode levar pra vida. Português, porque a professora de

português era uma pessoa totalmente maravilhosa, ela realmente se importava com a turma. Ela só dava aula pra gente ela fazia os trabalhos pra gente pensar e refletir sobre muitos assuntos.

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O fato de o estudante dizer que os trabalhos apresentados na aula de LI pelos próprios alunos, transmitiram uma mensagem que podem levar para a vida, demonstra que a proposta pedagógica que visava o desenvolvimento da Competência Simbólica funcionou já que os estudantes tiveram que se posicionar entre linguagens e discursos (Poder Simbólico) e agir e criar realidades sociais alternativas (Ação Simbólica).