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6.1 E nós? Na ilusão de um convívio harmônico

6.1.4 A percepção dos estudantes não cotistas raciais sobre as cotas raciais

24 alunos brancos das duas turmas cujos estudantes cotistas raciais faziam parte, responderam ao questionário. Os estudantes cotistas raciais não participaram dessa etapa, pois o objetivo era identificar a posição dos colegas que conviviam com eles. Assim, pude apurar se são a favor ou não das cotas raciais, permitindo-me compreender melhor o ambiente na sala de aula. Eles responderam a 18 questões, sendo que a última eles tinham que justificar,

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pois se tratava da Lei de Cotas Raciais. Abaixo, apresento uma tabela com os resultados dos alunos brancos.

Tabela 4 - Respostas dos estudantes não cotistas

QUESTÃO CONCORDO CONCORDO TALVEZ DISCORDO DISCORDO

PLENAMENTE PARCIALMENTE PARCIALMENTE PLENAMENTE

Os professores, em geral, 1 9 8 5 1

são capazes de impedir que um aluno sofra bullying.

Há estudantes que sofrem 15 2 7

bullying pelo menos uma

vez por mês.

Barreiras raciais para 2 1 2 9 10

oportunidades econômicas e educacionais já não existem no Brasil.

A Lei de Cotas Raciais é 4 6 6 8

positiva. Fonte: Autora.

Conforme as respostas dos alunos, posso aferir que há estudantes que sofrem bullying já que 15 respondentes concordam plenamente e não há alunos que discordem sobre o bullying não estar ocorrendo na escola. Há ainda uma percepção de que os professores, em geral, não estão sendo capazes de gerenciar as situações de bullying visto que 14 alunos, no total, marcaram as questões que indicam essa negatividade, enquanto apenas 1 aluno concorda plenamente e outros 9 concordam parcialmente. Daí podemos apreender que há bullying e que, na maioria dos casos, não há impedimento dos professores para que as situações sejam modificadas.

Apesar de a maioria dos alunos (19) concordarem sobre ainda existirem barreiras raciais para oportunidades econômicas e educacionais no Brasil, a maioria (14) ainda discorda da Lei de Cotas Raciais, o que causa estranheza, pois estão cientes das barreiras, mas acreditam que a Lei de Cotas Raciais é negativa. Isso ratifica a questão de desconhecimento sobre o que são e para que servem as cotas raciais. Vejamos, então, os argumentos usados pelos alunos ao justificarem suas respostas sobre a Lei.

Dos oito alunos que marcaram discordar totalmente da positividade da Lei de Cotas, um não justificou e os demais deram os seguintes depoimentos:

Depoimento 1: [...] o próprio governo faz preconceito, pois eles acham que só porque a pessoa é negra não tem a mesma capacidade de uma pessoa branca.

Aqui o estudante demonstra desconhecer ou desconsiderar totalmente o histórico da maioria dos negros que vive no Brasil e culpabiliza o governo em vez de considerar um

avanço importante essa Lei como uma política pública de ação afirmativa. As ações afirmativas visam acabar com algum tipo de exclusão, seja ela social, econômica ou cultural, procurando interromper processos históricos de discriminação (raciais, de gênero, religiosas, etc.), por isso a Lei de Cotas Raciais é importante para gerar uma equidade, ou pelo menos nos aproximarmos dela, no que diz respeito à ocupação de negros no espaço acadêmico.

Depoimento 2: [...] a pessoa deve passar por mérito e não pela cor da pele ou situação econômica. Obviamente que no Brasil existem muitas pessoas que sofreram muito desde o início do „Brasil‟, mas hoje todos somos tratados de forma igual ou deveríamos, cotas só nos separam mais!

A crença de que todas as pessoas são tratadas iguais no Brasil demonstra um racismo nos moldes do liberalismo abstrato (BONILLA-SILVA, 2003), indicando que todos têm oportunidades iguais e que a ascensão ou não é uma questão de esforço individual. Acreditar na meritocracia, ou seja, em um sistema de premiação hierarquizado, num país como o Brasil onde há tanta desigualdade, sem levar em conta as condições socioculturais em que vivem os indivíduos, parece um pouco arrogante e egoísta. Como Chalhoub (2017, s.p.) nos lembra: “A meritocracia é um mito que alimenta as desigualdades”.

Depoimento 3: [...] dá privilégio para uma certa parte da comunidade e não deixando todos com os mesmos direitos.

Privilégio é nascer branco, num país racista e este depoimento (3) não condiz com o que a Constituição Brasileira nos alerta sobre a necessidade de darmos tratamentos diferentes aos desiguais e este é o princípio de igualdade.

Depoimento 4: Se precisamos/temos essa Lei, significa que a nossa sociedade ainda não está pronta como um todo para respeitar os cidadãos (nesse caso, negros) de outras etnias. Não há respeito e tolerância suficiente para convivermos sem cotas, ainda.

Aqui o estudante argumenta de forma contrária a posição marcada na resposta, pois ele demonstra que precisamos de cotas para um bom convívio, parecendo ser favorável às cotas raciais.

Depoimento 5: Por um lado, o sistema de cotas beneficia aqueles que não possuem tantas oportunidades e isso é ótimo, porém, acabamos sendo divididos pelo „nível de sabedoria‟, cor da pele etc., o que não é bom. Por isso, acho que poderíamos eliminar o meio, mas para isso precisaríamos de uma educação de melhor qualidade e melhor distribuída. Uma realidade bastante distante.

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Depoimento 6: Brancos são iguais a negros (em questão de ser humano) e não são menos inteligentes por causa da sua cor.

A ideia das cotas está claramente atrelada à questão da inteligência nos dois depoimentos (5 e 6), não condizendo com o real propósito das cotas raciais que é promover uma democratização racial nos espaços acadêmicos. Estudos comprovam que o aproveitamento de alunos cotistas raciais é igual ou até superior ao dos alunos não cotistas, tendo as Cotas mostrado serem positivas (MARQUES, 2018).

Depoimento 7: A lei de cotas deveria ser baseada nas oportunidades educacionais ao longo da vida dos estudantes, pois mesmo sabendo que a maioria das pessoas de baixa renda são negras, não é o total.

Precisariam todas as pessoas pobres serem negras, para que então fossem elaboradas alternativas para mudar esse quadro? Os índices não são suficientes para comprovar a necessidade de mudança? No rendimento médio de todos os trabalhos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua, 2017), os brancos recebem R$ 2.814,00 e os negros, R$ 1.570,00. Negros recebem menos que brancos, mesmo tendo a mesma função.

Dos seis estudantes que marcaram a alternativa “Discordo parcialmente”, um não justificou e os demais alegam que:

Depoimento 8: Todos os alunos negros ou brancos têm as mesmas chances de alcançar os objetivos.

Novamente aqui o racismo na forma de liberalismo abstrato, com o princípio de que todos temos oportunidades iguais para alcançarmos os objetivos.

Depoimento 9: Analisando a realidade educacional brasileira, no geral, há a necessidade de uma maior participação das minorias raciais em boas escolas, em universidades e nos cargos melhor remunerados. Porém, na minha opinião, esse problema deveria ser solucionado com uma melhora na educação brasileira (proporcionada pelo governo). A educação pública (que é a que está ao alcance das classes mais baixas) deveria ser de qualidade. As cotas seriam uma maneira de facilitar para o próprio governo que, para mascarar a sociedade racista, “facilitam” as oportunidades de um bom futuro ao invés de consertar a base da educação.

Este aluno está certo ao cobrar uma educação pública de qualidade, que promovesse um ensino fundamental forte para acesso aos Institutos e Universidades Federais. O fato é que a Lei de Cotas não isenta o Estado desta contrapartida e como o próprio estudante afirma “há a necessidade de uma maior participação das minorias raciais em boas escolas” e esta é uma forma de uma equiparação de raças e suas representatividades no ensino profissionalizante e no superior.

Depoimento 10: Não acho muito positivo, pois se somos todos iguais por que alguns devem ter mais chances do que os outros?! Eu vejo as cotas como um preconceito também [...].

Aqui temos a minimização do racismo, pois o fato de ele expor que os negros teriam “mais chances” demonstra que ele pensa que não há mais racismo e todos vivemos em harmonia e igualdade racial no Brasil.

Depoimento 11: [...] mostra que tem que haver cotas para alunos de diferentes raças entrarem, mostrando que são inferiores aos sem cotas e que sem a lei de cotas raciais eles não entrariam em certos lugares.

Desconhecimento do fator histórico e da Lei em si, pois argumenta sobre “inferioridade” como se a Lei estivesse atrelada à inteligência.

Depoimento 12: [...] já não há tanta discriminação racial e as oportunidades para ambos negros e brancos e etc. já são bem similares.

Minimização do racismo, quando se compara a discriminação sofrida anteriormente com a de hoje em dia, quase acusando os negros por não conseguirem espaço por culpa própria já que diz que as oportunidades são “bem similares”. Afirmar que “não há tanta discriminação” é dizer que ainda existe e, ainda assim, estar de acordo com que perpetue de alguma forma, pois é contra uma ação afirmativa que visa equiparar o número de estudantes brancos, negros, pardos e indígenas na Educação Superior.

Dos seis alunos que marcaram talvez, as justificativas são:

Depoimento 13: não tenho conhecimento aprofundado do assunto para me posicionar;

Depoimento 14: algumas pessoas acabam utilizando as cotas para facilitar as coisas em vez de se esforçarem mais;

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Esforçar-se mais está atrelado ao mérito, como se pudéssemos comparar o esforço de um estudante negro de escola pública com um branco de escola particular onde há um abismo entre qualidade de ensino e em condições de vida e existência.

Depoimento 15: Não deveria haver de cotas raciais mas lei de cotas para pobres e necessitados.

As Cotas Sociais existem para brancos também e esse estudante parece desconhecer, pois alega que deveria haver cotas para pobres. Aqui temos um exemplo do foco que a Lei 12.711 tem nas raças, como se os beneficiários também não fossem de classes sociais necessitadas.

Depoimento 16: Vejo as cotas como um meio de compensar pelo preconceito sofrido pelas minorias raciais.

Depoimento 17: acho benéfico pois tem todo um lado histórico que penso que foi por esse motivo que a cota foi criada. Pelo fato de negros terem sofrido no passado, e acho maléfico pois pessoas que tem a cota são menosprezadas e sofrerem bullying psicológico pelo mesmo.

Estes estudantes (depoimentos 16 e 17) têm consciência da necessidade de reparar injustiças históricas sofridas por povos escravizados (índios, negros e pardos), o que é o principal objetivo da Lei de Reserva de Vagas.

Depoimento 18: Tem seu lado bom por promover a alguns uma oportunidade melhor, porém desvaloriza os mesmos, como se eles fossem inferiores.

Novamente a questão de “capacidade” e “inteligência” atrelada às cotas.

Dos quatro estudantes que marcaram concordar parcialmente, um não justificou e os outros 3 alegam que:

Depoimento 19: Cotas raciais pós universidades (para concursos públicos) traz certa vantagem a quem as usa.

Como abordei no referencial teórico, a exemplo dos dados da pós-graduação e servidores públicos na Universidade Federal de Pelotas, pode-se aferir de que há necessidade sim de termos Cotas para profissionais e pós-graduação (Vide seção 3.2).

Depoimento 20: Concordo pelo simples fato dos negros na maioria das vezes, terem pouca oportunidade na sua vida fazendo assim essa lei dar oportunidades distintas do que o „normal‟ dos negros que é viver em favelas, usar drogas...

Depoimento 21: Esta lei hoje em dia é necessária, estamos superando isto, porém, seria uma utopia dizer que não existe preconceito, mas de qualquer forma creio que deveria dar mais ênfase na realidade individual de cada pessoa.

Os estudantes que deram os depoimentos 20 e 21, demonstram uma conscientização sobre a necessidade de termos as cotas para modificar a vida dos negros, com uma perspectiva de um futuro melhor, pois reconhecem que há preconceito no nosso país.

Dos 24 estudantes, apenas 2 realmente forneceram justificativas positivas sobre as cotas raciais. Isso reforça a questão de que o ambiente de sala de aula onde estão os alunos cotistas raciais não é favorável à forma de ingresso que lhes proporcionaram estar naquele convívio, podendo dificultar nas suas relações interpessoais.