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PARTE II TORNANDO-SE MÉDICA: CLIVAGENS DE GÊNERO NA

3.1 Socialização primária: o início da construção da distinção social

3.1.3 Entrevistadas oriundas de famílias pertencentes às elites econômicas e

Cinco das médicas entrevistadas eram oriundas de famílias que pertenciam às camadas sociais que podem ser consideradas elites intelectualizadas ou elites culturais (BRANDÃO e LELLIS, 2003; ALMEIDA, 2009). Trata-se de famílias cujos pais e mães têm escolaridade de nível superior de alta qualificação/especialização e um deles (ou ambos) ocupa(m) posições profissionais de alta remuneração e alto prestígio social, como é o caso da família de Aline (cujo pai é auditor da Receita Federal e a mãe é auditora da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo), da família de Bianca (cujo pai é docente de uma Universidade Pública Estadual e a mãe é terapeuta ocupacional), da família de Mônica (cujo pai é cirurgião plástico e a mãe professora de Educação Física), da família de Núbia (cujo pai é gastrocirurgião e a mãe é médica pediatra) e da família de Vânia (cujo pai era cirurgião cardiovascular e a mãe era médica Ginecologista-obstetra). Apenas uma das entrevistadas (Kelly) é oriunda de uma família pertencente ao estrato das elites empresariais intelectualizadas. Os pais de Kelly têm formação superior, mas não exercem a profissão para a qual estudaram. Seu pai é advogado, mas atua como proprietário/ administrador de uma

empresa exportadora do setor alimentício e sua mãe é fomada em odontologia, mas não exerce atividade profissional.

Em todos os casos, as condições de existência das famílias desses estratos sociais correspondiam àquelas descritas por outros pesquisadores que se dedicaram ao estudo da trajetória de estudantes das elites intelectualizadas (NOGUEIRA, 1991; BRANDÃO e LELLIS, 2003). Todas as famílias moravam em casas/apartamentos espaçosos e confortáveis localizados em condomínios de luxo ou em bairros nobres em locais de alto custo o metro quadrado. Algumas das famílias tinham casas de veraneio na praia, no sítio, e até mesmo em outro país, como era o caso da família de Kelly, relatado a seguir.

R- Tá, e vocês na infância, vocês viajavam?

K-Nossa, demais. Meu pai sempre foi um cara, assim, muito provedor das coisas pra gente, ne. Então meus pais sempre gostaram de viajar, então a gente viajava muito para o exterior. Na minha infância sempre viajamos muito, chegando a passar temporada mesmo, três meses fora e tal. Eu lembro muito disso de quando a gente era menor, e... graças a Deus meu pai sempre teve condição de prover tudo isso. Aí, então, realmente eu tive uma infância e adolescência privilegiada nesse sentido assim.

R- Para quais países vocês viajavam na infância?

K- Meus pais, eles gostam muito dos Estados Unidos. É a praia deles. R- Vocês têm parentes lá? Amigos?

K- Não. É... Meu pai chegou até a ter alguns amigos, porque ele chegou a exportar uma época matéria-prima dele para fora, para a Red Lobster, para algumas firmas da Flórida, então a gente sempre foi muito para a Flórida: Orlando, Miami.

R- Não era para casa de parentes que vocês iam então, ficavam mais em hotel? K- Meu pai chegou a ter uma casinha lá em Miami... (fragmento de entrevista realizada pela pesquisadora com Kelly, gastrocirurgiã em início de carreira).

As famílias pertencentes aos estratos sociais mais privilegiados não somente colocaram suas filhas nas escolas mais caras da região onde moravam, como também, buscaram proporcionar a elas (e seus irmãos) a educação escolar em instituições com tradição de excelência e de exigência acadêmica. Dessa forma, assim como acontece com outros pais pertences às elites culturais brasileiras (ALMEIDA, 2002 e 2009), os pais de Aline, Bianca, Mônica, Núbia, Vânia e Kelly, tinham como objetivo para elas e seus irmãos, o acesso aos mais elevados níveis da hierarquia escolar e investiram grande soma de dinheiro em escolas privadas de prestígio e altos resultados nos vestibulares mais concorridos. Aline, Mônica e Vânia moravam em São Paulo e estudaram nos Colégios Dante Alighieri, Bandeirantes, Visconde de Porto Seguro (colégio bilíngue alemão), Anglo Aclimação, Etapa. Núbia morou em uma cidade do interior de São Paulo e estudou no Colégio Albert Einstein e no COC. Kelly morou em uma cidade localizada no litoral do estado de São Paulo e, desde a Educação Infantil até o segundo ano do Ensino Médio, ela e suas irmãs estudaram no Colégio São José (um colégio de freiras somente para meninas).

Três dos colégios nos quais as médicas entrevistadas estudaram correspondem aos que Almeida (2002) aponta em seu estudo sobre a escolarização das elites paulistas como fazendo parte da lista seleta das melhores escolas de São Paulo. São os Colégios: Etapa, Dante Alighieri e Visconde de Porto Seguro. “O destino escolar da maioria dos alunos aí formados é a aprovação no vestibular para as carreiras mais seletivas da USP” (ALMEIDA, 2002, p. 135).

O objetivo, de escolher uma boa escola que preparasse para o vestibular de Medicina da USP, aparece especialmente na fala de Aline. Embora, no caso dela, a iniciativa da mudança de escola tenha partido dela própria e não dos seus pais, esses acabaram apoiando sua decisão. Segue uma parte da entrevista na qual ela fala sobre essa estratégia.

R- Quando você terminou o Ensino Fundamental você resolveu que ia querer mudar de escola. Essa decisão foi tua ou dos teus pais?

A- Não. A decisão foi minha. Eu chorei para o meu pai. Pedi, implorando pra ele que eu queria mudar para uma escola mais forte, que era o ETAPA, porque lá eu ia ter prova todo dia, que eu queria estudar muito pra poder passar na USP Pinheiros no terceiro colegial.

R- Quem que te falou do ETAPA? Você conhecia alguém que estudava lá?

A- Tinha. Eu tinha amigos que já tinham saído. E aí, a gente já tinha aquela neura né? De quais as escolas particulares de São Paulo que colocavam mais alunos nas melhores faculdades públicas: Bandeirantes e ETAPA. Aí eu queria estudar no ETAPA. Eu invoquei que queria estudar lá. Que era mais forte, tinha prova todo dia. E eu queria estudar muito. Porque eu queria fazer medicina na USP Pinheiros, queria passar direto no terceiro colegial. Eu tinha essa neura, o que é ridículo (fragmento de entrevista realizada pela pesquisadora com Aline, R3 de cirurgia do Aparelho Digestivo).

A despeito das condições econômicas privilegiadas as elites econômicas e culturais investem não somente em bens materiais tidos por outros estratos sociais como supérfluos, mas investem também, em capital cultural institucionalizado e, especialmente, em capital cultural incorporado (NOGUEIRA, 1991; ALMEIDA 2002 e 2009). Tratando sobre a hereditariedade cultural legada aos filhos pelas famílias dos estratos culturais e econômicos elitizados, Nogueira (1991), explica que nesses estratos pode ser relativamente comum a presença de mães altamente escolarizadas que fazem a opção por não se inserirem no mercado de trabalho e se dedicarem em tempo integral à educação dos filhos. A mãe de Mônica só começou a trabalhar quando o filho caçula entrou na escola e a mãe de Kelly, apesar de ser formada em odontologia, não exercia a profissão para se dedicar à educação das filhas em tempo integral. Os fragmentos de entrevista a seguir trazem relatos dessas duas médicas sobre o período de escolarização básica e sobre o investimento feito por suas mães na escolarização dos filhos.

K- Até o terceiro ano do colegial eu estudei em escola de freira, só de meninas [...] uma escola particular, colégio São José.

R- E você estudou nessa escola desde o início? K- Sim, desde o pré.

R- Sua trajetória escolar inteira, então, desde a escola básica, foi em uma escola só. K- Uma escola só, colégio São José, colégio de freira, uma escola bem tradicional, um dos colégios mais antigos da cidade, uma educação excelente na parte religiosa e tal. No terceiro ano, como minha mãe sempre esteve muito perto da gente, então ela sempre era muito rígida com a questão das notas e de estudar, então realmente eu e as minhas irmãs sempre fomos assim as melhores alunas. Era uma coisa que minha mãe não abria mão, estava lá mãezona, estudava junto, fazia lição junto, profissão mãe (fragmento de entrevista realizada pela pesquisadora com Kelly, gastrocirurgiã em início de carreira).

R- Como que era a sua rotina diária quando você era pequena?

M- Então, a gente morava na Vila Mariana e estudava no Morumbi. Então, era uma viagem praticamente pra chegar no colégio. A gente acordava umas cinco e meia... R- Quem que te levava para a escola?

M- Minha mãe. R- E aí, à tarde...

M- Daí, à tarde, a gente sentava pra fazer a lição. Às vezes a gente dava uma dormidinha. A minha mãe falava: " pode descansar um pouco depois do almoço, uma hora, e depois vocês fazem a lição". Daí eu preferia fazer a lição rápido [rindo], terminar rápido [rindo] e ficar livre depois.

R- E a ajuda com as tarefas de casa da escola?

M- Ah, a minha mãe. Minha mãe fazia... e aí ela sentava... Porque era um banco em 'L' e ela sentava no meio do 'L' e sentava dois de cada lado [rindo] . E daí os dois mais bagunceiros que eram os menores, que só tinham que pintar, ficavam de um lado e os outros dois ficavam do outro.

R- E ela sentava todos os dias para acompanhar a tarefa de casa?

M- Toda vez, toda vez. Era difícil ela não acompanhar. Se ela não acompanhava ela falava para a gente fazer que depois ela olhava. Ela ou o meu pai. E eles olhavam juntos normalmente. Meu pai chegava em casa do consultório e falava:'Ah, deixa eu ver'. E a gente falava: 'ganhei estrelinha! Ganhei não sei o que!'. E mostrava, né. Sempre foram muito presentes. Lá em São Paulo a gente estudava no Porto Seguro, que era uma escola em Alemão. Aí a minha mãe nem sabia falar alemão e fazia ditado para a minha irmã [rindo a gargalhadas]. Então, assim, os dois sempre foram muito presentes. Tanto a minha mãe quanto o meu pai. As memórias são assim, sempre...

R- Os dois juntos...

M- Os dois dois juntos. Sempre presentes (fragmento de entrevista realizada com Mônica, R2 de Cirurgia Geral).

Apesar de as mães de Mônica e de Kelly serem as principais responsáveis por levarem os filhos para a escola e ajudá-los com as tarefas escolares, tanto o pai de Kelly, como o pai de Mônica também eram muito presentes na vida escolar das filhas. Essa preocupação do investimento paterno em capital cultural também foi percebida por parte dos pais de Aline e de outras médicas por mim entrevistadas.

Da mesma forma como aconteceu com os sujeitos investigados na pesquisa de Brandão e Lellis (2003), uma característica comum à herança econômica, social e cultural das entrevistadas pertencentes às elites intelectualizadas foi o investimento familiar orquestrado e precoce em um tipo de capital cultural incorporado através de uma série de estratégias

práticas implementadas por seus pais, entre elas, a ênfase no monitoramento próximo, no estudo disciplinado, no reforço escolar, na intensificação dos horários de estudo.

Ao interpretar os escritos de Bourdieu sobre educação, Nogueira e Nogueira (2006, p. 60), explicam que:

Cabe, desde já, observar que, do ponto de vista de Bourdieu, o capital cultural constitui (sobretudo, na sua forma incorporada) o elemento da herança familiar que teria o maior impacto na definição do destino escolar. A Sociologia da Educação de Bourdieu se notabiliza, justamente, pela diminuição que promove do peso do fator econômico, comparativamente ao cultural, na explicação das desigualdades escolares.

Por mais que o investimento familiar em capital econômico proporcione o acesso a escolas consideradas muito boas no que se refere ao preparo para o vestibular, ao fazerem uma interpretação dos escritos de Bourdieu, Nogueira e Nogueira (2006, p. 69) explicam que: “[...] dentre todas as estratégias educativas, a mais importante (e a mais dissimulada) é a transmissão doméstica do capital cultural que depente de um investimento em tempo e em transmissão cultural, e que assegura o mais alto rendimento em termos de resultado escolar”. Esse parece ter sido o caso do tipo de investimento empreendido pelas mães e também pelos pais não somente de Mônica e de Kelly, mas também, das demais mães das elites culturais e ainda, das mães de várias entrevistadas das camadas médias intelectualizadas: a transmissão doméstica e precoce do capital cultural incorporado. Mas também um ethos...

Mas o papel preponderante das mães na organização da vida doméstica e no acompanhamento do cotidiano escolar dos filhos não é uma posição exercida apenas pelas mães que não se encontram inseridas no mercado de trabalho remunerado. Esse acompanhamento criterioso faz parte de uma espécie de habitus de classe das mães altamente escolarizadas que atuam no mercado de trabalho em setores altamente qualificados e bem remunerados (NOGUEIRA, 1991).

No caso da aquisição da competência linguística valorizada pela escola e cobrada nos vestibulares como a definição do conhecimento legítimo da língua culta, Almeida (2004, 2009) explica que a transmissão doméstica e precoce do capital cultural, aliada à estratégia da escolha da “boa escola”, se caracterizam como importantes estratégias das elites intelectualizadas na busca por distinção e futuras posições de destaque para a seus filhos.

Além das estratégias voltadas especificamente para o monitoramento escolar, Nogueira (1991) e Brandão e Lellis (2003) falam, também, de uma série de estratégias utilizadas pelas famílias das elites culturais que também estiveram presentes nas trajetórias das médicas desses estratos sociais, dentre as quais, o investimento em atividades

extraescolares programadas (como cursos de música, de língua estrangeira e de pintura, a prática de esportes em clubes privados, leitura, visitas a museus e teatros) e o patrocínio de viagens internacionais e intercâmbios culturais.

Mônica conta detalhes sobre o incentivo à prática da leitura:

R- Na sua casa tinha livros?

M- Muitos, muitos. Desde pequenininha. R- Você frequentava a biblioteca também?

M- Frequentava. Inclusive, lá no Porto tinha aquela biblioteca circulante que cada aluno levava um livro e depois trocava. Então, a gente sempre leu muito, muito. Eu sinto até falta agora na faculdade. Porque a gente não tem tempo. Eu era de ler três livros por mês, assim, fácil. Eu sou de pegar um livro de devorar e não conseguir parar de ler. E assim, meu pai é leitor, minha mãe é leitora, tipo... Todos em casa gostam muito de ler. Foi isso foi passado para nós. Eu lembro do meu pai contando historinhas pra gente. Meu pai lia no livro e depois ele ia e inventava. Ele fazia uma história dele mesmo. E aí a gente sempre teve muito contato. A minha mãe comprou... Tem uma parte da estante que ela comprou todos os livros dos prêmios Nobel de literatura e deixou lá. E ela falava: 'Olha, quero que vocês leiam'. E a gente era maior novo, a gente nem sabia o que era Nobel. 'Ah, tá bom, tá bom' [imitando voz de criança]. Daí ela comprava a Barsa e abria assim, e tinha bastante figura. Daí a gente lia muito (fragmento de entrevista realizada com Mônica, R2 de Cirurgia Geral).

Núbia conta de suas atividades extracurriculares e das viagens internacionais:

R- E de atividade extra-curricular além da natação você fazia mais alguma coisa? N- Eu fazia inglês. Eu fiz muitas atividades né? Eu passei pelo judô, futebol, como eu tinha um irmão eu fazia tudo [risada]. Eu fiz hipismo também e depois o último foi natação.

R- E nas férias, vocês viajavam? N- Sim, a gente viajava bastante.

R- Aqui no Brasil ou fez viagens internacionais?

N- Fiz, foi com a família: Nova York, Canadá, Portugal, Espanha (fragmento de entrevista realizada pela pesquisadora com Núbia, cirurgiã coloproctologista).

Boa parte dos filhos das famílias pertencentes às elites culturais fez várias viagens internacionais, inclusive com períodos de imersão cultural e linguística através de longos períodos de intercâmbios em países como Alemanha, França, Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia.

“Se, à primeira vista, essas atividades podem estar representando uma estratégia educativa de valorização da cultura livre de que fala Bourdieu, e certamente estão, expressam também um poderoso instrumento de conhecimento – reconhecimento – distinção” (BRANDÃO e LELLIS, 2003, p. 520). Aline conta detalhes de como aconteceu essa transmissão da cultura livre através da imersão cultural das viagens internacionais que fez na infância e adolescência:

A- Sempre. A gente sempre ia pra algum lugar. No começo... é aquilo que eu falei, né. Meus pais foram ascendendo profissionalmente em termos financeiros. Quando a gente era pequena a gente ia na casa de alguma tia, irmã da minha avó na Praia Grande.

A- Águas de São Pedro. Essas coisas. Aí, depois as coisas foram melhorando. Então, aí quando eu tinha uns dez anos, ou onze anos, eu fiz a minha primeira viagem de avião. A gente foi pra San Martin, lá no Caribe. Depois com doze anos eu fui pra... A minha madrinha mora nos Estados Unidos até hoje, em Pittsburg. Aí, com 12 a gente foi visitar a minha madrinha. Fomos pra Nova York e pra Disney pela primeira vez. Aí com 15 eu fui para a Europa, com 16 para a Nova Zelândia. [...] morei 4 meses e meio na Nova Zelândia porque eu fiz intercâmbio, né. R- Como é que foi essa história sua de ir para a Nova Zelândia?

A- [...] quando eu tinha 15 anos os meus pais me deram uma viagem para a Europa. Eu fiquei um mês lá em uma excursão. Eu conheci 6 países, tal. Aí, nisso, eu já fui me apaixonando por viajar. Aí, eu resolvi que eu queria fazer intercâmbio. E eu já tinha essa história de querer fazer intercâmbio porque meus pais têm vários amigos médicos, ou de outras áreas que os filhos fizeram intercâmbio. Filhos mais velhos do que eu. Daí, eu já queria fazer intercâmbio. Só que sempre, naquela época, o pessoal ia para os Estados Unidos, né, ou, às vezes, para a Inglaterra. Só que aí, a minha mãe começou a pesquisar, junto comigo. E foi bem na época que a Nova Zelândia estava começando a ser atrativa para intercâmbio, né. E aí eu e a minha mãe começamos a ver as fotos. E aí eu falei: "Mãe, eu quero ir pra esse lugar. Aí eu fui pra lá, mas eu me arrependo até hoje. [...] Eu poderia ter ficado um ano no intercâmbio. Poderia ter ficado um ano lá, feito escola. Porque eu fiz um curso de inglês, mas não fiz escola. E foram os melhores meses da minha vida. Porque eu tinha 16 anos, então... Ah, você é desbravador, você é jovem. Eu fui sozinha.

R- Onde você ficou lá?

A- Fiquei na casa de uma família. Eu fiz um curso de inglês na universidade de Auckland, que é a cidade maior que tem. Eu fiz o curso, viajei pelo país inteiro. Eu ficava em albergues, conheci gente do mundo inteiro. Então, assim, foi uma experiência maravilhosa. Assim, eu cresci muito como pessoa, sabe. Amadureci bastante. Eu sempre fui mais precoce e com a viagem eu fiquei mais ainda. Aprendi muito coisa. Voltei outra pessoa. Eu achei que foi maravilhoso. Depois disso, também, eu achei que foi um preparo para eu ir morar sozinha. Porque eu já saí de casa com 18 anos, né (fragmento de entrevista realizada pela pesquisadora com Aline, R3 de cirurgia do Aparelho Digestivo).

Assim como a descrição feita por Brandão e Lellis (2003) sobre as famílias por elas entrevistadas, entendo, também, ao pensar sobre as médicas provenientes de famílias cultural e economicamente privilegiadas, que:

Essas famílias se encontram [...] bem providas de volume e estrutura de capitais, tais como: econômico, acadêmico, intelectual, lingüístico, simbólico, social etc. Representam, assim, no contexto brasileiro, um dos grupos mais bem informados e preparados para as disputas por melhores posições sociais (BRANDÃO e LELLIS, 2003, p. 520).

3.2. Dificuldade de ingresso e excepcionalidade da admissão em um curso de grande