• Nenhum resultado encontrado

Enviesamento populacional e enviesamento do nível de rendimento

No documento GLOSSÁRIO DE TERMOS E ABREVIATURAS (páginas 65-70)

DETERMINANTES DA APD: REVISÃO DA LITERATURA

2. A complexidade dos determinantes da ajuda

2.4 Enviesamento populacional e enviesamento do nível de rendimento

Além da explicação dos determinantes da ajuda com base nos três referidos grupos de variáveis (recipient need, donor interest e good governance), vários estudos apresentam uma conclusão semelhante e sistemática relativamente ao chamado “enviesamento populacional” e “enviesamento do nível de rendimento”.

Verifica-se uma population bias quando existe uma relação inversa entre a ajuda per-capita e a dimensão do país beneficiário, medido pelo volume populacional. Por exemplo, ALESINA e DOLLAR (1998:7) obtiveram a confirmação de que países com menos volume populacional recebem mais ajuda

per-capita do que países com maior volume populacional. A razão para este fenómeno prende-se com os benefícios marginais decrescentes da ajuda à medida que a população aumenta. Outra possível explicação relaciona-se com a limitação da capacidade dos países muito populosos em absorver eficazmente volumes adicionais de APD, comparativamente a países com menos habitantes. Como referem CRUZ e KUAN (2007:13), «the literature suggest that smaller countries

receive disproportionate amounts of aid, possibly because donors wish to have a larger impact and so concentrate their resources where the per capita impact will be the greatest».

Por fim, importa salientar que os doadores podem preferir fornecer ajuda a um maior número de Estados do que concentrar a ajuda em poucos países, com

essencialmente, “egoísta”, ou seja, enfatiza os interesses próprios no que concerne à política de cooperação, não havendo grande margem para a preocupação com o respeito pelos direitos humanos; contrariamente, para o segundo grupo, a luta contra a pobreza e o respeito pelos direitos humanos são os maiores objectivos da APD; finalmente, os “pequenos doadores” mantêm uma posição intermédia, ou seja, existem simultaneamente motivações altruístas e egoístas na afectação de ajuda externa (NEUMAYER, 2003 a):656,658).

65 ALESINA, A. e WEBER, B. (2000), Do Corrupt Governments Receive Less Foreign Aid?, Mimeo,

66 grande densidade populacional. As esferas de influência política e as boas relações diplomáticas poderão estar na origem deste sentido de acção (ARVIN e DREWES, 2000:173).

No mesmo estudo referido anteriormente, ALESINA e DOLLAR (1998), confirmaram a evidência da chamada middle income bias, ou seja, até um dado nível de rendimento per-capita, a ajuda tende a aumentar à medida que o nível de rendimento per-capita aumenta. Assim, os países muito pobres tendem a receber menos ajuda do que países menos pobres. Só após os países atingirem um determinado nível de rendimento (variável de país para país) é que o nível de ajuda recebido volta a ser decrescente. A justificação para este aspecto está relacionada com o facto de os países doadores considerarem que países muito pobres podem não ter a capacidade suficiente para uma gestão e absorção eficaz de fluxos volumosos de ajuda recebida66. Países de rendimento baixo/médio, quando comparados com os PMA‟s, tendem a possuir instituições mais desenvolvidas e mais aptas a aplicar programas de ajuda eficazmente.

66 DOLLAR e LEVIN (2004:10) referem que não é aconselhável canalizar um elevado volume de fluxos de ajuda

para os países mais pobres pois, neste caso, a proporção APD/PNB torna-se excessivamente elevada. Assim, a ajuda recebida passaria a dominar a economia, criando problemas de absorção e dependência, podendo tornar-se uma fonte de desincentivo ao esforço nacional de crescimento e desenvolvimento.

67

Tabela 7: Síntese dos principais estudos analisados acerca dos determinantes da APD

Autor, data e período

analisado Doador(es) Variáveis explicativas Principais conclusões

McKINLAY, R.D. e LITTLE, R. (1977), 1960- 1970

EUA Recipient Need: PNB pc,

taxa crescimento PNB pc, FBCF, peso sector industrial e mineiro na economia, reservas cambiais internacionais.

Donor Interest: diversas variáveis relacionadas com interesses comerciais, económicos, de segurança, políticos e de estabilidade política/democracia.

Interesses ligados à política externa do doador dominam claramente a alocação de APD.

MAIZELS, A. e

NISSANKE, M.K. (1984), 1969-70 e 1978-80

EUA, França, Alemanha, Japão, Reino-Unido, doadores multilaterais.

Recipient Need: PNB pc, PQLI (Physical Quality of

Life Index), taxa

crescimento PNB, balança de pagamentos,

população.

Donor interest: diversas variáveis relacionadas com interesses políticos, de segurança, de investimento externo e comerciais.

Ajuda bilateral é explicada maioritariamente pelos interesses dos doadores; Ajuda multilateral explica- se, sobretudo, pelas necessidades dos beneficiários. McGILLIVRAY, Mark e OCZKOWSKI, Edward (1992), 1980-87 Reino-Unido PNB pc, população,

dummy PMA, dummy NPI.

Ajuda relacionada com interesses humanitários, comerciais, políticos e ligados ao passado colonial. ALESINA, A. e DOLLAR, D. (1998), 1970-94 Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, EUA.

Abertura comercial, democracia, liberdades civis, passado colonial, IDE, nível de rendimento inicial, população, UN

friend, dummy Israel e

dummyEgipto.

Factores como o “passado colonial” e a defesa de interesses comuns entre países são determinantes com maior peso do que o nível de pobreza, a política económica e a

performance política dos beneficiários. Esta conclusão explica os fracos resultados da APD na promoção do

crescimento.

SCHAEDER, HOOK e TAYLOR (1998), década de 80

EUA, Japão, Suécia e França

Esperança média de vida, consumo calórico diário, aliança militar entre doador e beneficiário, despesas militares, dimensão populacional das forças armadas, PNB pc, importações dos países

EUA: os interesses estratégicos são factores cruciais;

Japão: os interesses económicos foram o factor crítico da política de ajuda externa desde o fim da 2ª Guerra Mundial;

68 beneficiários com origem

no doador, passado colonial, ideologia política (marxista, socialista ou capitalista), região geográfica (no continente africano).

Suécia: A APD foi guiada essencialmente por factores humanitários e por critérios ideológicos; França: os determinantes culturais assumem um papel de destaque, (relações históricas da francofonia). ARVIN, B. M. e DREWES, T., (2000), 1973-95 Alemanha PNB pc, população, importações dos países beneficiários com origem no doador, dummy ACP,

dummy país, dummy ano.

Existência de enviesamento populacional; inexistência de evidência estatística quanto ao enviesamento do nível de rendimento. BERTHELEMY, Jean- Claude e TICHIT, Ariane (2003), 1980-89

22 doadores do CAD- OCDE

PNB pc, população, taxa crescimento PNB, IDE, taxa de ensino primário, taxa de mortalidade infantil, total de ajuda recebida por outros doadores, liberdade política e civil, fluxos comerciais bilaterais,

dummy passado colonial,

dummy Egipto e EUA.

O fim da Guerra-Fria reduziu o enviesamento da ajuda em relação às ligações coloniais dos doadores e tornou o ambiente político e económico um determinante mais significativo. McGILLIVRAY, Mark (2003) b), década de 80

EUA PNB pc, população, taxa de mortalidade infantil, taxa de crescimento do PNB, exportações norte- americanas para os países beneficiários, exportações americanas de armamento para os países

beneficiários, dummy região geográfica, dummy Israel e Egipto.

Determinante

“desenvolvimento” teve uma forte influência na ajuda americana durante a Guerra-Fria.

NEUMAYER, Eric (2003) b), 1983-97

4 Bancos Regionais de Desenvolvimento e 3 Agências das Nações Unidas

População, PNB pc, liberdade política, direitos humanos, despesas militares, importação de armamento, PQLI (Physical Quality of Life

Index), corrupção, dummy passado colonial. Bancos Regionais de Desenvolvimento tendem a focar-se exclusivamente nas necessidades económicas dos

beneficiários; agências das Nações Unidas tomam em consideração a dimensão humana do desenvolvimento. NEUMAYER, Eric (2003) a), 1985-97 Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia,

PIB pc, população, passado colonial, proxy ajuda militar norte- americana, exportações do país doador para o país beneficiário, distância geográfica, personal

integrity rights (direitos

Respeito pelos direitos políticos e civis é estatisticamente

significante para a maioria dos doadores; os personal

integrity rights são significativos apenas para

69 Suíça, Reino Unido, EUA humanos), direitos

políticos e civis.

alguns países doadores.

DOLLAR, David e LEVIN, Victoria (2004), 1984-90, 1990-94, 1995- 99 e 1999-2002 22 Agências/instituições multilaterais e 22 doadores bilaterais. População, PNB pc, índice CPIA (Country Policy and

Institucional Assessmente Index).

O mesmo grupo de doadores que canaliza a ajuda para beneficiários com adequadas instituições e boa governação tende, também, a levar em linha de conta o nível de pobreza dos parceiros. A selectividade da ajuda é um fenómeno recente (na década de 80 não era factor significativo), cada vez mais importante enquanto determinante da APD. COORAY, N. S. e SHAHIDUZZAMAN, Md. (2004), 1981-2001 Japão PNB pc, população, exportações japonesas para os beneficiários, importações japonesas dos países beneficiários, distância geográfica, liberdade, taxa mortalidade infantil, abertura comercial.

Interesse nacional japonês é um determinante crucial na alocação de ajuda, em especial no que respeita a motivações comerciais e de investimento.

BANDYOPADHYAY, S. e WALL, H.J. (2006), 1995, 2000, 2003

Doadores CAD-OCDE PNB pc, taxa mortalidade infantil, direitos políticos e civis, eficácia da governação, população. Ajuda responde negativamente ao PNB pc e positivamente à taxa de mortalidade infantil, direitos políticos e civis e boa governação.

QUINN, J.J. e SIMON, D.J. (2006), 1980-89, 1990-2000

França Dummy francofonia, importações dos países beneficiários com origem no doador, exportações de urânio para França, cotação cambial ligada ao franco francês/euro, ligações militares, liberdade política e civil, PNB pc, volume total de APD francesa no ano x,

dummy pré e pós Guerra Fria. Os determinantes políticos, económicos, diplomáticos e culturais explicativos da APD francesa durante a Guerra- Fria são, também, significativos no pós Guerra Fria (em grau ligeiramente inferior). A cooperação francesa vai contra o novo consenso internacional, de aposta no real desenvolvimento/combate à pobreza. BERTHÉLEMY, Jean- Claude (2006) a), 1980-99 22 doadores CAD-OCDE e doadores multilaterais

PIB pc, população, dívida externa, dummy

democracia, dummy conflito, ajuda

multilateral, exportações do doador, passado-

Interesses dos doadores são marcantes na ajuda bilateral (em especial, interesses comerciais), revelando que as motivações egoístas

70 colonial, dummy EUA-

Egipto, EUA-América Latina, Japão-Ásia e UE- ACP. prevalecem sobre as motivações altruístas. BERTHÉLEMY, Jean- Claude (2006) b), 1980- 1999 Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Suíça, Reino Unido, EUA PIB pc, população, liberdade política/civil, conflitos interestatais, conflitos internos, exportações do doador, ajuda recebida por outros doadores bilaterais, ajuda multilateral, dívida externa, passado-colonial, dummy EUA-Egipto, EUA-América Latina, Japão-Ásia. Heterogeneidade de comportamento entre os doadores; combinação de motivações egoístas e altruístas, em diferentes proporções, e existência de selectividade da ajuda em prol de beneficiários com good-governance. FEENY, S. e McGILLIVRAY, M. (2008), 1968-1999

22 doadores CAD-OCDE População, PNB pc, taxa de crescimento do PNB, balança de pagamentos, ajuda multilateral, exportações dos doadores, investimento dos doadores, exportações de armas dos países doadores, deflacionador do PNB.

Recipient needs e donor

interests são determinantes na afectação de APD. O comportamento de cada doador é variável consoante o país beneficiário.

3. Síntese do comportamento dos doadores nas últimas décadas e tendências

No documento GLOSSÁRIO DE TERMOS E ABREVIATURAS (páginas 65-70)