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PARTE II EXPERIÊNCIAS-CHAVE

Capítulo 3 Experiências-chave em Educação Pré-Escolar

3.2 Envolvimento familiar

Nesta secção apresento o meu relato relativo à segunda experiência-chave em educação pré-escolar. De seguida é apresentada o suporte teórico que ajuda na contextualização da mesma.

3.2.1 Relato da experiência-chave

Com o grupo de crianças do JI tive oportunidade de desenvolver uma metodologia designada de Abordagem de Mosaico. Esta metodologia tem como foco principal a criança, isto é, ela é o núcleo principal da aprendizagem.

Este projeto teve como objetivo perceber quais os espaços mais valorizados pelas crianças no jardim-de-infância, quer na sala de atividades quer no seu exterior. Um

77 aspeto que importa referir é que o processo de aprendizagem implica também que as crianças compreendam como o espaço está organizado e como pode ser utilizado e que participem nessa organização e nas decisões sobre as mudanças a realizar. O conhecimento do espaço, dos materiais e das atividades possíveis é também condição de autonomia da criança e do grupo (ME, 1997), sendo que “Os materiais são organizados de modo a estarem acessíveis, permitindo que as crianças os utilizem sem precisar de ajuda.” (Folque, 2012, p.57), ou seja, o ambiente educativo deve proporcionar às crianças oportunidades para ser, para estar e para fazer.

Foi uma atividade pedagógica pois todas as crianças que participaram tiveram oportunidade de falar sobre os espaços que mais gostavam, os que menos gostavam, o que mudariam, entre outras coisas. Para que pudéssemos dialogar com as crianças sobre esses espaços fizemos uma pequena entrevista para obter os dados que queríamos.

Tive o privilégio de entrevistar também os pais das crianças, com a finalidade de perceber se estes sabiam dos espaços que os seus filhos valorizavam mais no jardim- de-infância. Pude constatar que muitos pais desconheciam o que os seus filhos apreciavam. Houve pais que afirmaram que os seus educandos não falavam em casa sobre o jardim-de-infância, por isso não sabiam ao certo as preferências dos seus filhos. Este foi um aspeto que me deixou muito surpreendida, porque através do contacto com os pais percebi que não havia muito interesse pelo dia-a-dia dos seus filhos.

Na minha perspetiva, as crianças devem falar frequentemente com os pais acerca do seu dia-a-dia no jardim-de-infância, o que fazem, o que mais gostam de fazer, o que menos gostam de fazer, etc., pois é através do diálogo com os pais que estes conseguem exprimir o que sentem, apercebendo-se elas próprias da vantagem que existe em frequentar o jardim-de-infância. As entrevistas permitiram constatar que realmente existem pais que desconhecem as rotinas dos seus filhos neste espaço (cf. apêndices, Entrevistas da Abordagem de Mosaico).

No desenrolar deste projeto notei bastante motivação destas crianças em falar sobre o seu espaço preferido, de o poder representar e de poder explicar o porquê da sua escolha. Tive sempre o cuidado de mostrar aos pais o que os seus educandos iam realizando ao longo do tempo, quer com esta metodologia quer noutro tipo de

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trabalhos. Os trabalhos eram afixados e sempre que possível, explicados aos pais quando estes dispunham de algum tempo quando iam levar os seus filhos. É muito importante o acompanhamento dos pais nas atividades realizadas pelos filhos, todo o apoio prestado vai dar segurança à criança para enfrentar situações mais desagradáveis naquele espaço. Quanto maior for o contacto dos pais com o jardim-de-infância maior segurança a criança vai sentir ao longo do tempo.

3.2.2 Reflexão e contextualização teórica

No âmbito da análise da experiência-chave referida anteriormente e que decorreram da minha experiência enquanto estagiária num Jardim-de-Infância há que refletir sobre as linhas conceptuais e as teorias que constituem matéria explicativa em relação à experiência que escolhi para relatar neste trabalho.

Tal como tenho vindo a transcrever no meu trabalho, sempre que possível, o diálogo com a família, o conhecimento da mesma, das suas rotinas e das suas expectativas em relação à escola é um fator basilar para o sucesso educativo que pretendemos alcançar com as nossas crianças.

A criança encontra-se integrada num sistema e por esse motivo é relevante a cooperação entre a escola e a família, assim como a existência de um trabalho de equipa, o qual tem como objetivo fundamental o sucesso na aprendizagem. A escola deve ter em atenção que a criança faz parte de uma família e de uma comunidade, portanto as ligações Escola-Família-Comunidade não podem deixar de ser abordadas. Existem vários tipos de famílias, com efeitos determinantes sobre a formação das crianças. Por exemplo, as famílias do tipo emaranhado ou aglutinado caraterizam-se por ligações excessivas que atrasam o processo de individualização dos seus elementos. Sabemos, no entanto, que nem todas as famílias observam modelos de funcionamento saudáveis e que esses modelos podem ter influência na forma como as crianças desenvolvem o seu ritmo de aprendizagem global. As famílias disfuncionais apresentam dificuldades em assegurar as funções de proteção e segurança das crianças e podem apresentar modelos de funcionamento intermitentes e desajustados. Em oposição uma família com funcionamento saudável tem a capacidade de comunicação

79 e interage com o exterior cultivando rituais, que a incluem numa rede (Monteiro, 1996).

Na abordagem sistémica da família pressupõe-se a existência de interação entre todos os seus elementos com os restantes sistemas “que lhe são significativos” (Abreu, 2012). De acordo com a visão de Bronfenbrenner “o organismo em desenvolvimento está inserido numa série de sistemas hierarquizados que influenciam e são influenciados pelo indivíduo” (Stevens, Hough, Nurss, 2002). O que estes autores nos indicam é que a família não só é em si um sistema como também é uma das portas para interação com a restante sociedade. Esta sociedade, ou rede, em que se quer situar a criança só pode ser atingida com uma família de funcionamento saudável, sendo um dos pilares a partilha de informação entre pais e filhos. O que as entrevistas me deram a conhecer foi o facto de em muitas famílias haver pouco diálogo com as crianças sobre a suas atividades diárias e sobre os seus interesses, notando-se por vezes falta de conhecimento sobre os próprios filhos. Este tipo de situação não é de estranhar dado o estilo de vida que muitos pais têm, com horários pouco sincronizados com os filhos e trabalhos que os cansam tanto a nível mental como físico, deixando pouca vontade para, ao final do dia ou nos fins-de-semana, falarem com os filhos, sem ter um objetivo imposto por uma qualquer atividade.

A importância da família não termina em si, permite que a criança tenha acesso à restante sociedade. Pela própria natureza ainda não completamente autónoma da criança é a família que tem de lhe proporcionar o contacto com a sociedade tal como refere Vygostsky (1987), ao concetualizar a zona proximal de desenvolvimento, veio reforçar a necessidade da interação, como potenciadora da aprendizagem e, consequentemente, do desenvolvimento. Ainda assim, Vygostsky assume que o contexto social e as interações sociais entre a criança e os outros (pais, professores, outros familiares próximos) são fundamentais na aprendizagem. Na perspetiva socio- construtivista, a aprendizagem é feita através de interações socioculturais, enriquecida por adultos e pares e por isso impulsionadora de desenvolvimento (Folque, 1999).

A liberdade de expressão da criança, as experiências fora da escola e as suas motivações são o ponto de partida para estudos e projetos, em que a família e a comunidade são fontes de informação e conhecimento. As atividades do jardim-de- infância têm um significado funcional ao constituírem-se como algo que interessa e é

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útil para o grupo no seu contexto sociocultural. Numa forte ligação com a comunidade, as crianças multiplicam as suas fontes de informação, e têm oportunidades de nela intervir, na procura e resolução de problemas. O papel da escola deverá ser o de proporcionar uma aprendizagem que tenha um significado social, através de uma troca de conhecimentos numa interação constante com a comunidade. O significado social que se pretende que a escola possa fornecer nas aprendizagens passa também pela família. Fomentar a interação entre a criança e o seu nucelo familiar é um primeiro passo para que esta tenha um desenvolvimento saudável e para que se tornem mais fáceis as interações seguintes, sendo estas, por si, mais abrangentes. O que nos leva ao próximo ponto que deve estar presente na vida escolar: a vida em sociedade.

A educação para a vida democrática onde a cidadania da criança constitui uma área de educação fundamental, uma abordagem centrada na sociedade em vez de uma pedagogia centrada no adulto ou na criança é considerada vital para a aprendizagem e desenvolvimento. De acordo com Sprinthall e Sprinthall (1993), ambientes estimulantes e ricos, assim como ambientes ativos desde os primeiros anos, são fundamentais e imprescindíveis para o desenvolvimento (Bruner, 1987; Hunt, 1974). É este tipo de ambiente que a escola deve fazer por atingir. Ambientes ricos e ativos com forte interligação com a sociedade e as suas práticas comuns que permitam à criança sentir-se integrada no meio onde habita sem que a escola seja um mundo à parte onde está limitada a aprendizagens sem ligação à sua vida em família e, em última instância, à sociedade onde se pretende que esteja completamente integrada.

Como vimos, os diversos autores são unânimes em reforçar o papel da família e da sua relação com a escola, tendo em vista o desenvolvimento da criança, constituindo- se como um fator determinante para o êxito desta missão que é a educação. A família atua como base do meio em que a criança se envolve. Esta experiencia chave permitiu- me conhecer um pouco melhor o contexto familiar de cada criança e assim tomar consciência das limitações existentes em determinados agregados familiares. Com este conhecimento é possível, até certo ponto, planear algumas tarefas com crianças de modo a fomentar um maior contacto com os seus familiares de modo a ir ao encontro do que a maioria dos autores defende com sendo um ponto imprescindível para um bom desenvolvimento da criança. É também importante sensibilizar as famílias para o mundo em que a criança se insere. Muitos pais não têm paciência para falar com os

81 filhos sobre o que se passa no jardim-de-infância pois não têm essa informação como relevante para si, mas têm de ter noção que é essa a realidade da criança. Para ela as horas que passam fora de casa não são simplesmente brincadeira, são aprendizagens que vão moldar o seu futuro. Isto é algo que nem todos os pais conseguem perceber por si próprios, sendo necessária a ajuda da educadora, de modo a que os pais consigam enquadrar melhor o dia-a-dia da criança.

Neste ponto podemos fazer uma analogia, um adulto pode pensar que o jardim-de- infância está para a criança como o trabalho está para si. Mas isto não é totalmente verdade e reveste-se de sentimentos diferentes. Ao fim de um dia um adulto pode não querer falar do trabalho com a sua família por este ser algo que o aborrece. Mas a criança pode ter uma perspetiva diferente sobre o jardim-de-infância e pode querer partilhar o que fez, neste momento é importante que a família esteja presente e a oiça para que esta possa expressar a sua vontade de partilha.