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CAPÍTULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO

4.5 DISCUTINDO AS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS

4.5.2 Envolvimento na carreira docente

O envolvimento na carreira docente trouxe em seu bojo incidentes críticos que redirecionaram o rumo das histórias dos professores entrevistados.

Professor Fernando também revive em seu depoimento a influência de dois professores que teve e a contribuição para que ingressasse no magistério:

(...) eu tinha dois professores que acabaram sendo referências para mim, que me ajudaram muito, me incentivaram e eles foram meus espelhos. Eu acabei tomando gosto pela prática profissional como professor porque me espelhei nesses dois professores que me deram praticamente o sentido de que dar aula seria uma coisa satisfatória e profissionalmente eu também me realizaria, como realmente ocorreu.

(…) Eu acho que, sem dúvida, eles tinham capacidade nas disciplinas que lecionavam, mas foi mais do que isso porque me acolheram com muita humanidade, eu na época ainda não tinha é um caminho decidido, estava tentando encontrar esse lugar que me ocupasse, não é, como profissional e eles me ajudaram nesse sentido. Acho que foi mais no sentido afetivo, das relações humanas que necessariamente a disciplina. A disciplina foi porque eu tinha já uma inclinação muito grande por ciências humanas.

O fato marcante são os dois professores mesmo que me influenciaram, acho que isso é uma verdade.

O que mudou completamente a minha trajetória, a minha vida. Foram eles os grandes mentores.

Nesse incidente crítico, observamos a responsabilidade do professor em sua prática pedagógica que pode tanto aproximar o aluno quanto afastá-lo. No caso mencionado, a interação com os professores, seus espelhos, contribuiu sobremaneira não somente para cativar seu interesse em ir à escola como também para que se decidisse pela profissão docente.

La docencia es una actividad central en cada una de las instituciones escolares, ya se trate de las del nivel básico, medio o superior; es clave en la formación de profesionales de las distintas ramas del saber y en la preparación de los futuros creadores del conocimiento; es determinante el la vida de muchas personas que definen su actividad profesional o gusto por una disciplina a partir de la convivencia estimulante con un maestro en particular. (BELTRÁN, 2010, p. 6)

E completa que, além dessas duas personalidades, era o ambiente escolar que também o afetava positivamente.

(…) naquela escola, a própria, vamos dizer assim, alma da escola era acolher aluno. Eles eram muito dedicados, principalmente com alunos carentes. Eles ajudavam muito, impulsionavam muito os alunos. Eles foram duas pessoas assim que contribuíram muito para mudar a vida. Era mais, a escola era muito mais que aula, era um campo assim, vamos dizer, de muita força humana, muito amor pelas pessoas.

O conteúdo do ensino, mas também seus métodos e disciplina escolar são os meios permanentes e normais para dar à criança o gosto pela verdade, a objetividade do juízo, o espírito livre de exame e o senso crítico que farão dela um homem que escolherá suas opiniões e seus atos (PLANO LANGEVIN-WALLON, 1969, p. 187).

Nesse breve relato com forte teor emocional, professor Fernando aponta para a importância do meio, sobretudo o escolar que, em sua fala, extrapolava o que ele considera como sendo a função da escola.

O meio é um complemento indispensável ao ser vivo. Ele deverá corresponder a suas necessidades e a suas aptidões sensório-motoras e depois psicomotoras [...]Não é menos verdadeiro que a sociedade coloca o homem em presença de novos meios, novas necessidades e novos recurso, que aumentam possibilidades de evolução e diferenciação individual. A constituição biológica da criança ao nascer não será a única lei de seu destino posterior. Seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstâncias de sua existência, da qual não se exclui sua possibilidade de escolha pessoal. (WALLON, 1959/1986, p. 168-169)

Professor Fernando discorre sobre a importância do acolhimento, e o quanto ir à escola significava mais do que assistir aulas:

Esse acolhimento é afetivo, você encontra aquelas pessoas que te ouvem, te integram, que te dão importância.

Na fala do professor Fernando, emerge a importância da afetividade expressa pelo acolhimento realizado no ambiente escolar, que é um dos meios importantes formalizado por Wallon: “A maneira pela qual o indivíduo pode satisfazer suas necessidades mais fundamentais depende do meio e, também, de certos refinamentos de costumes que podem fazer coexistir, nos mesmos locais, pessoas de meios diferentes” (WALLON, 1959/1986, p. 170).

Nessa interação com um meio diferente do meio familiar, surgem também outras pessoas. No depoimento do professor Fernando, dois professores foram fundamentais à sua formação, pelo acolhimento e incentivo que lhe prestaram.

Contei sempre com a ajuda de outras pessoas, não é. Da minha família, sempre, do meu pai, sempre dando apoio embora ele não tivesse nenhuma formação, mas sempre me deu todas as possibilidades para que eu encontrasse o meu caminho na vida. Agora a ajuda realmente veio dessa escola, desse professor, vou até citar a escola que se chama, ela existe ainda hoje, pois ela se chama (nome da escola) ela que está na Lapa, perto da Lapa, mas ela já vem, não é... dentro do ensino há muito tempo e foi particularmente foi essa escola que me deu todo o incentivo, toda a possibilidade de me formar professor.

Além do que os professores evidenciaram como “o gosto” pela docência, professor Gabriel salienta que, no início, ser professor não era sua prioridade, e o que o levou por esse

caminho foi encontrar nas aulas noturnas uma atividade que complementasse sua renda. Não, não foi a primeira opção. Hoje é a primeira opção. Hoje é a primeira da primeira. Foi, vamos dizer, talvez o acaso, não é, foi o colega que começou a comentar e eu pensava numa complementação de renda e tal, e acabei entrando, e gostando. Então foi assim, não é que eu vou ser professor, vou estudar para ser professor, não, não teve isso.

“Hoje é a primeira da primeira” – pode ser entendido de duas formas: como afirmação enfática, profundamente afetiva com o magistério, e como revelação de que, apesar de, em seu início, não ter planejado ser professor, tornou-se um, rapidamente.

Olha, logo que eu comecei. Eu comecei, como são trinta e poucos anos, depois de pouquinho, sei lá, três, quatro meses. Eu tenho essa característica, vou fazer procuro fazer bem-feito, não é. Gostei dos alunos, gostei do relacionamento, foi rápido isso, não é. Entrei por acaso, mas me transformei em professor rapidamente.

Professor Gabriel sinaliza para a ajuda de um professor, expressando sentimento de gratidão. Segundo seu relato, este contato é um incidente crítico.

Contei. Essa pessoa me ajudou muito, inclusive aqui (nome da faculdade) é o professor (nome do professor).

Foi tudo, ele que abriu as portas. Tinha. uma prova e ajudei a corrigir, ele era muito atarefado, gerente da empresa e comecei a participar, na verdade, ele abriu caminho mesmo.

Professor Luís discorre sobre sua experiência. Igualmente auferiu aprendizado pela qual também é grato, porém por linhas mais tortuosas.

Um professor que me deu desgosto na pós-graduação que me deu desgosto mas ao mesmo tempo aprendi com ele o que um aluno não deve fazer. Um aluno não deve rir do professor. Por uma risada que eu dei por uma piada que um colega contou, eu acabei ficando de exame, por 0,25. Então eu aprendi que a gente não pode menosprezar o professor na sala de aula.

O fato de ter rido do professor fez o professor Luís ficar de exame pela primeira vez em sua vida escolar. Este acontecimento, a seu ver, resultou em um fato marcante: um

incidente crítico que lhe demonstrou como um professor não deve ser tratado, o fez sentir que um professor deve ser respeitado.

O envolvimento em sua carreira trouxe ao professor Fernando confiança no trabalho que desenvolve junto aos alunos.

Duas coisas: primeiro, a competência profissional, segundo, a didática que eu sempre tive uma didática, acredito, muito aceitável. Ao longo desses trinta anos eu nunca percebi que os alunos não tivessem claramente entendido a minha mensagem. Eu sempre tive muita facilidade não só de transmitir a disciplina como também compreender as razões dos meus alunos, procurar administrar os conflitos e conviver com eles de uma maneira que eu os incentive e não necessariamente apenas aprendam por aprender.

Na prática do professor Gabriel, ficam evidentes a paciência e a empatia ao buscar explicar aos seus alunos conceitos não somente desconhecidos, mas distantes da realidade deles.

Ah, difícil de explicar isso, de responder. Eu acho assim, em relação aos alunos. Hoje tem uma palavrinha que você tem que ter: paciência. Tem que ser paciente, não é. Tem que ter uma didática que atraia, às vezes não atrai. Vai falar de conceitos, explicar um determinado conceito que o aluno está longe disso. Hoje estávamos falando de Fayol e Taylor, coisas que aconteceram em 1906, e mostrar como esses precursores pensaram e o que está acontecendo hoje. Então você precisa de uma boa didática, precisa de instrumentos, ferramentas boas que atraiam o aluno em sala de aula. Acho que por aí.

Muito envolvido com a sólida carreira de professor, professor Luís aposta na busca pela atualização e na revisão de suas práticas como conduta de melhoria contínua em seus processos formativos.

Posso até ser bem avaliado aqui e ali, mas eu procuro fazer o melhor, isso talvez faça que a gente procure sempre o melhor. No Japão, na empresa existe um termo chamado “Kai zen”. Kai zen significa, a tradução para o significado em português significa melhoria contínua. Então não só as empresas, não só... a gente precisa procurar ter essa melhoria contínua e essa melhoria contínua só é possível quando você reconhece os seus problemas, os seus defeitos, suas falhas, as suas fraquezas e procura corrigir. A partir do momento que você

consegue identificar isso, você tem um salto para o lado bom, melhorou. Então eu procuro praticar isso. Foi bom, foi bom. Hoje foi razoável, não fui tão bem nesse ponto, faltei com isso. Eu saio me criticando, eu vou pra casa criticando a minha postura, meu desempenho, isso eu faço. Todo dia de aula.

Ao relembrar seu início de carreira, professor Fernando diz que, ao entrar pela primeira vez em uma sala de aula, sentiu-se uma estrela. Esse fato também é indicado por ele como um incidente crítico.

Vou te dizer que na primeira vez eu me senti uma estrela. Porque era o que eu queria, não é. Era um palco mesmo. Era o momento. Me senti uma estrela, me achei o máximo. Fiquei muito feliz comigo mesmo. Conquista. Um momento de extrema felicidade, sabe, objetivo alcançado. Pisei lá e fiquei até hoje. Continuo pisando. Eu me sinto assim até hoje. Assim, estrela no sentido de estar feliz com a profissão. De se dar bem.

(…) É um brilho. É isso, o brilho, a força, a vontade, a dedicação, o gostar. (…) Ainda sou, ainda acho que me chamar de professor, ainda me sinto de certa forma muito gratificado.

Este brilho do relato transpareceu no brilho dos olhos do professor ao relatar. Continua sendo um incidente crítico.

Entrementes, além das gratificações pela carreira desenvolvida, emergem igualmente frustrações. Professor Fernando comenta que a profissão docente é sobretudo política e, a seu ver, nos dias atuais, seus alunos estão descolados dessa visão.

(…) É uma mudança total de valores, inclusive porque as pessoas que nós acreditávamos na época e que hoje estão no poder político nos decepcionaram completamente. Naquele momento eles eram realmente ídolos. A gente seguia a ideologia, a gente se entregava às lutas sociais, a gente participava, muitas vezes até enfrentando polícia mesmo, essas coisas todas, porque a gente tinha um ideal a acreditar. Hoje não. Então mudou. E os valores, claro, também hoje estão muito diferentes. A garotada ou as pessoas com quem a gente vive, eles não têm ideais políticos, não têm informação, não têm história política. Eles são fruto de consumo, do individualismo, é uma outra história por isso que é muito difícil para gente, inclusive assumir papel político hoje, porque com essa dimensão política, as pessoas não acreditam e eu dou aula de Ética, você imagina, eu dou aula aqui de Comunicação e Ética e

você não consegue passar porque eles mesmos que veem o espelho político não acreditam. Você fala e não tem já peso. Porque está tudo muito difícil, os valores esfacelados. (...) Frustra. Opa, sem dúvida nenhuma. Você continua porque você acredita, você. Mas, frustra, sem dúvida nenhuma. Eles não têm culpa.

Professor Gabriel levanta outro aspecto que igualmente lhe decepciona.

Na verdade acho que nunca me chamaram [de professor], no começo me chamavam sempre de mestre. Isso há trinta anos atrás. E também é uma situação diferente, a situação do aluno hoje e do aluno de trinta anos atrás. Mudou muito, mudou completamente, não é. O aluno de trinta anos atrás era um aluno muito diferente, então, você, era sempre reverenciado como mestre, chamado como mestre. E no começo achei estranho, mas porque queriam um padrão, na verdade eu não era mestre, mas queriam um padrão. Eu vim fazer o mestrado em 95, terminar em 95. Já lecionava há muito tempo, não é, só com a graduação.

Nos caminhos do professor Luís, uma ramificação de sua atuação docente na faculdade em que leciona lhe rende orgulho e a decepção de não mais compartilhá-la.

Eu estudei doze anos Dança. Eu não tenho certificado de nada. Isso é minha frustração, sabia?

Frustração porque eu tive que parar. Porque não era por dinheiro isso. O cargo também de direção, é meio complicado, você, diretor... rebolando... Não pega muito bem, a imagem de seriedade, não é? Um sujeito que julga o aluno, que dá aula para alunos de graduação, pós- graduação, vai ensinar Dança.

Em sua entrevista, professor Luís mostra claramente seu envolvimento com a Dança e até que chega a discorrer como se formou e que deu as aulas na faculdade a alunos, funcionários e também professores – aulas de Dança que eram muito apreciadas. Por diversas vezes no seu depoimento, mostra um sentimento de frustração porque teve que deixar de lado essa atividade. Agrega valor nessa experiência, além de considerá-la um incidente crítico, revela:

Ah, eu considero [um incidente crítico] porque isso foi um marco interessante, imagina um japonês com todas as partes culturais enraizadas de família e que fala para o pessoal que dá

aula de Dança, de samba, gafieira, pagode, tcha tcha tcha, salsa, merengue, é complicado isso. (…) Então, e tem esse problema, não é? Tem as implicações da cultura, cultura tradicional. Se bem que tem as gueixas, tudo, mas eu nem considero isso, depois tem o cargo, o cargo perante a diretoria geral, o que podem pensar, não é? Se bem que hoje eu não me importaria tanto. Tenho outro pensamento, mas naquela época já comecei a pensar nisso e também a necessidade aqui, a necessidade de reciclagem porque eu era muito bom naquela época. Hoje, eu preciso voltar, não quer dizer que eu não consiga dançar, mas tem algumas coisas que eu teria que rever. Então, esses pontos são as implicações.

Questionado pela pesquisadora sobre a possibilidade de retomar a atividade tão prazerosa e que lhe traz boas recordações, professor Luís responde:

Ah, não mais. Eu já estou um pouco passado... a idade já chegou.

Nesse segundo eixo, as situações motivadoras de descobertas, gratificações e frustrações delineiam a abrangência da dimensão afetiva.

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