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CAPÍTULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO

4.5 DISCUTINDO AS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS

4.5.3 Razões para permanência na docência

Passando pelos depoimentos dos professores, aspectos sutis do envolvimento dispensado à profissão foram sendo caracterizados. Finalizadas as entrevistas com o professor Fernando, surpreendi-me, pois tomei conhecimento de uma informação que havia sido omitida durante a realização das duas entrevistas: além da sua formação em Letras, graduou- se primeiramente em Filosofia. Acessei essa informação porque, ao pesquisar o projeto pedagógico do curso de Administração da instituição, a qual me reportei, cheguei aos Currículos Lattes do corpo docente, e resolvi verificar as datas dos cursos realizados por ele durante sua graduação, visto que durante as entrevistas e, sobretudo, na segunda, professor Fernando mencionou não se lembrar e mesmo julgar essa informação irrelevante.

Ali, para minha surpresa, apareceu a informação da primeira graduação e a recebi com inquietação e também frustração. Inquietação por desconhecer os motivos que o levaram a não compartilhar essa informação; e frustração porque, apesar de ter tido cuidado em saber

mais sobre sua trajetória profissional, agi no momento errado; devia ter olhado os currículos antes das entrevistas, pois, possivelmente, estaria melhor preparada para o diálogo.

Diante disso cujo aprendizado ainda ecoa, levanto como hipótese explicativa que não ter citado sua formação inicial em Filosofia, deveu-se à ocorrência de um fato (ou fatos) que lhe oportunizou ingressar no curso de Letras. Fato este, provavelmente desagradável e que não merecesse ser lembrado.

Para o entrevistado, a situação [de entrevista] também pode ser interpretada de inúmeras maneiras: uma oportunidade para falar e ser ouvido, uma avaliação, uma deferência à sua pessoa, uma ameaça, um aborrecimento, uma invasão. […] Tantos sentidos quantas interpretações, que definem o rumo da entrevista e a seleção das informações que são lembradas, esquecidas, ocultas ou inventadas (SZYMANSKI, 2008, p. 16).

Na trajetória profissional do professor Fernando, o início da graduação em Letras lhe foi um incidente crítico, porque o fez ingressar na carreira universitária. Possivelmente o curso de Filosofia não lhe abriu nenhuma perspectiva de trabalho.

É. Eu considero. Eu considero porque praticamente já estava em mim essa visão. Ver-se como professor, já no devir parece que realizado como professor e aconteceu. Aconteceu. Quer dizer, intuitivamente, eu acho que foi isso mesmo. E era também o meu desejo. O meu desejo acabou se tornando realidade. E estou feliz até hoje na profissão. Eu sou um professor que sou feliz sendo professor e vivo muito bem sendo professor. E não gosto muito quando se critica professor. Tenho certas reservas, não é.

Quais seriam as razões para a graduação em Letras ter esse amplo significado? Por que a primeira graduação teria sido omitida? A memória das experiências vividas evoca imagens, contextos, sentimentos e emoções. Torna-se importante evidenciar que, no momento inicial da segunda entrevista, apesar de sempre simpático e alegre, professor Fernando, manteve-se mais sério e, aparentemente nervoso. Apesar de ter observado essas reações não pude compreender com clareza os aspectos que pudessem motivá-lo para essa postura que também se refletiu em sua expressão corporal. Professor Fernando, encostou-se no espaldar da cadeira e permaneceu durante sua fala como que grudado ao assento, imprimindo certa tensão em sua exposição. Inegável certa apreensão percebida pela entrevistadora; a deixou igualmente tensa.

Para Wallon, a emoção é contagiosa. “Além do contágio, a emoção também tem como expressão a plasticidade, que se manifesta no corpo por meio da retração ou escoamento do tônus muscular, estes sinais que contaminam o outro (FRANCO, 2008 p. 47).

Na segunda entrevista, professor Luís revelou um incidente crítico denominado por ele como “crise de qualidade profissional.” Tal acontecimento, descrito em detalhes, o fez reavaliar a carreira.

(…) isso aconteceu em 1987. De 1987 até 1990 eu continuei como professor e como empregado numa companhia, uma companhia que eu atuava. Que, diga-se por passagem, era o meu ganha-pão, eu ganhava o meu maior provento. Aí o que acontece? Em 1990 a gente tem a crise, crise não, o problema do Collor. E as empresas começam a ter dificuldade, nessa dificuldade muitas empresas demitem, demitem em massa e eu não fui diferente. Nesse meio termo eu acabei também sendo demitido juntamente com todo o departamento que eu comandava, eu comandava já um setor.

[A empresa] Demitiu, ela tinha quase três mil pessoas, ela chegou a ter menos de mil pessoas. Demissão assim era todo dia ou quase toda semana. Duas ou três demissões por semana. E as demissões eram assim de 50, 100 pessoas, 120 pessoas por mês. E o meu setor, nós tínhamos lá perto de 22 pessoas, eu comandava quase 20 pessoas. E o meu diretor chegou para mim na segunda-feira de manhã falou: “Olha, (nome do entrevistado), fui demitido, estou te demitindo, demite todos os outros, que eu estou indo embora.” Foi assim o dia da minha demissão... eu peguei, chamei o pessoal, demiti todos os outros, peguei minhas coisas e fui embora.

Nesse momento eu falei assim: “Puxa vida, agora só vou dar aula, né, não tem mais outra coisa.” Comecei a procurar emprego, estava muito difícil de alguém contratar e acabei sobrevivendo alguns meses só com aula e ganhando muito pouco naquela época. Não dava para pagar as contas. Mas depois aparece uma aula aqui mais uma aula ali e tal e a gente vai enchendo a grade da gente. Encontrei outro emprego, não é, comecei a trabalhar novamente, mas só que aí já com um provento em aulas maior que antes. E o gosto foi aumentando, aumentando, até que em 1996, 6 anos depois, teve uma eleição para direção, me candidatei, ganhei e fiquei já como diretor, senti que não poderia deixar a faculdade e a separação foi natural...

Concernente à exposição do professor Luís, o desemprego o motivou a continuar dando aula, apesar de ele considerar não estar empregado: “Puxa vida agora só vou dar aula, não tem mais outra coisa.” Comecei a procurar emprego, estava muito difícil de alguém contratar e acabei sobrevivendo alguns meses só com aula e ganhando muito pouco naquela época. O que podemos apreender de seu discurso é que ele não via na docência uma profissão, possivelmente por não ter sido seu foco no início de sua carreira.

Na caminhada do professor Gabriel, encontramos outras razões para ter permanecido na docência, além do complemento de renda: ter gostado da atividade.

É... Foi vamos dizer talvez o acaso, não é, foi o colega que começou a comentar e eu pensava numa complementação de renda e acabei entrando, e gostando. Então foi assim, não é que eu vou ser professor, não é, vou estudar para ser professor, não, não teve isso.

No terceiro eixo norteador, as razões para permanência na docência partem de trilhos diferentes, há motivos ocultos, os quais podemos somente tecer hipóteses, há aqueles cuja descoberta pelo “gostar” nos sinaliza para o exercício da docência sem expectativas e, há ainda a docência como única atividade que restou devido ao desemprego. Sem sombra de dúvidas, a prevalência de razões de ordem do sentir influenciando o pensar e o agir. Os depoimentos dos três professores sobre sua trajetória profissional e seu envolvimento com a carreira remetem a dois autores que nos ajudam a compreendê-los: Tardif (2000) e Canário (1998).

Ao discutir resultados de pesquisas sobre o trabalho docente, Tardif (2000) conclui que: os saberes profissionais dos professores são temporais porque boa parte do que sabem sobre sua prática provém de sua própria história de vida e particularmente de sua história de vida escolar; os saberes profissionais se desenvolvem no âmbito da carreira na qual se faz a socialização profissional; os saberes profissionais dos professores são plurais e heterogêneos porque vêm de diversas fontes: da cultura pessoal, de conhecimentos universitários, de conhecimentos adquiridos na formação de conhecimentos decorrentes da experiência de trabalho, do contato com outros professores; os saberes profissionais dos professores são personalizados e situados porque os professores são pessoas e lidam com pessoas em um determinado contexto organizacional.

Canário (1998) argumenta que a escola é o lugar onde os professores aprendem porque é o lugar onde os saberes e as experiências são trocadas, validadas, apropriadas ou rejeitadas.

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