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CAPÍTULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO

4.4 SENTIMENTOS APREENDIDOS PELA ENTREVISTADORA NAS

Durante as situações de entrevistas, como já citado anteriormente, emergiram sentimentos de tonalidades variadas.

Ao realizar a primeira entrevista com os sujeitos desta investigação, busquei explorar, principalmente, a carreira e mapear aspectos importantes à formação docente. As entrevistas foram gravadas, com o consentimento dos professores, e, posteriormente, transcritas para serem submetidas a uma primeira análise.

Procedi, sempre que possível, a registros das impressões pessoais, ou mesmo sentimentos e/ou emoções suscitadas durante as entrevistas. A finalidade desse procedimento era não contar somente com a memória que, com a quantidade de informações coletadas, poderia falhar, e mesmo, na tentativa de preencher lacunas de possíveis esquecimentos, acabar acrescentando informações que não tivessem decorrido das referidas situações.

Apesar de assumir uma postura mais neutra diante dos entrevistados que, gentilmente, cederam seu tempo para compartilhar suas histórias de vida, enquanto pesquisadora, não pude

deixar de observar que o momento da entrevista traz em seu bojo expectativas (ALMEIDA e SZYMANSKI, 2008).

Observei que, apesar de um participante aceitar o convite para expor e compartilhar suas experiências em uma situação de entrevista, nada garante que não haverá o não dito, aquilo que fica subentendido, por vezes encoberto pela emoção que suscita, ou mesmo por não ter sido tão relevante no universo íntimo do sujeito da pesquisa.

A escolha do nome fictício de cada entrevistado me foi significativa. Ao iniciar a segunda entrevista com cada um dos professores, individualmente, perguntei-lhes sobre qual nome gostariam que eu os referenciasse. Professor Fernando disse que poderia ser qualquer um, perguntei-lhe se estaria de acordo com o nome “Fernando” e ele afirmou que sim. Já, o professor Gabriel, disse que gostaria de chamar-se Gabriel, nome de seu filho e, o professor Luís, indagou-me sobre qual nome eu sugeriria; ao ouvir minha sugestão respondeu: “Paulo, não. Tive um amigo que me traiu. Luís, talvez. Conheço muitas boas pessoas com o nome Luís.”

As escolhas dos nomes fictícios manifestam uma posição de ordem afetiva. Portanto, da mesma maneira que chama a atenção os motivos que levaram às escolhas dos nomes, no caso do professor Gabriel, ter partido do nome do filho, e no do professor Luís, do nome de pessoas a quem tem apreço, professor Fernando mostrou-se indiferente a essa escolha. Será que o fato de não ter sugerido algum nome para ser referenciado também exibe uma escolha afetiva?

Ao aceitar conceder uma entrevista, tem-se a disponibilidade da parte do entrevistado em ser ouvido. Apesar disso, ao pesquisador, será sempre ingenuidade acreditar que nenhuma informação será omitida. É preciso que haja sensibilidade para saber até onde se insiste ou não em uma questão (ALMEIDA, 2008).

Durante as entrevistas, é possível que se perceba respostas enevoadas, assuntos que são redirecionados para outras abordagens, mas é preciso respeitar o limite das exteriorizações. Se posso considerar alguma hipótese para essa postura, consideraria, em primeira ordem, que a situação de entrevista faz emergir sentimentos, emoções, lembranças que nem sempre são fáceis de lidar. Trata-se de um território delicado que precisa ser respeitado. “Conforme o grau de envolvimento do entrevistado, às vezes, a simples escuta, atenta e respeitosa, é interpretada como “ajuda”, ainda mais se ocorrer desenvolvimento de consciência do entrevistado a respeito de um tema importante na sua experiência” (SZYMANSKI, 2008, p. 18).

Na primeira entrevista com o professor Fernando, ansiei conhecer mais sobre seu universo, pois ele havia se mostrado, tanto no contato inicial quanto na procura de uma sala para realizarmos a entrevista, uma pessoa comunicativa, além de extrovertido e muito acolhedor, o que me deixou à vontade. Entretanto, ao sentarmos, ele puxou duas carteiras e enquanto tecia suas primeiras reflexões sobre porque era professor de um curso de Administração, mexia-se tanto na carteira que acabou, sem perceber, me atingindo com dois chutes seguidos.

Além dos chutes seguidos, sem dúvida, alheios à sua vontade, quando o professor puxou as duas carteiras, pensei que eu sentaria em uma delas, porém, na verdade, serviram para que ele se apoiasse. Embora, naquele momento, minha atenção estivesse focada na reação motora do professor Fernando, de acordo com Wallon, as dimensões motoras, cognitivas e afetivas são inseparáveis.

As necessidades da descrição obrigam a tratar separadamente alguns grandes conjuntos funcionais, o que não deixa de ser um artifício, sobretudo de início, quando as atividades estão ainda pouco diferenciadas. Algumas, porém, como o conhecimento, surgem manifestamente mais tarde. Outras, pelo contrário, surgem desde o nascimento. Existe entre elas uma sucessão de preponderância. Aliás, para reconhecer isso é necessário saber identificar o estilo próprio de cada uma e não nos limitarmos à simples enumeração dos traços que são simultaneamente observáveis (WALLON, 1941/1998, p. 131).

Ao realizar a primeira entrevista com o professor Gabriel, esteve presente um clima amistoso e de cumplicidade, a partilha de uma ideia que é importante para ele, me afetou profundamente. O momento compartilhado foi ter me dito que aos sessenta e cinco anos de idade se mantém trabalhando firme, pesquisando e arrematou “precisa muito ter muito conhecimento, aí você cria o diferencial. Então o que acontece, os outros profissionais lembram de você quando surgem as oportunidades e o mercado de trabalho vai lembrar também”. A energia em sua fala demonstrou, não somente, o vigor que o faz trabalhar com firmeza diariamente, mas trouxe a responsabilidade e o reflexo de ações profissionais no modo que as demais pessoas o veem.

Na entrevista com o professor Luís, antecipei-me à chegada ao local combinado e, acabei esperando-o por uma hora. Emergiram expectativas: será que de fato vai poder me atender? Será que esqueceu que marcamos essa entrevista?

Nos quadros seguintes, busco a sistematização de sentimentos experimentados, referenciando os fatos desencadeadores para cada professor. Cabe ressaltar que apresentarei passagens colhidas das primeiras entrevistas realizadas com os professores.

No processo de realização das entrevistas, tive a clareza de que a afetividade se expressa de diferentes formas, mas que está presente e atuante tanto no entrevistado como no entrevistador.

Quadro 5 - Sentimentos apreendidos pela pesquisadora na entrevista do professor Fernando

Depoimentos Sentimentos

apreendidos pela pesquisadora

Situações indutoras Indicadores

Sou professor de um curso de Administração porque quando

eu entrei na faculdade havia muitos alunos de Administração, eram nove classes, ao longo do tempo foi diminuindo, hoje nós ficamos com duas classes só, mas como

este curso é um curso tradicional na (nome da faculdade que leciona) eu

acabei ficando nele mas também atuo em outras áreas

na (nome da faculdade que leciona), na faculdade de Comunicação Social que é

Jornalismo, Publicidade e Propaganda e também na Engenharia Ambiental e curiosamente na Engenharia Ambiental eu dou Comunicação e Ética.

Ansiedade Contar suas vivências pessoais a uma pessoa

desconhecida.

Agitação motora, movimentação dos pés a

ponto de atingir a pesquisadora.

Eu me formei professor por uma, vamos dizer assim, vocação. Eu nunca me vi em

outra profissão. Já tinha vontade de ser professor, me

enxergava nela quando tava fazendo os cursos iniciais e quando eu entrei (nome da

Universidade) já optei por Letras porque já tinha naquela

época certeza que esse era o caminho que me daria um conforto profissional e não me

arrependi até hoje. Continuo sendo professor não tenho

outra atividade e se isto

Insegurança Desconhecer o conteúdo das perguntas

antes da entrevista.

Olhos fechados ao encerrar cada sentença de sua fala.

acrescenta sou perfeitamente feliz sendo professor e profissionalmente realizado.

[A vivência como aluno] Influenciou. Não necessariamente na faculdade. Influenciou antes disso porque eu tinha dois professores que

acabaram sendo referências para mim, que me ajudaram muito, me incentivaram e eles

foram meus espelhos.

Convicção Evidenciar pessoas que foram seus espelhos.

Olhar fixo, sem desvios. Postura corporal tranquila,

sem movimentações.

Contei sempre com a ajuda de outras pessoas, não é. Da minha família, sempre, do meu

pai, sempre dando apoio embora ele não tivesse nenhuma formação, mas

sempre me deu todas as possibilidades para que eu encontrasse o meu caminho na

vida. Agora a ajuda realmente veio dessa escola, desse professor, vou até citar a escola

que se chama, ela existe ainda hoje, pois ela se chama (nome da escola) ela que está na Lapa,

perto da Lapa, mas ela já vem. dentro do ensino há muito tempo e foi particularmente foi

essa escola que me deu todo o incentivo, toda a possibilidade

de me formar professor.

Gratidão Comoveu-se a falar das pessoas que lhe

ajudaram.

Tom da voz emotivo. Olhos marejados.

A primeira vez que fui chamado de professor significou muito. Eu fiquei extremamente feliz. Era uma palavra que me trazia a certeza

de que eu me daria muito bem sendo professor e me preencheu. Eu acho que me deu

muita dignidade, não é, e eu fiquei muito feliz ao ouvir.

Alegria Dignidade

Discorrer sobre a carreira que se orgulha

de ter escolhido.

Tranquilidade na exposição e sorriso.

As entrevistas mostraram-se como oportunidades não somente de adentrar e conhecer as vidas dos professores que, gentilmente, compartilharam de suas alegrias, ressentimentos e angústias com a entrevistadora. Se, ao refazer seus caminhos, puderam repensar sua história, à pesquisadora facultou igual caráter formativo.

Estar atento ao contexto do entrevistado, ao clima da entrevista, aos próprios sentimentos, preconceitos e valores possibilita uma participação de ambos os interlocutores, e pode dar um movimento formativo à entrevista. […] Não se deve esquecer que o caráter formativo da entrevista estende-se também ao pesquisador (ALMEIDA e SZYMANSKI, 2008, p. 97)

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