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ENVOLVIMENTO: UM CONSTRUCTO RELEVANTE

III. ENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

1. ENVOLVIMENTO: UM CONSTRUCTO RELEVANTE

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (Casteleiro, 2001), envolvimento significa, entre outras acepções, participação activa e, por vezes, empenhada (em alguma actividade, acção ou acontecimento). Este conceito, ou mais precisamente, este constructo, aplicado às experiências diárias das crianças em idade pré-escolar, tem estado na base de uma linha de investigação na qual nos integramos e para a qual pretendemos contribuir.

Assim, e clarificando desde já a conceptualização que orienta a nossa reflexão, o envolvimento da criança pode ser definido como a quantidade de tempo que a criança despende a interagir com o ambiente, isto é, com adultos, pares ou materiais, activa ou atentamente, de uma forma adequada ao desenvolvimento da criança e ao contexto, em diferentes níveis de competência (de Kruif et al., 2001). Esta definição inclui alguma relatividade dado que implica a adequação do comportamento da criança ao seu nível de desenvolvimento, bem como à actividade em curso e às expectativas da situação e do contexto (Ridley, McWilliam, & Oates, 2000). Assim definido, o constructo envolvimento distancia-se de considerações do desempenho da criança em situações de avaliação ou de teste e da demonstração de competências fragmentadas ou parciais (McWilliam, 2005) em contextos estranhos, revelando convergência com a perspectiva ecológica do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1979b).

De acordo com esta definição, o envolvimento das crianças pode ser considerado como um indicador da perspectiva de qualidade orientada de baixo para cima (Katz, 1993, 1998), segundo a qual os efeitos significativos e duradouros de um contexto pré-escolar dependem, em primeiro lugar, da forma como são vividos pelas crianças, ou seja, dependem da qualidade de vida experienciada, por cada criança, numa base diária. A adopção desta perspectiva implica considerar a perspectiva da criança na resposta a perguntas relacionadas com a aceitação por parte dos pares e adultos, com a existência de actividades estimulantes, interessantes e significativas e com o prazer sentido. O factor tempo, claramente identificado na definição de envolvimento anteriormente referida, é contemplado, de forma explícita, nesta perspectiva de qualidade, levantando questões relacionadas com os efeitos cumulativos das experiências das crianças.

A definição de envolvimento apresentada traduz uma natureza multidimensional do constructo, uma vez que a sua operacionalização inclui uma grande variedade de comportamentos (McWilliam, Snyder, & Lawson, 1994; McWilliam & Ware, 1994). Trata-se, assim, de um constructo comportamental molar, ou seja, de uma classe abrangente de comportamentos. Este constructo afigura-se como uma variável de interesse no domínio da Psicologia do Desenvolvimento e da Educação, uma vez que se assume como condição necessária para que ocorra mudança no desenvolvimento (McWilliam, Trivette, & Dunst, 1985) e como factor mediador, potencialmente crítico, da aprendizagem das crianças (McWilliam & Bailey, 1992).

O potencial de desenvolvimento de um contexto pré-escolar depende do grau em que os educadores criam e mantêm oportunidades para o envolvimento das crianças numa variedade de actividades molares progressivamente mais complexas (Bronfenbrenner, 1979b). Nos Estados Unidos da América, as orientações da National Association for the Education of Young Children definem que os educadores de infância devem assegurar o esforço e envolvimento de cada criança em actividades intencionais, utilizando uma grande variedade de estratégias (incluindo modelagem, demonstração de competências específicas, fornecimento de informação, atenção focalizada, proximidade física, encorajamento verbal, reforço e outros procedimentos comportamentais, bem como estrutura adicional e modificação do equipamento ou dos horários) (Bredekamp & Couple, 1997). Do mesmo modo, as orientações da Division of Early Childhood,

no que diz respeito às práticas recomendadas em intervenção precoce, estabelecem que os ambientes devem ser organizados de forma a promover a segurança, envolvimento activo, aprendizagem, participação e pertença (ao grupo) de crianças com incapacidades (Wolery, 2000).

Em Portugal, o perfil geral de desempenho profissional do educador de infância (DL n.º 240/2001), ao nível da dimensão de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, determina que o educador “promove a aprendizagem sistemática dos processos de trabalho intelectual e das formas de o organizar e comunicar, bem como o envolvimento activo dos alunos nos processos de aprendizagem e na gestão do currículo” (p. 5571). O perfil específico de desempenho profissional do educador de infância (DL n.º 241/2001) estabelece como função educativa ao nível da concepção e desenvolvimento do currículo e, mais especificamente, ao nível da relação e acção educativa, a promoção “do envolvimento da criança em actividades e em projectos da iniciativa desta, do grupo, do educador ou de iniciativa conjunta…” (p. 5573).

As Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (Ministério da Educação, 1997) assumem que as actividades de expressão plástica (e, segundo nós, as restantes actividades realizadas nos contextos de educação pré-escolar) se tornam “situações educativas quando implicam um forte envolvimento da criança, que se traduz pelo prazer e desejo de explorar e de realizar um trabalho que considera acabado” (p. 61).

A School Readiness Indicators Iniciative (Rhode Island KIDS COUNT, 2005) reconheceu a importância do envolvimento da criança ao considerar este constructo como um potencial indicador no domínio da cognição e abordagem à aprendizagem. De acordo com este grupo de trabalho:

“A aprendizagem precoce é potenciada pela curiosidade, criatividade, independência, cooperação e persistência. As crianças variam muito nas suas abordagens à aprendizagem. Algumas crianças são muito abertas a novas tarefas de aprendizagem, enquanto outras podem ser mais lentas a experimentar ou aceitar novos desafios. Todas as crianças podem ter sucesso quando os seus prestadores de cuidados e educadores compreendem as várias formas através das quais diferentes crianças abordam a aprendizagem e encorajam o seu envolvimento.” (Rhode Island KIDS COUNT, 2005, p. 69).

Assim, ao nível das abordagens à aprendizagem, a percentagem de crianças capazes de se concentrarem e persistirem numa tarefa, bem como a percentagem de crianças que demonstram curiosidade e vontade de aprender, são considerados indicadores da prontidão para a escola (Rhode Island KIDS COUNT, 2005).

Também o Search Institute (2005) reconheceu a importância do envolvimento das crianças. Este instituto de investigação identificou 40 bases para a construção de um desenvolvimento saudável, designadas Bens de Desenvolvimento4, que ajudam as crianças a

crescerem saudáveis e responsáveis. O envolvimento em experiências de aprendizagem, definido como a participação integral numa variedade de actividades que oferecem oportunidades de aprendizagem, foi incluído nesta listagem de bases do desenvolvimento saudável, tendo sido designado como um bem interno, relacionado com o empenho em aprender.

McWilliam (2005) sugere a existência de três fundamentos ou bases da aprendizagem da criança: a independência, as relações sociais e o envolvimento.

2. Breve história do constructo e respectivo racional