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FACTORES QUE INFLUENCIAM O ENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NO

VII. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5. FACTORES QUE INFLUENCIAM O ENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NO

Os resultados do modelo linear hierárquico testado para o envolvimento sofisticado em contexto de jogo diádico mãe-criança revelam uma convergência parcial com os resultados obtidos para o envolvimento sofisticado em contexto de creche. Assim, a quantidade de tempo que as crianças despendem em comportamentos sofisticados de resolução de problemas, jogo simbólico, linguagem compreensível e manipulação construtiva de objectos, no decurso de situações de jogo diádico mãe-criança, encontra-se positivamente associada a duas características da criança (a idade cronológica e a dimensão de temperamento relacionada com a expressividade e adaptabilidade da criança) e a uma característica do comportamento interactivo materno (a quantidade de responsividade estimulante e afectuosa). A considerável percentagem de variância explicada pelas variáveis incluídas neste modelo linear hierárquico indica um efeito global de grande magnitude, sugerindo o considerável poder explicativo das variáveis incluídas no modelo estatístico (especialmente no que diz respeito à idade cronológica) e a relativa adequação do processo de selecção de variáveis.

Também os resultados do modelo não linear hierárquico testado para o não- envolvimento em contexto de jogo diádico mãe-criança revelam uma convergência parcial com os resultados obtidos para o não-envolvimento em contexto de creche. A probabilidade de as crianças demonstrarem episódios de não-envolvimento (i.e., percentagens de não-envolvimento iguais ou superiores a 0.68% do tempo de jogo diádico) é negativamente influenciada por duas variáveis: a idade cronológica da criança e a responsividade estimulante e afectuosa da mãe.

No que diz respeito à idade cronológica da criança, os efeitos apurados revelam uma associação positiva de grande magnitude com a quantidade de tempo despendida em envolvimento sofisticado em contexto de jogo diádico mãe-criança. A convergência dos efeitos encontrados para a idade cronológica e respectiva significância prática, nos dois contextos de observação incluídos no presente estudo, apoia uma conceptualização da idade cronológica como o principal factor preditor do envolvimento sofisticado em múltiplos contextos. Do mesmo modo, a associação negativa moderada entre a idade cronológica da criança e a probabilidade de ocorrência de episódios de não-envolvimento reforça o carácter desta classe de comportamentos como um potencial indicador das competências de desenvolvimento da criança (Ridley, McWilliam, et al., 2000) em múltiplos contextos naturais.

No que se refere à influência da dimensão de temperamento expressividade/adaptabilidade no envolvimento sofisticado da criança durante sessões de jogo diádico mãe-criança, constatou-se um efeito positivo de pequena magnitude. Também neste contexto, crianças mais sociáveis e com maior apetência pelo uso da linguagem oral passavam mais tempo envolvidas em comportamentos sofisticados de resolução de problemas, jogo simbólico e construtivo e utilização de linguagem compreensível. No contexto deste modelo estatístico, o facto de as dimensões de temperamento das crianças terem sido determinadas com base nos relatos das educadoras constitui uma mais-valia de carácter metodológico. Efectivamente, os relatos das educadoras têm mais probabilidade de serem independentes dos comportamentos interactivos maternos e do envolvimento da criança no contexto de situações de jogo diádico mãe-criança (NICHD Early Child Care Research Network, 2006b).

Relativamente aos efeitos da responsividade estimulante e afectuosa das mães no envolvimento da criança em contexto de jogo diádico, verificou-se um efeito positivo de pequena magnitude na quantidade de tempo que as crianças despendiam em comportamentos sofisticados e um efeito negativo moderado na probabilidade de ocorrência de episódios de não- envolvimento. Assim, crianças cujas mães eram mais responsivas, estimulantes e afectuosas (1) passavam mais tempo envolvidas em comportamentos que implicam resolução de problemas, jogo simbólico ou construtivo e a utilização de linguagem compreensível durante o jogo diádico mãe-criança; e (2) tinham significativamente menos probabilidade de exibir comportamentos de não-envolvimento durante o jogo diádico mãe-criança. Confirmam-se, deste modo, as hipóteses de investigação n.º 7 e n.º 8, constatando-se a permeabilidade do envolvimento sofisticado e do não-envolvimento da criança à influência das características interactivas interpessoais do contexto imediato de actividade lúdica. Os resultados de Bornstein et al. (1996) afiguram-se relevantes para a discussão deste resultado, na medida em que demonstram que a influência dos comportamentos de jogo das mães (nomeadamente a utilização de demonstrações e solicitações) no comportamento de jogo das crianças é mais forte no decurso de situações diádicas do que durante o jogo solitário da criança. Estes resultados indicam a existência de efeitos imediatos dos comportamentos interactivos maternos em situação diádica de jogo, sugerindo, contudo, um menor poder deste factor interactivo materno para influenciar, de forma diferida, o comportamento da criança num outro contexto de actividade (conforme se verificou no presente estudo, no caso do envolvimento da criança em contexto de creche).

Os efeitos da responsividade estimulante e afectuosa das mães são consistentes com os dados da literatura sobre os efeitos dos comportamentos interactivos maternos (ver pp. 61-68) e sobre o envolvimento da criança (ver pp. 98-99), acrescentando, contudo, informação única relativamente aos factores que influenciam o envolvimento da criança, codificado de acordo com a operacionalizaçao proposta por McWilliam e de Kruif (1998). Recorrendo a uma operacionalização distinta do constructo de envolvimento, também Kim e Mahoney (2004) encontraram associações positivas entre a responsividade e o afecto maternos e o envolvimento da criança em situação diádica mãe-criança. De acordo com os resultados obtidos pelos autores, cada uma destas variáveis explicava cerca de 30% da variância verificada num índice global de envolvimento da criança em situação diádica, relevando efeitos mais importantes do que o estatuto de incapacidade das crianças, cujo poder explicativo era inferior a 10%. Note-se, contudo, que estes autores não controlaram os efeitos da idade cronológica ou da idade de desenvolvimento das crianças, factores consistentemente associados ao envolvimento da criança. Outros autores têm encontrado associações positivas entre a responsividade materna e a qualidade do jogo das crianças em situação diádica (e.g., Cielinski et al., 1995), bem como associações negativas entre comportamentos intrusivos por parte da mãe e os níveis de jogo (nomeadamente de tipo simbólico) da criança (Fiese, 1990). Segundo Almqvist (2006), a qualidade da interacção pais-criança constitui um factor a considerar nos mecanismos dinâmicos de influência mútua e co-variância que determinam os resultados de envolvimento das crianças. De acordo com os resultados obtidos pela autora, um grupo de crianças com níveis de envolvimento mais elevados revelava, entre outros factores, interacções pais-criança positivas, enquanto um grupo de crianças com baixos níveis de envolvimento revelava, entre outros factores, interacções pais-criança negativas.

Estes resultados sugerem a importância do papel dos comportamentos interactivos maternos na colocação de andaimes9 para a promoção da qualidade do envolvimento da criança

durante o jogo diádico (Girolametto et al., 1994; Užgiris & Raeff, 1995). Assim, o recurso a um padrão interactivo caracterizado por responsividade estimulante e afectuosa poderá constituir um mecanismo efectivo de colocação de andaimes na medida em que (1) permite criar um contexto afectivo propício à obtenção de segurança emocional, (2) respeita e estimula o papel activo da criança na interacção social e na utilização dos recursos materiais disponíveis no ambiente e (3)

proporciona novidade e oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento com base no actual nível de competência e nos interesses da criança. Outros autores têm levantado hipóteses explicativas em relação aos mecanismos através dos quais a responsividade materna influencia positivamente o envolvimento e nível de jogo da criança. Por exemplo, segundo Kim e Mahoney (2004), os comportamentos interactivos maternos caracterizados por elevada responsividade encorajam a aprendizagem e utilização de processos activos de aprendizagem que constituem as bases para a obtenção de níveis superiores de funcionamento. Por seu turno, Landry et al. (1997) consideram que comportamentos maternos sensíveis ao foco de interesse da criança e que não controlam ou restringem os seus comportamentos parecem proporcionar o apoio de que todas as crianças necessitam para estabelecer uma base precoce optimizada para o desenvolvimento ulterior (bem como o apoio específico de que crianças de elevado risco biológico necessitam para aprender, apesar dos problemas de regulação e atenção).

Mais uma vez, terminada a discussão dos factores que influenciam o envolvimento da criança em situação diádica mãe-criança, afigura-se importante discutir a ausência de efeitos esperados, explicitados nas hipóteses de investigação previamente formuladas. Assim, as hipóteses de investigação n.º 11 e n.º 12, que previam efeitos da qualidade do contexto de creche no envolvimento sofisticado e no não-envolvimento da criança no decurso de situações de jogo diádico mãe-criança, não foram confirmadas. Efectivamente, de acordo com os resultados obtidos, a qualidade global da sala de creche frequentada pela criança não influencia o envolvimento da criança em contexto de jogo diádico mãe-criança. Uma vez que a formulação destas hipóteses se fundamentava em resultados da investigação que revelam efeitos positivos da elevada qualidade dos contextos pré-escolares na adaptação e competência das crianças (NICHD Early Child Care Research Network, 1999a), uma hipótese explicativa desta ausência de efeitos reside, uma vez mais, na baixa qualidade média das salas de creche frequentadas pelas crianças e na sua provável incapacidade para influenciar o envolvimento da criança num contexto distal (uma proposição reforçada pela ausência de efeitos no envolvimento sofisticado em contexto de creche).

Os objectivos definidos para este estudo incluíam ainda a análise de efeitos de interacção entre os comportamentos interactivos maternos e a qualidade do contexto de creche no envolvimento da criança em contexto de situações de jogo diádico mãe-criança. Deste modo,

as hipóteses de investigação n.º 13 e n.º 14 explicitavam um efeito moderador que pressupunha efeitos cumulativos de condições positivas ao nível dos comportamentos interactivos maternos e da qualidade global da sala de creche frequentada pela criança. Como sucedeu para o envolvimento em contexto de creche, estas hipóteses de investigação não foram confirmadas, não tendo sido encontrado qualquer efeito moderador da qualidade do ambiente de creche. A hipótese explicativa mais provável remete-nos, naturalmente, para a baixa qualidade média das salas observadas no presente estudo. Como anteriormente, o procedimento analítico de tipo correlacional sugere a inexistência de efeitos moderadores lineares da qualidade em contexto de creche, mas não exclui a existência de efeitos moderadores não lineares (Baron & Kenny, 1986).