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T EORIAS DE MODIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EM RAZÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA

5 ONEROSIDADE EXCESSIVA

5.2 T EORIAS DE MODIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EM RAZÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA

Anteriormente, foi estudada a linha evolutiva do desenvolvimento da possibilidade de revisão ou resolução do contrato em razão da ocorrência de circunstâncias imprevisíveis que tornassem o cumprimento da prestação excessivamente oneroso para o devedor, com extrema vantagem para o credor. Como visto, o acolhimento do revisionismo contratual não se deu de modo uniforme nos ordenamentos jurídicos mundiais. Naturalmente, diversas teorias foram desenvolvidas para tentar explicar o desequilíbrio das prestações contratuais em razão de fatos supervenientes à conclusão do contrato.

A teoria da pressuposição235, desenvolvida por Bernardo Windscheid, baseia-se na ideia de que aquele que manifesta sua vontade considerando determinada pressuposição deseja daquele que emite uma declaração de vontade condicionada que o efeito jurídico somente venha a existir se certo estado de relações se concretizar. Entretanto, de acordo com tal teoria, a existência do negócio jurídico não depende daquela concretização do estado de relações. Assim, o efeito desejado subsistirá e perdurará mesmo sem a existência do pressuposto e tal efeito não corresponderá ao verdadeiro desejo do autor da declaração

234 “Artigo 31. Se, em virtude da modificação das condições economicas do lugar, o valor locativo fixado

pelo contracto amigavel, ou, em consequencia das obrigações estatuidas pela presente lei, soffrer variações, além de 20% das estimativas feitas, poderão os contractantes (locador ou locatario), findo o prazo de tres annos da data do inicio da prorogação do contracto, promover a revisão do preço estipulado. § 1º O processo para essa revisão será o mesmo fixado por esta lei, para a prorogação do contracto. § 2º Este direito de revisão poderá ser exercido de tres em tres annos.”

da vontade. De tal forma, o emitente da promessa prejudicado em razão da não consonância entre o que foi percebido na época da declaração da vontade e a realidade posterior que se concretizou poderia pleitear defesa por meio de exceção ou de ação direta a fim de cessar o efeito jurídico superveniente. Nas resumidas palavras de San Tiago Dantas236 sobre a teoria da pressuposição, de Windscheid, a manutenção das condições gerais no decorrer do contrato, semelhantes àquelas condições que prevaleciam no momento da sua conclusão, constitui um pressuposto objetivo da vontade declarada pelas partes constratantes, tenham estas tido ou não consciência de sua permanência no contratado.

Não obstante a importância e a influência nas construções jurídicas atuais, dentre as críticas recebidas por tal teoria cita-se aqui Darcy Bessone237, que entende que a teoria da pressuposição, de Winsdscheid, não era capaz de oferecer critério seguro e tampouco oferecia a existência de uma cláusula implícita aos contratos. A crítica posta por Luiz Gastão Paes de Barros Leães238 é a fragilidade de tal teoria no que se refere ao grau de subjetividade dessa suposição, capaz de retitar do contrato a segurança e a certeza de constituir um meio firme pelo qual as partes desejam alcançar seus negócios.

Outra teoria de grande relevância e influência para o sistema atual da onerosidade excessiva é a teoria da vontade marginal239, pensada por Giuseppe Osti também no início do século XX. Considerada muito próxima da teoria da pressuposição, a ideia central era a coexistência entre a vontade de contratar e a vontade marginal. Enquanto a primeira é aquela pela qual o contratante se obriga ao cumprimento da prestação pactuada, a segunda (implícita na primeira) é a ideia de que a prestação pactuada seja cumprida naquelas circunstâncias previstas quando da conclusão do contrato. Caso houvesse modificação das circunstâncias, de modo que o cumprimento da obrigação fosse ocorrer de modo diverso daquele implícito na vontade marginal, seria possível extinguir a obrigação de cumprir o pactuado. Darcy Bessone240 explica a distinção entre a vontade contratual e a vontade

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DANTAS, F. C. San Tiago. Evolução contemporânea do direito contratual. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 139, ano 49, fascículos 583 e 584, p. 5-13, jan./fev. 1952. p. 10.

237 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 213-214.

238 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. A onerosidade excessiva no Código Civil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 31, p. 12-24, jan./mar. 2006. p. 15.

239 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. A onerosidade excessiva no Código Civil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 31, p. 12-24, jan./mar. 2006. p. 15.

marginal da teoria ora estudada. A vontade de realizar a prestação é determinada somente no momento da formação do contrato, mas a efetivação por meio da prestação prometida depende de uma atividade voluntária ulterior.

Luiz Gastão Paes de Barros Leães241 direciona sua crítica a essa teoria no sentido de sua ampla subjetividade, o que empurra os negócios jurídicos em direção à insegurança jurídica. Darcy Bessone242 assevera que “a tutela jurídica da vontade contratual tem por fundamento uma avaliação do seu conteúdo, do ponto de vista da utilidade social”. A utilidade social da obrigação, de acordo com sua doutrina, é dada pelo fato de o ordenamento jurídico reconhecer e consagrar a vontade que objetiva a constituição de uma obrigação como meio para se atingir um resultado concreto. Ao admitir a falha desse meio, isto é, se o cumprimento da obrigação não leva ao resultado esperado ou se leva a resultado diferente daquele que deveria ser atingido, a própria razão de tutela jurídica permite a eliminação da obrigação, já que “a prestação deixa de corresponder à entidade econômica representada e, portanto, à vontade marginal”243.

Já a teoria da base do negócio jurídico244, formulada por Paulo Oertmann quase uma década após a teoria de Osti, estipulava que, caso a base formada pelas circunstâncias do momento em que se formou a vontade contratual fosse alterada, estaria legitimada a revisão do pactuado. Essa teoria parte do fato de que a sustentação do negócio jurídico ficaria violada caso as representações, as suposições e as expectativas das partes no momento do ajuste do negócio não se confirmassem no momento da execução da prestação devida245. A base do negócio jurídico seria a soma de todos os componentes e de todas as circunstâncias que influenciaram de forma relevante a parte a contratar. De acordo com Milton Nassau Ribeiro, essa foi a teoria alemã que mais influenciou o direito brasileiro246.

241 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. A onerosidade excessiva no Código Civil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 31, p. 12-24, jan./mar. 2006. p. 15-16.

242 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 216. 243 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 216.

244 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. A onerosidade excessiva no Código Civil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 31, p. 12-24, jan./mar. 2006. p. 15-16.

245 RIBEIRO, Milton Nassau. O desequilíbrio econômico financeiro nos contratos após o Código Civil de

2002. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 49, n. 155/156, p. 49-65, ago./dez. 2010. p. 54.

246

O autor cita como exemplo da influência o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), artigo 6º: “São direitos básicos do consumidor: […] V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.”

Como resposta às falhas das teorias anteriores, Karl Larenz propôs a teoria da base objetiva do negócio247. De acordo com ela, se faz imperativo verificar a base objetiva do negócio, sendo que a manutenção das condições gerais no curso do contrato, semelhantes àquelas verificadas no momento da conclusão, seria o pressuposto objetivo do contrato, convivendo com o pressuposto subjetivo. A base objetiva do negócio pactuado desapareceria em caso de destruição da relação de equivalência ou de frustração da finalidade do contrato. Para Larenz não era relevante o fato de as partes terem ou não consciência de que o pressuposto objetivo da vontade declarada poderia sofrer alterações, pois se, de fato, tais alterações ocorressem em razão de acontecimentos supervenientes que tivessem o condão de impor ao devedor um esforço muito mais relevante do que aquele previsto pelo pactuado, estaria legitimada a resolução ou a revisão do contrato. Na visão de Clóvis do Couto e Silva248, o conceito objetivo da base do negócio jurídico está diretamente ligado com a finalidade real do contrato, de modo que tal conceito busca dimensionar se a intenção geral dos contratantes pode ainda se efetivar levando em consideração as alterações econômicas supervenientes.

Em 1918, na França, em razão da conflagração que assolou o país, editou-se a normativa que ficou conhecida como Lei Faillot. De acordo com tal legislação, ficou autorizada a resolução dos contratos que tivessem sua conclusão em data anterior a 1 de agosto de 1914 e cujo cumprimento dependesse do futuro caso, em razão do estado de guerra, a execução das prestações pactuadas de qualquer das partes do contrato fosse de ordem excessivamente onerosa que não pudesse ser razoavelmente prevista na época da convenção249. De acordo com Milton Nassau Ribeiro250, a referida lei não contemplava a revisão e a adaptação ao novo estado daquilo que fora contratado, mas somente a resolução do contrato com ou sem indenização. De tal forma, na França foi que se elaborou, de acordo com a jurisprudência administrativa e a legislação mencionada, a chamada “teoria da imprevisão”.

247 LARENZ, Karl. Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos. Revista de Derecho Privado,

1956, apud LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. A onerosidade excessiva no Código Civil. Revista de

Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 31, p. 12-24, jan./mar. 2006. p. 15-16.

248 COUTO E SILVA, Clóvis do. A teoria da base do negócio jurídico no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 655, p. 7-11, 1990.

249

BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 218-219.

250 RIBEIRO, Milton Nassau. O desequilíbrio econômico financeiro nos contratos após o Código Civil de

2002. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 49, n. 155/156, p. 49-65, ago./dez. 2010. p. 53.

Uma outra vertente referente às teorias de modificação contratual em razão de fatos supervenientes que tornem a prestação pactuada excessivamente onerosa para uma das partes foi pensada por George Ripert, autor da tese sobre as regras morais nas obrigações civis. Pela teoria da regra moral entende-se que a autorização para revisão contratual é originada no momento em que, verificada a onerosidade excessiva da prestação em decorrência de fatos supervenientes imprevisíveis, o credor insiste em, injustamente, exigir do devedor a prestação outrora pactuada251. Não se pode admitir a rescisão do contrato sempre que verificadas situações imprevistas, pois isso tiraria do contrato a sua principal utilidade, qual seja, garantir o credor contra o imprevisto252. Na análise de Arnoldo Medeiros da Fonseca253 sobre a opinião de George Ripert, a ideia da teoria deste último é de que o credor estaria cometendo suprema injustiça ao fazer uso do seu direito de exigir o cumprimento da obrigação pactuada com extremo rigor, já que o devedor teria sido injustamente lesado pela sorte.

Após realizar análise profunda de diversas teorias estrangeiras de modificação contratual em virtude de acontecimentos imprevisíveis e de onerosidade excessiva, Arnoldo Medeiros da Fonseca254 pontua a sua teoria da equidade e da justiça. A fundamentação é baseada não na regra moral sugerida por George Ripert, mas sim na própria noção de direito, nos princípios de equidade e de justiça. De acordo com tal teoria, a modificação contratual pelo juiz nos casos de imprevisão é de caráter excepcional e somente poderia operar em benefício do devedor nas situações em que os seguintes

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RIPERT, George. La règle morale dans les obligations civiles. 4. ed. Paris: Librairie Génerale de Droit et Jurisprudence, 1949. p. 130-131. Nas palavras originais do autor: “Le contrat qui est une loi est, en un sens, supérieur à la loi puisque la loi elle-même ne saurait l’atteindre. La loi nouvelle qui modifierait les conditions de validité du contrar n’atteindrait pas la convention déjà conclue; celle qui modifierait les effets du contrat, à moins d’une volonté expresse du législateur, lais-serait subsister les effet des volontés déjà inchangées. Pourtant, contre cette exécution intégrale et rigide du contrat, le réclamation du débiteur monte vers le juge. Toutes le prévisions ont été déjouées; ce contrat, qui devait être normalment exécuté dans des conditions que l’on avait pu établir, va, par suite de circonstances imprévues, être pour le débiyeur une cause de ruine, cependant que le droir du créancier se trouve, par le jeu des événement, décuplé d’importance et de valeur. L’exercise du droit du créancier ne va-t-il pas être la consécration d’une suprême injustice? Lé débiteur ne nie pas son obligation, il ne prétend pas s’en décharger lui-même mais il demande à l’autorité qui assure la justice s’intervènir entre son créancier et lui. Au fond, c’est encore respecter le contract que de le reviser: demander une libération ou une modération de charges, c’est reconnaître que l’on ne peut être délié que par un acte de l’autorité publique”.

252 RIPERT, George. La règle morale dans les obligations civiles. 4. ed. Paris: Librairie Génerale de Droit et

Jurisprudence, 1949. p. 155.

253

FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943. p. 223-224.

254 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2. ed. rev. e ampl. Rio de

elementos concorressem na situação: (a) radical modificação, decorrente de acontecimentos imprevistos e imprevisíveis, das circunstâncias objetivas existentes quando da celebração do contrato; (b) verificação de onerosidade excessiva para devedor não compensada por outras vantagens auferidas anteriormente, ou ainda esperáveis, diante dos termos do ajuste; e (c) enriquecimento inesperado e injusto para o credor, como consequência direta da superveniência imprevista.

Não se pode esquecer que essas teorias brevemente explicadas são apenas algumas daquelas elaboradas sobre o tema da modificação contratual em razão de fatos supervenientes à celebração do contrato. Somente como objeto de citação, já que no presente trabalho não se pretende um debate de direito civil255 limitado a tal tema, podem ser mencionadas a teoria do erro, de Achille Giovène, a teoria da situação extracontratual, de A. Bruzin, a teoria do dever de esforço, de R. Hartmann, a teoria do estado de necessidade, de Lehmann e Covielo, a teoria do equilíbrio das prestações, de Giogi e Lenel, a teoria da boa-fé, de Wendt e Klenke, a teoria da socialização do direito, de Ramon Badenes Gasset, dentre outras menos citadas pela literatura jurídica.

Ainda, para fins de informação, é importante lembrar que no sistema jurídico da common law não há a figura da onerosidade excessiva. O que se põe como relevante é a forma de alocação dos riscos contratuais quista pelas partes. Isso porque, em tal sistema jurídico, não há a ideia de revisão contratual em caso de desequilíbrio das prestações por excessiva onerosidade advinda de evento superveniente. Por outro lado, a ideia, até hoje questionada256, que permeia o sistema em referência é de que as partes podem ter a opção de cumprir ou não o contrato, tendo como consequência a indenização correspondente pelo não cumprimento. Não obstante, a doutrina da frustration e da impossibility são aceitas como atenuantes do cumprimento do pactuado. A primeira refere-se à frustração do objeto

255 Para um debate mais aprofundado sobre o assunto, consultar: FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943.

256 SHAVELL, Steven. Is breach of contract immoral? Harvard Law and Economics Discussion Paper No. 531, Nov. 2005. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=868592>. Acesso

em: 6 set. 2013. E, também: PERILLO, Joseph M. Misreading Oliver Wendell Holmes on efficient breach and tortious interference. Fordham Law Review, v. 68, 2000. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=241263>. Acesso em: 6 set. 2013.

do contrato sem que isso o impeça de ser cumprido257. A segunda refere-se claramente à impossibilidade de cumprimento do contrato em razão de perecimento do objeto258.

5.3 REVISÃO E RESOLUÇÃO DOS CONTRATOS POR ONEROSIDADE EXCESSIVA NO