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Epígrafes arquitetônicas podem ser encontradas em diversas cidades européias. Ao longo desta pesquisa, foi possível registrar a presença destas inscrições na Bélgica, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Irlanda e Portugal. Entre elas, apenas aquelas registradas em Londres (Reino Unido, figura 22) localizam-se, como a maioria das brasileiras, abaixo da linha de visão do pedestre.

Figura 22. Epígrafes arquitetônicas encontradas no bairro de Mayfair, em Londres (Reino Unido, fotos de Priscila

Farias).

Uma das epígrafes registradas em Paris apresenta a sigla DPLG (figura 23), também encontrada em epígrafes paulistanas. Na única inscrição deste tipo encontrada em Dublin (Irlanda), no Garden of Remembrance, o arquiteto responsável incluiu as siglas RIBA (Royal Institute of British Architects), FRIAI (Fellow of the Royal Institute of Architects of Ireland) e MTPI (Member of the Royal Town Planning Institute, instituição presente no Reino Unido e Irlanda), após o seu nome.

Figura 23. Epígrafe arquitetônica encontrada em Paris (França, foto de Filipe Negrão).

Na cidade de Gante (Bélgica), onde uma busca mais sistemática do que aquela feita em outras cidades européias foi realizada, elas se mostraram especialmente numerosas no bairro conhecido como Miljoenenkwartier (‘Bairro dos Milhões’), próximo à estação de trem Sint-Pieters (figura 25). As epígrafes arquitetônicas de Gante são encontradas com mais frequência em imóveis residenciais —prédios com dois ou três andares, mas também em casas. Tem dimensão média aproximada de 20 cm x 50 cm e geralmente são posicionadas na lateral esquerda ou direita da fachada, logo acima da linha da porta, embora haja casos onde são posicionadas próximas à calçada. As letras aparecem quase sempre em alto-relevo, moldadas em argamassa.

Figura 25. Epígrafes arquitetônicas encontradas em edifícios no Miljoenenkwartier em Gante (Bélgica, fotos de

Priscila Farias).

Figura 26. Epígrafe arquitetônica que indica o ano de construção e o nome da cidade onde o edifício está localizado,

encontrada em Gante (Bélgica).

As inscrições belgas costumam trazer o nome do responsável pelo projeto do imóvel, acompanhado pelas expressões “arch.”, “archit.”, “architect”, “architecte” ou “bouwemeester” (literalmente, “mestre de obras”). Um dos imóveis, que apresenta duas inscrições, traz, além do nome do arquiteto, o de um “entrepeneur”, e outro inclui “entr.”. Curiosamente, algumas epígrafes arquitetônicas belgas apresentam o nome da cidade na qual estão localizadas (figura 25, centro, e figura 26).

Conclusão

O estudo sobre epígrafes arquitetônicas revelou que elas não são exclusividade da cidade de São Paulo, ou mesmo de seu centro histórico, como se supunha no início da pesquisa realizada na capital paulistana. Considerando a datação das inscrições européias, seu conteúdo e características formais, é muito provável que tenham sido trazidas de lá para a América Latina, a partir de intercâmbios profissionais e acadêmicos. No caso brasileiro, embora as epígrafes arquitetônicas encontradas em Gante sejam posteriores à estadia de Ramos de Azevedo nesta cidade, é possível que ele, assim como outros estudantes de arquitetura latino americanos do século XIX, tenha tomado conhecimento desta prática em outras capitais européias por onde passou, como Paris.

O estudo revelou também alguns direcionamentos importantes para futuras pesquisas, que dizem respeito a centros urbanos que devem ser investigados com maior atenção, e ao refinamento de métodos de registro e tratamento de dados. Levando em consideração as conexões coloniais entre Espanha e Portugal e os países latino-americanos, cidades como Coimbra, Lisboa, Barcelona e Madrid mereceriam levantamentos mais aprofundados. A presença de arquitetos franceses e ingleses em São Paulo sugere a pertinência de pesquisas de campo mais sistematizadas em cidades como Londres e Paris. Além de seu protagonismo cultural no final do século XIX e início do século XX, Paris é de especial interesse também pela grande densidade de epígrafes arquitetônicas encontradas em levantamentos preliminares. Completariam este quadro dados obtidos em outros centros

de formação de arquitetos, além de Gante, procurados por estudantes latino-americanos antes da instituição do ensino superior em arquitetura na região, tais como Milão.

Em relação aos mapas com a localização das epígrafes arquitetônicas, um desenvolvimento interessante seria a introdução de cores diferentes para indicar as diferentes décadas nas quais as inscrições aparecem, ou diferentes arquitetos e construtores. Estudos nesta direção foram realizados para o caso de São Paulo (Farias et al. 2008), e podem ser atualizados com novos dados obtidos desde então, e ampliados para as demais localidades.

Estudos sobre o posicionamento das epígrafes em relação à fachada, e sobre sua relação com a linguagem arquitetônica dos edifícios, também iniciados para o caso paulistano, devem igualmente ser ampliados e aprofundados. A relação entre os períodos de aparecimento e maior freqüência das epígrafes e a configuração do campo profissional da arquitetura também devem ser tópico de futuros estudos.

Embora a presença do nome de construtores em edifícios seja uma prática antiga, a origem e a genealogia da epigrafia arquitetônica moderna, conforme registrada neste artigo, ainda precisa ser melhor esclarecida. As similaridades formais encontradas em inscrições presentes em diferentes cidades relatadas neste estudo são um ponto de partida para tal esclarecimento.

Independentemente das motivações e influências que expliquem a existência destas inscrições, os edifícios que as contém revelam ao público parte da história de cada cidade e de cada país. As epígrafes arquitetônicas presentes na paisagem urbana de uma cidade constituem em um conjunto textual peculiar e caracteristicamente distinto, de incontestável riqueza gráfica e estética, patrimônio cultural e artístico. Esperamos que este estudo contribua para o seu reconhecimento e preservação.

Referências

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MIGNOT, Claude 2009. Grammaire des immeubles parisiens. Paris: Parigramme. WOODHEAD, A. Geoffrey 1992. The study of

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3.4. Epígrafes arquitetônicas paulistanas e londrinas: uma

comparação sob a perspectiva do design da informação

A versão original deste artigo foi originalmente apresentada no congresso CIDI 2015, em Brasilia, e publicada no periódico InfoDesign (Farias 2015).

Resumo

Este artigo apresenta um estudo comparado acerca de inscrições contendo os nomes de arquitetos e construtores encontradas em fachadas de edifícios nas cidades de São Paulo e Londres. Para o estudo, 123 epígrafes arquitetônicas encontradas no centro histórico da cidade de São Paulo foram comparadas com 71 inscrições do mesmo tipo encontradas nas regiões de Westminster e Camden, na área central de Londres. O foco das análises é o aspecto informacional das inscrições, incluindo sua localização, tamanho, configuração tipográfica e conteúdo.

Introdução

Epígrafes arquitetônicas podem ser descritas como inscrições contendo nomes de arquitetos, engenheiros ou construtores, geralmente gravadas em rocha ou metal, encontradas em fachadas de edifícios, e são um aspecto da paisagem tipográfica da cidade (Gouveia, Farias & Gatto 2009a). No contexto das noções de patrimônio histórico, as epígrafes arquitetônicas possuem efetivo valor documental, relacionado ao processo material da configuração do espaço urbano, consistindo em evidências da presença dos agentes envolvidos na construção dos edifícios em determinados pontos da cidade, e de intercâmbios acadêmicos e profissionais entre estes agentes (Gouveia, Farias, Pereira & Gallo 2009; Farias, Gouveia & Dixon 2012a). Seu estudo pode revelar informações importantes a respeito da constituição do espaço público e das relações de prestígio e poder envolvidas neste processo. A observação de seus aspectos formais e informacionais, por outro lado, pode elucidar a formação de repertórios e gostos tipográficos que ajudam a compor um sentido de lugar e a conferir certa identidade a núcleos urbanos (Farias, Gouveia & Dixon 2012a e 2012b).

As epígrafes arquitetônicas paulistanas vêm sendo investigadas desde 2003 pelos grupos de pesquisa Tipografia Arquitetônica Paulistana (UNICAMP), Tipografia e Linguagem Gráfica (SENAC-SP), e História, Teoria e Linguagens do Design (USP). Entre os resultados destas investigações, encontram-se o desenvolvimento de métodos de coleta, tratamento e análise de dados (Farias, Gouveia, Pereira, Gallo e Gatto 2008; Gouveia, Farias e Gatto 2009b e 2010; Higa e Farias 2010), a criação de um acervo físico e de um banco de dados disponível para consulta online (Gouveia, Farias & Gatto 2013), além de estudos de caso sobre arquitetos e construtores específicos (Farias e Gouveia 2013).

A pesquisa sobre as epígrafes arquitetônicas paulistanas gerou uma grande quantidade de dados. A partir de 2008, estes dados começaram a ser comparados com aqueles obtidos em outros levantamentos, mais circunscritos, realizados em outras 16 cidades, no Brasil e em outros 11 países (Farias, Gouveia & Dixon 2012b). O principal direcionamento resultante das primeiras análises comparativas foi a necessidade de levantamentos mais sistemáticos e completos em cidades-chave, como Paris e Londres, que poderiam ter protagonizado a tendência para inclusão de epígrafes em edifícios projetados por arquitetos no século XIX, e servido de referência para a epigrafia arquitetônica paulistana.

Em levantamentos realizados de forma exploratória em Londres, em 2007 e 2012, foram localizadas epígrafes arquitetônicas que apresentavam algumas características em comum com as paulistanas, em especial no que se refere ao seu posicionamento (abaixo do ângulo de visão do pedestre), material (gravadas em rochas ornamentais), e tipo de gravação (baixo relevo). Embora nenhuma das primeiras epígrafes londrinas identificadas contivesse menção ao RIBA (Royal Institute of British Architects), a presença da sigla em inscrições nas cidades de São Paulo e Dublin permitiu prever que uma busca mais sistemática revelaria a sua presença na capital britânica, contribuindo para a verificação da hipótese de que uma maior incidência de epígrafes arquitetônicas em determinado período estaria associada a momentos importantes para a configuração do campo profissional da arquitetura, como se observou em São Paulo (Gouveia, Farias, Pereira & Gallo 2009; Farias, Gouveia & Dixon 2012b). Previu-se, também, que a verificação de similaridades formais entre as inscrições paulistanas e londrinas, poderia ajudar a esclarecer a origem e a genealogia da epigrafia arquitetônica moderna, outra linha de investigação apontada pelo estudo comparativo anterior (Farias, Gouveia & Dixon 2012b). Uma investigação sistemática, realizada em Londres, em 2014, possibilitou a coleta e tratamento de dados referentes a epígrafes arquitetônicas encontradas na zona central da capital britânica.

A análise comparada dos dados coletados em São Paulo e Londres revelou que as epígrafes arquitetônicas paulistanas e londrinas têm vários pontos em comum, principalmente no que se refere aos seus aspectos informacionais, como este artigo pretende demonstrar.