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Epidemiologia: Prevalência e Fatores de risco

Revisão Bibliográfica

1.3. Epidemiologia: Prevalência e Fatores de risco

1.3.1. Prevalência

Até há data não foi realizado um estudo epidemiológico específico relativo a obstruções ureterais em animais de companhia, que permita conhecer a prevalência e os fatores de risco associados a esta patologia. A insuficiência de dados existentes na bibliografia faz com que seja difícil avaliar a importância clínica de cada uma das possíveis causas de obstrução ureteral, que já foram referidas anteriormente. No entanto, segundo Kyles, et.al. (2005a) o aumento aparente de ureterólitos em gatos nas últimas décadas pode estar associado ao aumento dos urólitos de CaOx, existindo na literatura múltiplos estudos epidemiológicos para comprovar esta tendência. O centro de urólitos da universidade do Minnesota (MUC) publicou um estudo em que analisou quantitativamente 451 861 urólitos em cães e gatos desde 1981 até 2007, a partir de dados provenientes de múltiplos países incluindo Portugal (Lulich e Osborne, 2007). Durante este período de tempo, vários autores constataram alterações dramáticas na composição dos urólitos (Lekcharoensuk, et.al., 2005; Cannon, et.al., 2007). Em 1981 o CaOx representava apenas 5% dos cães e 2% dos gatos com urólitos, enquanto o fosfato de amónio magnesiano (MAP) representava 78%. Nessa época a formulação de dietas que visavam especificamente os cristais de estruvite levaram à sua diminuição e, inesperadamente, ao aumento do CaOx. Outro estudo de Low, et al. (2010) também verificou esta tendência para o aumento dos urólitos de

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CaOx em detrimento dos de MAP ao longo desse período de tempo. No entanto, ocorreu nos últimos anos uma estabilização na distribuição da composição dos urólitos, sendo a diferença de prevalência entre eles (43% de CaOx e 45% de MAP) pouco significativa, tal como verificaram Osborne e Lulich (2012). Este fato pode ser explicado pela reformulação das dietas no sentido de diminuir os fatores de risco que implicam a formação de cristais de CaOx (Cannon, et.al., 2007).

Relativamente aos urólitos presentes no TUS, ou seja os nefrólitos e ureterólitos, verificou-se na última década um aumento do número de urólitos de CaOx. Em contrapartida, foram descritos apenas 7 casos de urólitos de MAP nos 5 230 casos descritos por Cannon, et.al. (2007), o que permite deduzir que a prevalência de MAP no TUS seja muito baixa. Kyles, et

al. (2005a) e Lekcharoensuk, et.al. (2005) chegaram a conclusões semelhantes, sendo os

segundos cálculos mais prevalentes no TUS os de fosfato de cálcio. Registou-se um aumento de 10 vezes na prevalência de urólitos no TUS nos últimos 20 anos em 9 hospitais dos EUA, e de 50 vezes desde 1981 segundo Lekcharoensuk et.al. (2005). Este aumento pode ser explicado pela alteração nas dietas e consequente aumento dos urólitos de CaOx, pelo avanço tecnológico nos métodos de diagnóstico, pelo aumento da sensibilidade dos veterinários para esta problemática e pelo aumento do número de cirurgias executadas a nível do TUS (Kyles, et.al., 2005a). O MUC publicou as percentagens correspondentes aos diferentes tipos de nefroureterólitos que recebeu de 1981 a 2007 em cães (Figura 2) e gatos (Figura 3) e que evidenciam uma prevalência de 43% e 70,4% de urólitos de CaOx, respetivamente. Neste estudo, contrariamente aos referidos anteriormente, a estruvite representa o segundo tipo de urólito mais frequente.

Figura 2. Prevalência dos diferentes tipos de minerais de 5 591 nefroureterólitos de cães submetidos ao MUC entre 1981 e 2007 (Adaptado de Osborne, et.al., 2009).

CaOx 43% MAP 26% CaP 1,5% Purina 13% Cistina 1,5% Compostos 12% Mistos 3%

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Figura 3. Prevalência dos diferentes tipos de minerais de 2 445 nefroureterólitos de gatos submetidos ao MUC entre 1981 e 2007 (Adaptado de Osborne, et.al., 2009).

1.3.2. Fatores de risco

Em epidemiologia, os fatores de risco são as variáveis que aumentam a probabilidade de uma determinada doença ocorrer. Tal como foi referido anteriormente, ainda não foi realizado nenhum estudo específico sobre os fatores de risco associados a obstruções ureterais, pelo que serão descritos apenas aqueles ligados a um aumento da probabilidade de formação de urólitos de CaOx. Sendo estes nomeadamente a raça, o género, a idade, o ambiente e fatores nutricionais (Lulich, et.al., 1999a; Lekcharoensuk, et.al., 2000; Cannon, et.al., 2007; Vrabelova, et.al., 2011). Contudo, na bibliografia não há dados específicos relativos ao efeito destas variáveis na formação de ureterólitos de CaOx em cães e gatos.

1.3.2.1. Raça

Em Medicina Humana já foi demonstrada a existência de uma base genética para a formação de cristais de CaOx através de oxalúria primária e acidose tubular renal hereditária (Resnick, Pridgen e Goodman, 1968), e uma experiência de reprodução de ratos hipercalciúricos também pôs em evidência o mesmo (Bushinsky, et.al., 1988). No entanto, não existe um consenso quanto ao fato de anomalias hereditárias do metabolismo mineral e da cristalúria estarem na base do aumento do CaOx observado em animais de companhia (Lulich,

et.al., 1999a). CaOx 70,40% MAP 8% CaP 4% Purina 2% Matriz 8% Compostos 5% Mistos 2,60%

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O MUC analisou 24 263 urólitos de CaOx em cães entre 1981 e 1997, dos quais aproximadamente 58% foram obtidos a partir de 6 raças: Schnauzers miniatura (24,1%), Lhasa Apsos (8,9%), Yorkshire Terriers (8,3%), Bichon Frisé (6,3%), Shih Tzus (5,7%), e Poodles miniatura (5,2%) (Lulich, et.al., 1999a). A partir daqui é possível inferir que há uma maior incidência destes urólitos em raças de pequeno porte (Vrabelova, et.al., 2011). Esta aparente predisposição pode ser explicada pelo menor volume de urina e menor número de micções. Isto implica uma maior concentração de minerais na urina destes animais, relativamente aos de maior porte. O estudo de Stevenson e Markwell (2001) testa esta hipótese ao comparar a urina de Schnauzers miniaturas à de Labradores Retrievers e concluiu que para além das diferenças referidas anteriormente, os Schnauzers possuíam uma concentração de cálcio na urina superior. Não há um consenso na bibliografia quanto às raças predispostas em gatos, no entanto a maioria dos estudos identifica as raças Himalaia e Persa como as mais afetadas (Lekcharoensuk, et.al., 2001; Cannon, et.al., 2007).

1.3.2.2. Idade

A frequência de urólitos de CaOx é maior em gatos e cães de meia-idade a velhos (Thumchai, et.al., 1996), enquanto os urólitos de MAP são encontrados sobretudo em animais jovens. Lekcharoensuk, et.al. (2000) estabeleceram a idade média de ocorrência de urolitíase por cálculos de CaOx nos 7,3 anos em gatos e 8,5 anos em cães.

1.3.2.3. Género

A maioria dos estudos apontam para uma maior prevalência destes urólitos em machos (Cannon, et.al., 2007; Vrabelova, et.al., 2011), sobretudo em machos castrados (Lulich, et.al., 1999a; Lekcharoensuk, et.al., 2000). Em Medicina Humana também se verifica esta tendência, havendo na bibliografia estudos que a explicam através de fatores estrogénio-dependentes, como o aumento da concentração de citrato e a diminuição das concentrações de cálcio e oxalato na urina (Fan, Chandhoke e Grampsas, 1999). O rácio macho:fêmea é de 2,7:1,0 em cães e 1,4:1,0 em gatos (Kirk e Bartges, 2006).

1.3.2.4. Doença

As doenças que promovam a excreção urinária de cálcio e oxalato aumentam o risco de formação de CaOx (Lulich, et.al., 1999a). Um estudo de Hess, Kass e Ward (1998) constatou

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que, dos cães com urolitíase, os com hiperadrenocorticismo tinham uma suscetibilidade 10 vezes maior de possuir cálculos de CaOx. Ainda não é compreendido o mecanismo subjacente a este fato, hipotetisando-se uma relação com a diminuição da reabsorção tubular renal de cálcio mediada por glucocorticóides.

1.3.2.5. Fator ambiental

Na bibliografia, o tipo de ambiente não é apontado como sendo um fator de risco para a formação de urólitos de CaOx. Apenas o estudo de Kirk, et.al. (1995) verificou um aumento da prevalência em gatos mantidos apenas indoor.

1.3.2.6. Fator nutricional

Em Medicina Humana foi estabelecida uma correlação entre a obesidade e o desenvolvimento de cálculos de CaOx, o que ainda não foi provado em Medicina Veterinária (Low, et.al., 2010), apesar de alguns estudos começarem a chegar a essa mesma conclusão, como o de Lekcharoensuk, et.al. (2001), que determinou que gatos obesos têm três vezes maior probabilidade de desenvolver urólitos de CaOx.

Os animais que fazem apenas duas ou mais refeições por dia possuem um pH urinário mais alcalino, ingerem uma quantidade controlada de comida (minimizando a obesidade) e possuem um menor risco de formação de urólitos de CaOx, quando comparados aos animais alimentados ad libitum. Porém, outros estudos revelaram resultados conflituosos quanto à importância dos valores de pH urinário diários na prevenção da formação dos urólitos de CaOx (Kirk e Bartges, 2006). De fato, o controlo do pH urinário não é tão importante neste tipo de urólito, contrariamente aos de estruvite. A maioria das formulações dietéticas da Royal Canin® e da Hill´s®, que serão amplamente descritas posteriormente, produzem uma urina com pH ácido que é essencial na prevenção e diluição dos urólitos de estruvite (Nolan e Labato, 2014). Lulich, et.al. (1999) identificaram os fatores de risco dietéticos associados à formação de urólitos de CaOx em cães e Lekcharoensuk, et.al. (2001) em gatos. Dietas com elevados níveis de proteína, sódio, humidade e níveis moderados de cálcio, fósforo e magnésio diminuem o risco de formação de CaOx. Nesses estudos estão extensivamente descritos os efeitos dos diferentes tipos de compostos presentes nas dietas sobre a formação destes urólitos, sendo no entanto alguns dos resultados alvo de controvérsia.

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Também se verificou que os gatos que comem alimentos enlatados possuem 1/3 do risco de formar urólitos de CaOx, quando comparados aos que ingerem alimentos secos (Lekcharoensuk, et.al., 2001). Outro aspeto importante é o controlo das guloseimas, da comida caseira e dos suplementos que os animais ingerem e que, para além de terem níveis elevados de oxalato e de cálcio, podem modificar a composição urinária por outros mecanismos (Nolan e Labato, 2014).

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