• Nenhum resultado encontrado

4.2 A ANÁLISE DE DADOS

4.2.2 Análise das entrevistas

4.2.2.5 Episódios de assédio com outros

Essa categoria emergiu da necessidade de saber mais sobre a percepção dos entrevistados em relação ao assédio moral que ocorre no serviço público, não somente com eles, como também com os seus colegas. Os trechos que colaboram com essa realidade são:

E1: Já. A pessoa tem uma determinada informação, que só ela tem no momento. AÍ ela finge que não tem essa informação, a fim de humilhar os outros e colocá-los como incompetentes.

E2: Presenciei entre colegas. A pessoa ficava constrangendo o outro por desempenhar aquela função. O objetivo dela era tirá-lo daquela função. A gente se posicionou, mas com muita cautela, pois tivemos medo de sofrer retaliações.

E3: De paciente com a equipe de enfermagem, isso acontece sempre, né? A população da unidade de saúde que eu trabalho é uma população difícil, sabe? Difícil de lidar. No sentido de colegas, também, algumas coisas já aconteceram.

E4: De pôr na parede, de falar se você não vim, vai ser mandado para outro lugar, você vai perder a estratégia da família, como aconteceu com a gente. Se vocês forem embora poderão responder um processo administrativo, tem que tomar cuidado que por menos tal pessoa já foi exonerado.

E5: Já vi muitos colegas sofrerem assédio e muitos se calam, por medo de retaliações. Uma supervisora de enfermagem realizou um procedimento que o médico havia pedido, mas como deu complicações no paciente, chegou no gestor, que foi em cima do médico, e o médico, para não ser chamado a atenção, assediou a mulher, dizendo que não era isso que ele tinha falado para ela, que ela entendeu errado. E isso não foi uma nem duas vezes. Parecia perseguição com a coitada.

E6: Além desse que passou agora. Foi um outro, com o mesmo coordenador. Foi um abaixo assinado que ele fez com a população que queria tirar eu e a outra enfermeira, que também está passando pelo mesmo processo e os pacientes nem sabiam quem eram as enfermeiras, e nós fizemos também um abaixo assinado para poder ficar. Então as pessoas que assinaram esse abaixo assinado não conhecia a gente e assinou para nós ficarmos. Então o assédio já começou já há muito tempo atrás. E se você perguntar para esses pacientes se eles se arrependeram de ter assinado? Diriam que sim, pois nem nos conheciam. Nem o nosso nome eles sabiam. Na época foi muito ruim. A falta de caráter e ética já é de muito tempo atrás.

E7: O médico xingou a enfermeira, chamou ela de incompetente pra baixo. Disse que tinha pedido para dar a medicação para o paciente, mas depois que ela deu e o paciente teve uma reação, ele disse que a enfermeira deu uma dose a mais para o paciente. E eu vi, tinha sido a dose que ele havia pedido.

E8: Olha, já vi sim. Vários. Até porque ele faz isso com todos. Não tem dó nenhuma. Eu, como sou supervisor, tenho que ser enérgico as vezes, mas tenho muito cuidado com o que falo. Ele não. Trata todos com descaso, com rispidez. Já vi ele xingando funcionário e obrigando a trabalhar horas extras. Como eu reagi vendo isso? Fiquei indignado, mas como já abri um processo administrativo, não posso me mobilizar muito, pois tenho medo de ser exonerado do cargo.

Nesta categoria percebe-se algumas inferências importantes. É imprenscindível entender tanto o assédio em relação à própria pessoa, como também com os colegas, no sentido de ver que a organização estaria doente. São cenas como a possibilidade de perder a estratégia da família, transferências injustificadas, a perversidade advinda do agressor, outros tipos de assédio, além do vertical descendente, e as constantes humilhações dentro do ambiente laboral, que fazem com que o assédio moral esteja presente na vida dos servidores públicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem.

O assédio abordado por E2, entre colegas, seria o horizontal, abordado por Aguiar (2008), já que não há diferença de nível hierárquico. O objetivo seria um agredir o outro com verbalizações, muitas das vezes ocorridas devido a competições. Nesse caso, uma pessoa agredia a outra por ocupar uma função de prestígio, o que demonstra uma inveja em relação ao outro ocupar o cargo que desejaria, mas não o tem, encontrado também na literatura de Hirigoyen (2006).

Quando E1 aborda sobre o fato de o agressor possuir uma informação e não repassá-la ao grupo demonstra um caso de assédio vertical ascendente, e o mais

interessante é que houve a percepção de E1, o que significa não estar alheio ao acontecimento na unidade de saúde.

Além disso, percebe-se também que o medo de perder a estratégia da família, como na de E4, demonstra duas percepções: uma voltada ao assediado e outra, ao agressor. A do assediado seria o medo das retaliações do agressor, e a do agressor, a perversidade implantada na organização e que afetou a ele e também a seus colegas. Tanto o comportamento de um quanto do outro pode estar associado a Dourado (2015).

Quando E2 percebeu que o seu colega estava sendo assediado e se voltou contra essa ação, tentando ajudá-lo, mostra que o seu discurso está atrelado a literatura de Dejours (1999), quando aborda sobre a incapacidade do outro de se autodefender; haverá sujeitos que tentarão interferir no ato, fazendo com que a vítima tenha coragem de sair das agressões e/ou denunciar.

Além disso, no discurso de E6, quando explanou sobre o assédio de médico e enfermeira, ficou evidente o assédio vertical ascendente, já que há uma hierarquia de poder entre médico e enfermeiro, e que quando o médico colocou a culpa na enfermeira, mesmo sabendo que o culpado da ação seria ele, foi um ato de injúria, seguido de assédio, já que não assumiu as responsabiliaddes, colocando o seu subalterno para perfilhar as humilhações advindas do superior da unidade de saúde. Houve aí neste caso um tipo de coação, pois o enfermeiro, por medo de retaliações, assumiu a culpa que não era dele, ficando visado como um mal profissional. Ele, segundo Guedes (2003), seria o sujeito que possui um perfil de prisioneiro, pois não teve forças para dizer que não era o culpado, aceitando então as alegações e se sentindo um inútil. Somente quando denunciou é que resolveu sair da cela e se ver livre da prisão.