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4 ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: A EDUCAÇÃO EM UMA SOCIEDADE

5.2 Princípios da educação superior

5.2.1 Eqüidade

De acordo com o Mapa do Fim da Fome no Brasil, publicado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2001, baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 96 a 99, existiam no país 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de indigência (29,3% da população),recebendo uma renda mensal inferior a R$ 80 per capita. Mais de 27 milhões de crianças vivem abaixo da linha da pobreza, no Brasil, e fazem parte de famílias que percebem renda mensal de até meio salário mínimo. É o que revela o relatório O Estado da Criança no Mundo, divulgado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância – 2004).

Indubitavelmente, essa situação se manifesta na exclusão da população em idade escolar do sistema. De acordo com dados analisados por Ferraro e Machado (2002), em um estudo sobre o acesso à escola, no Brasil, considerando- se toda a população de 5 a 17 anos, em 1996, continuavam não freqüentando escola 2,1 milhões na faixa etária de 5 a 6 anos; quase 3,2 milhões de pessoas, de 7 a 14 anos, e outros 3,4 milhões, de 15 a 17 anos de idade. No conjunto, em 1996, os três grupos etários acumulavam 8,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos fora da escola.

Na síntese de Indicadores Sociais 2002, publicada pelo IBGE (IBGE, 2003), podemos destacar que:

- A taxa de escolarização entre as crianças de zero a seis anos era de 34,9%, e dos jovens de 18 a 24 anos, 34%. Entre os estudantes de 18 a 24 anos, apenas 25% deles estavam no ensino superior, enquanto 42,5%, no ensino médio, e 25,0% freqüentavam o ensino fundamental;

- No Nordeste, as taxas de defasagem escolar são superiores àquelas do Sul. Na faixa compreendida entre sete e 14 anos, a defasagem escolar no Sul oscila entre 4,1% e 57,3%, enquanto, no Nordeste, a variação é de 22,5% a 84,9%;

- Levando-se em conta os quintos do rendimento familiar per capita, o qual representa a condição econômica da família, no ensino superior, apenas 1/3 dos alunos estudaram em escolas públicas - 60% pertenciam ao último quinto de rendimento familiar per capita. Ou seja, os de maiores rendas. Em outras palavras, as Universidades públicas absorvem as camadas mais ricas da população;

- A escolaridade da população de 10 anos ou mais de idade ainda é baixa, principalmente a economicamente ativa (PEA). No País, a média de anos de estudo é de apenas 6,7 anos, e a média das mulheres (7,3 anos) é melhor que a dos homens (6,3 anos).

Uma avaliação feita por Araújo e Luzio (2006), apoiada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), comprovou que os estudantes que têm o pior desempenho no (SAEB), no conhecimento da Língua Portuguesa, estão concentrados na região Nordeste, em cidades com menos de 200 mil habitantes. Tais estudantes trabalham, já foram reprovados alguma vez e vêm de famílias com baixa escolaridade. Eles compartilham ainda de outras características: a maioria não tem nenhum familiar que os acompanhe na vida escolar e não recebem muito apreço por parte dos professores.

A essa situação de discriminação por pobreza é necessário acrescentar a relativa às populações indígenas, à população negra e aos portadores de deficiência. Não podemos negar que o Governo Federal tem feito esforços para diminuir o problema. No entanto, os dados mostram uma triste realidade.

A questão da iniqüidade no acesso à educação superior está, como mencionamos, relacionada com o aumento das desigualdades sociais, produto do modelo neoliberal de ajuste do Brasil, que gerou uma grave exclusão social, a qual se materializa na falta de eqüidade que mostraremos adiante. O problema é complexo, pois não se trata só de garantir o acesso de todas as crianças em idade escolar ao sistema (o Brasil está quase nos 100% de cobertura no acesso ao Ensino Básico), ou, particularmente, garantir o acesso ao ensino superior. É fundamental que todas as instituições e programas alcancem níveis de qualidade e pertinência adequados, em outras palavras, que proporcionem aprendizagens significativas. Isso não depende, apenas, das ações do Estado para melhorar o

ensino superior, mas exige medidas em todas as áreas envolvidas em um projeto social democrático nacional.

Eqüidade, em um contexto de mudanças, significa o ato de procurar e aplicar medidas de acesso ao sistema de permanência nele, junto com ações em outros setores da sociedade, que tomem em consideração as desigualdades institucionais, regionais e sócio-culturais da população que aspira a ingressar na educação superior. Um exemplo disso seria aplicar provas diferenciais e mecanismos que permitam uma concorrência entre iguais. Referimos-nos, nesse contexto, a populações procedentes de determinadas instituições, de determinados grupos sociais e de determinadas regiões do país.

Sabemos que tomar medidas para democratizar o acesso ao ensino superior não significa apenas aumentar o número de vagas, oferecer novos cursos ou abrir novas instituições. É necessário poder garantir que essa população, antes excluída, encontre, nas instituições, condições básicas que lhe permitam um desempenho adequado nos seus estudos. Além disso, a eqüidade passa pela necessidade de introduzir mudanças curriculares, tornando-os mais flexíveis, e proporcionem uma base sólida para facilitar a seqüência dos estudos.

Temos consciência de que o problema da eqüidade no acesso à educação superior não se resolve, apenas, com as medidas mencionadas anteriormente. Já colocamos que suas raízes estão na estrutura social e nas condições de vida da maioria da população brasileira. No entanto, acreditamos que a situação pode melhorar se o Estado, as instituições responsáveis e os grupos envolvidos fizerem um esforço para melhorar a qualidade dos outros níveis do sistema escolar.

Já vimos que o problema da eqüidade do ensino superior é complexo, devido às múltiplas dimensões presentes, dificultando a aplicação de políticas efetivas. Entretanto, como afirma Narvaez (2006), é muito importante que reivindiquemos a eqüidade como um princípio que oriente o desenvolvimento e os benefícios da educação superior na superação de um modelo econômico institucionalizado de desigualdade social. Cada pessoa deve construir sua dignidade de acordo com seus méritos, e não, pelo fato de formar parte de um grupo ou possuir um atributo que não pode mudar.

Assim, eqüidade, pertinência e qualidade, quando se referem à educação, e, particularmente, à educação superior, são assuntos complexos e

multidimensionais que se inter-relacionam e integram em um contexto histórico. São conceitos que devem permear toda a discussão sobre a educação, devido às exigências da sociedade atual, às mudanças na produção, à organização, ao uso do conhecimento e ao aprofundamento dos problemas sociais e econômicos, especialmente nos países em desenvolvimento.