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O ajuste estrutural, a pobreza e a desigualdade

2.1 Conseqüências do ajuste estrutural

2.1.5 O ajuste estrutural, a pobreza e a desigualdade

As políticas de ajuste estrutural, formuladas para incrementar a competitividade e estimular o investimento mediante a reestruturação e abertura apressada das economias nacionais, também tinham como propósito reduzir a pobreza mediante o crescimento e desenvolvimento. No entanto, a maior eficiência e a competitividade que poderiam ter sido alcançadas em razão das medidas adotadas (abertura comercial, liberalização do setor financeiro, privatizações, reformas do mercado de trabalho, do setor agropecuário, do setor mineiro e dos gastos públicos), na maioria dos países, não se materializou.

Nos países pesquisados pela SAPRIN (2005), as reformas simplesmente têm aumentado as margens de lucro das instituições credoras. A privatização dos serviços públicos não logra incrementar a competência e, no geral, resulta em aumentos nas tarifas. As reformas que baixaram ou congelaram os salários mantendo-os sem aumento não geraram o incremento e os empregos projetados.

Conforme anunciamos, separadamente e em conjunto, essas medidas de ajuste acarretavam altos custos sociais. As reformas setoriais e em áreas como a agricultura e a mineração, assim como a flexibilização do mercado de trabalho vêm

debilitando as condições de trabalho e de emprego, causando outras desarticulações sociais que resultam na migração extensiva. As reformas do setor financeiro e a eliminação precipitada das barreiras à importação sufocam os pequenos e médios produtores e corroem as economias e o tecido social (SAPRIN, 2005).

O documento do SAPRIN (2005) mostra, ainda, que a privatização e as reformas do setor agropecuário e outros setores concentram os recursos produtivos e a riqueza, enquanto que o aumento nos custos dos serviços de saúde, educação, e outros contribuiu para uma redução no bem-estar dos já marginalizados. Os lucros e a concentração de renda cresceram consideravelmente, enquanto os salários e o emprego entre os grupos com nível de renda mais baixo caíram significativamente.

Depreendemos, então, que, a longo prazo, uma grave conseqüência dessas reformas é a destruição da capacidade produtiva nacional. A desregulação financeira desvia o capital para atividades especulativas, de consumo e outras atividades não produtivas. Muitos dos investimentos produtivos que se têm feito ocorreram no setor de exportação, inclusive nas zonas francas, com o enclave da máquina, sem encadeamento importante para a economia local. Isso provoca a denominada desindustrialização pela incapacidade de articulação e dinamização da economia nacional.

A combinação de uma redução do fluxo de bens a baixo preço, devido à liberalização comercial prematura, a falta de acesso ao crédito a preço exeqüível, a diminuição das rendas e do poder aquisitivo, face ao ajuste estrutural e a retração do mercado de trabalho, associada à redução do apoio estatal, estão levando à quebra de um número acentuado de fazendas e empresas que empregavam grande parte da população, e a população menos capacitada e de mais baixa renda sofre em relação a esse aspecto, buscando a migração e o deslocamento para o setor informal da economia, como alternativa para a sobrevivência. Concretamente, convivemos com o aumento da fome e da criminalidade - conseqüências nefastas dessas políticas.

Os trabalhadores de baixa renda, que conseguiram manter-se no mercado de trabalho, também vêm sofrendo. Reafirmamos que os contratos temporários e outras medidas de flexibilização que reduziram os direitos, os benefícios, a segurança e o seu poder de negociação provocam achatamento dos

salários, aumentando as horas e a carga de trabalho, fazendo crescer a pressão nas famílias para a busca de alternativas que venham a complementar a renda.

Já no caso dos pequenos agricultores e dos trabalhadores agrícolas, a situação se agrava porque muitas das terras cultiváveis têm perdido ou sofrido destruição ambiental causada pela contaminação do solo. É sabido que, nessa ‘terra perdida’, o sustento familiar é afetado, as doenças se proliferam, e as suas condições de vida se deterioram de forma assustadora.

Conforme mencionamos, a privatização dos serviços públicos e sociais e a sujeição das tarifas às forças do mercado incrementam-se em nível geral, afetando cada vez mais a população menos favorecida – que consome menos e tem mais dificuldades para pagar preços altos.

Nos lugares onde a provisão dos serviços permanece sob a égide do Estado, os governos vêm cortando drasticamente os gastos sociais, devido às pressões para reduzir os déficits e priorizar o pagamento da sua dívida. Os serviços sociais estatais, dos quais dependem as populações carentes, têm sido diminuídos em quantidade e qualidade, disponíveis, agora, mediante um plano de recuperação dos custos, ou seja, a utilização desses serviços precede de contrapartida financeira do usuário, e a institucionalização dessa contrapartida acontece exatamente quando a população mais necessita desses serviços sociais.

Na verdade, entendemos que a população de baixa renda está pagando duas vezes uma dívida que não teve nenhuma responsabilidade em contrair: uma,

através dos impostos, e outra, pela cobrança dos serviços realizados.

O crescente empobrecimento causado pelo ajuste estrutural tem afetado mais as mulheres responsáveis por micro e pequenas empresas17 do que os

homens. A abertura comercial, a desregulação do sistema financeiro que proporciona o crédito às empresas, associadas à livre importação de produtos do gênero, têm provocado refração no mercado produtor interno. No conjunto, a falta de participação da sociedade civil na elaboração dos programas de reforma econômica demonstra falta de compreensão das condições locais, e a distribuição real dos recursos reforça o impacto maior nas mulheres, diante do seu papel nas atividades produtivas e de reprodução humana.

17

De acordo com a SAPRIN (2005), a política para o meio ambiente também é desrespeitada ou não existe. Sua ausência pode ser vista nos prejuízos causados pela contaminação do solo, da água e pela destruição do meio ambiente (solos, matas e florestas).

Conforme anotamos, a racionalidade das políticas de ajuste estrutural está aumentando a pobreza, a desigualdade e a insegurança em nível nacional e mundial. Essas medidas polarizantes, por sua vez, incrementam as tensões entre diferentes estratos sociais, alimentando os movimentos extremistas e deslegitimando os sistemas políticos democráticos. Seus efeitos, sobretudo na população de baixa renda, são tão profundos e generalizados que só uma reestruturação dos setores produtivos, mediante políticas públicas adequadas, poderia reverter o quadro atual e apontar soluções para a crise social que engendraram.