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4 ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: A EDUCAÇÃO EM UMA SOCIEDADE

5.2 Princípios da educação superior

5.2.3 Excelência

Palavra por demais conhecida, que encerra um conceito de totalidade e que, por si só, expressa qualidade total. Entretanto, em face da necessidade de se conhecerem os vários sentidos desse vocábulo, recorremos ao Dicionário Aurélio (2000), segundo o qual excelência significa “Qualidade de excelente; primazia”.

Considerando que o vocábulo qualidade aparece também neste trabalho, achamos conveniente buscar seu sentido, um dos quais é propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas, capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza. É comesse sentido que iremos encontrá-las no texto.

O uso da palavra com essa conotação teve início no século passado, principalmente em razão dos Programas de Qualidade Total. Não podemos deixar de reconhecer que, com o passar dos anos, esse vocábulo ampliou o seu significado e abrangência, chegando ao Século XXl carregado de novas cargas semânticas. Assim, historicamente, “qualidade” refletia tão somente que o produto estava de conformidade com as normas técnicas estabelecidas. No ato seguinte, a palavra incorporou o sentido de atender, ou melhor, satisfazer às demandas e exigências do cliente.

O Centro Interamericano de Investigação e Documentação sobre Formação Profissional (CINTERFOR) da Oficina Internacional do Trabalho (OIT) no Uruguai, no documento “Calidad, pertinencia y equidad: Un enfoque integrado de la formación profesional” (2006), apresenta uma interessante definição de qualidade do ensino. Para essa Instituição, desde o seu surgimento, o conceito de qualidade tem mudado constantemente. Nas suas primeiras aplicações, a qualidade era entendida como de “conformidade com as normas”, isto é, adequação às especificações estabelecidas para um produto. Posteriormente, foi definida como “satisfação das demandas e exigências do cliente”, incluindo-se, além da preocupação pela qualidade dos produtos, a qualidade dos processos: um bom processo, desenvolvido de forma consistente, poderia levar a um produto de qualidade. Logo, o conceito de qualidade foi substituído pelo de excelência, entendido como o melhor possível com relação às combinações das diferentes dimensões de uma organização: os melhores equipamentos, os melhores processos, a melhor gestão.

Segundo o CINTERFOR, a qualidade apresenta três dimensões: - Qualidade normativa ou de conformidade;

-Qualidade como adaptação às necessidades, expectativas e motivações do cliente;

- Qualidade compreendida como resposta a expectativas e motivações pessoais e sociais, através da formação de atitudes e de conhecimentos. - Qualidade normativa ou de conformidade - Delineia a necessidade de que o formador e a formação detenham conteúdos mínimos básicos (conceitos, habilidades e destrezas, atitudes e valores) e técnicas ou estratégias básicas, metodológicas e de orientação (psico-pedagógicas, didáticas e de análises sociológicas da realidade onde se desenvolve a formação). Esses requisitos

mínimos deveriam formar um todo integrado e poder ser facilmente avaliados em relação ao cumprimento de sua função;

- Qualidade como adaptação com as necessidades, expectativas e motivações do cliente – No caso da formação educacional, “clientes” são os diversos atores com os quais se relacionam o sistema produtivo, as empresas, as organizações, a família e a sociedade em geral, mas que devem inserir-se na população destinatária da formação. E, obviamente, os próprios participantes, com suas singularidades e necessidades específicas. Essa exigência de responder às múltiplas necessidades e expectativas gera tensão nas instituições de formação, ao se considerar a rapidez nas mudanças dessas necessidades e expectativas na sociedade atual;

- Qualidade compreendida como resposta a expectativas e motivações pessoais e sociais através da formação de atitudes e conhecimentos – Em outras palavras, trata-se de uma formação que permita desenvolver atitudes e valores capazes de gerar conhecimentos que tenham possibilidades de ser transferidos pelo participante para outros contextos e cenários organizativos e sejam aplicáveis a outros problemas e soluções. Um conhecimento que tenha também valor agregado, pelo seu impacto no entorno familiar, social e organizacional (bairro, empresa ou organização onde o participante desenvolve suas atividades), assim como o seu impacto no trabalho e nas tecnologias aplicadas em um grupo ou setor social ou produtivo. Esse nível não implica apenas conteúdos intrínsecos da formação, mas, também, processos de gestão e organização, entre os quais se inclui o trabalho em equipe dos membros da instituição de formação e sobre toda a geração de uma cultura capaz de integrar e responsabilizar a todos os membros que participam dos processos formadores.

Para o CINTERFOR, uma formação de qualidade será aquela que, além de possuir níveis técnicos suficientes passíveis de adaptar-se a diferentes cenários, seja capaz de responder adequadamente às demandas, necessidades e expectativas dos atores (indivíduos, empresas, setores, cadeias produtivas, territórios) e de possibilitar, simultaneamente, a criação de novas necessidades e expectativas pessoais, sociais e de desenvolvimento/promoção da população participante. Nesse sentido, o conceito de qualidade, sinônimo de excelência, exprime tudo o que desejamos e esperamos da universidade.

Tomamos como exemplo o pensamento de Brovetto (2003): Não existe uma criação científica excelente realizada em um mundo desenvolvido, e outra de segunda classe, própria dos países mais pobres.

Na mesma direção, Sjötrand (2006) afirma que o conceito de qualidade é relativo às instituições, aos processos e aos atores que estão ligados, de alguma forma, à academia e às suas relações com a sociedade. Portanto, a qualidade é assumida contextualmente, e não, como padrão obrigatório. Para a autora, a qualidade não se refere a metodologias quantitativistas ou a modas de correntes administrativas, mas está no fazer do dia-a-dia da academia.

Assim, entendemos que o conceito de qualidade não se aplica apenas às instituições, ele perpassa os processos e os atores que, de alguma forma, participam do dia-a-dia das universidades, seja como docentes, discentes, administradores ou técnicos, como também a relação que se estabelece com a sociedade, o que a torna parte do processo.

Sjötrand (2006) concebe que o papel de destaque da universidade está na criação de uma cultura política e democrática, no fortalecimento do exercício da cidadania; na revitalização do pensamento crítico e inovador e na transição da cultura da violência para a cultura do diálogo. Assim, pelo que podemos observar, e comungando do pensamento da autora acima referida, tanto a pertinência social quanto a qualidade das instituições de educação superior estão contidas nas ações desenvolvidas por essas instituições. Por isso, falar em melhorar a qualidade (da escola, dos programas e do processo) do ensino superior exige, acima de tudo, que se busque o ideal, começando por querer saber qual é a nação que queremos para nossa gente.

Faz-se, portanto, mister o oferecimento de novos cursos e/ou a restauração dos atuais, de tal modo que se estabeleça uma interação constante entre universidade e sociedade no processo de ensino, pesquisa e extensão. Essas atividades devem ser trabalhadas através de dois elementos indispensáveis à aprendizagem: a intradisciplinaridade e a interdisciplinaridade, como instrumentos para uma ação mais efetiva que reúna as ciências exatas e as áreas humanas, numa ação conjunta, que leve a uma produção de alto nível, a qual a sociedade aguarda e de que necessita.

A reestruturação do plano de carreira docente pode desempenhar um papel preponderante na qualidade da educação superior. Para Sjötrand (2006), isso

é possível ao se estabelecerem mecanismos adequados de ingresso, permanência, ascensão e reingresso de professores, que possibilitem a realização plena de suas funções acadêmicas de docência, pesquisa e extensão na graduação e na pós- graduação.

Assim, como reconhecimento das peculiaridades da carreira do docente, Sjötrand (2006) propõe o uso de um modelo de recompensas financeiras, que remunere, de forma coerente, o desempenho do professor; que reconheça seus direitos - além do salário base -, o recebimento por tempo de serviço, por categoria e por títulos de pós-graduação. Ele aponta tal reconhecimento como um coadjuvante na qualidade acadêmica.

Em síntese, a excelência ou qualidade da educação se dá em três níveis, a saber: individual, promovendo mudanças profundas nas pessoas, possibilitando uma educação e desenvolvimento profissional ao longo das suas vidas - Aprender a aprender, aprender a desaprender e aprender a reaprender; no nível organizacional, em que as instituições educativas geram e gerenciam conhecimento - são instituições que aprendem em contato direto, permanentemente revisado, com o setor produtivo e o social – e em nível social - está fadada ao fracasso uma instituição educativa, particularmente de ensino superior, que desconsidere a totalidade integrada pela qualidade, pertinência, eqüidade e autonomia universitária. Assim, uma formação de excelência é aquela que luta contra as desigualdades econômicas e sociais.