• Nenhum resultado encontrado

2.1 SUPERFÍCIES DE EROSÃO: UMA REVISÃO DA ABORDAGEM

2.1.5 Equilíbrio dinâmico de Hack

Existe outra abordagem alternativa para a interpretação da paisagem, esta análise é feita a partir da teoria do equilíbrio dinâmico e as relações espaciais dentro de um sistema. Esta abordagem considera o modelado terrestre como um sistema aberto, sistema este que mantém constante permuta de matéria e energia com os demais sistemas do seu universo. Supõe-se que num único sistema os elementos da topografia estejam todos ajustados de tal modo que se modificam na mesma proporção. Assim as formas e os processos estariam em um balanço estabilizado e podendo ser considerados como independentes do tempo. As diferenças e características das formas são explicadas em termos espaciais, nos quais os padrões geológicos são primeiramente considerados (HACK, 1972).

A teoria de equilíbrio dinâmico foi preconizada por Grove Karl Gilbert (1880) que expôs esse princípio para o desenvolvimento do modelado terrestre, tendo sido aplicada também por Strahler (1964). John T. Hack (1960; 1965) fez uso dessa abordagem para a interpretação da rede de drenagem e suas vertentes. Este conceito precisa de um estado de forças opostas, um balanço de forças. Dessa forma, as forças atuam em proporções iguais e os seus efeitos anulam-se ou cancelam-se mutuamente para assim produzir um estado estável, no qual a energia está continuamente entrando e saindo do sistema (HACK, 1972). Na teoria davisiana, o equilíbrio é atingido em alguma parcela do sistema de drenagem quando há o balanço entre o material detrítico proveniente das cabeceiras e a capacidade do rio para movimentá-lo, ou seja, quando a declividade do canal se reduz a ponto do rio ter apenas a capacidade para carregar o que a corrente pode transportar. Em um canal fluvial esse

equilíbrio ocorre quase que de imediato e não faz parte de uma etapa de um processo de evolução. O conceito de Davis implica que algumas parcelas do sistema de drenagem estariam em equilíbrio, enquanto que outras não, e que o equilíbrio se estende em estágios gradativos, através do tempo, da jusante para todo o sistema. Em lugar do balanço entre a carga de um rio e a competência de transporte de um canal fluvial, seria muito mais válido fazer a análise da paisagem particular a partir do balanço entre os processos de erosão e a resistência das rochas, e também relacionar este balanço a possíveis soerguimentos ou rebaixamentos derivados de diastrofismo (HACK, 1972).

Esse conceito se assemelha bastante com o conceito de forças exógenas e endógenas de Penck (1953), no qual uma área sujeita a soerguimento de intensidade constante, caso o soerguimento seja rápido, o relevo deveria apresentar patamares altimétricos elevadose desta forma seria necessária uma força para prover energia erosiva suficiente para fazer o balanço do equilíbrio. A topografia está num estado imutável e permanecerá dessa forma até quando a intensidade de soerguimento e de erosão não seja mudada e desde que as rochas que estruturam a superfície sejam as mesmas. Caso haja mudança na intensidade do alçamento ou da erosão, o estado de balanço irá mudar bem como o equilíbrio constante (HACK, 1972). Assim a topografia evoluiria de uma forma para outra. Esta evolução poderá ocorrer caso as forças de diastrofismo deixem de exercer sua influência, podendo ocorrer o rebaixamento do relevo e podendo também ocorrer uma mudança no balanço caso rochas de diferentes resistências sejam expostas na superfície.

Para o equilíbrio dinâmico são tratadas as propriedades inerentes aos sistemas abertos, estas propriedades facilitam a interpretação dessa abordagem (CHRISTOFOLETTI, 1980). O sistema aberto pode atingir o equilíbrio quando a importação e exportação de energia estiverem equacionadas, ou seja, equilibradas. Este equilíbrio é proveniente de um ajustamento das formas e geometrias do próprio sistema. O ajustamento dos componentes do sistema ocorre por conta do sistema de auto-regulação e também pelo fato dos elementos serem interdependentes entre si. Assim se houver uma alteração que se processa em alguma parte do sistema (tomando, por exemplo, um sistema de drenagem), esta alteração será comunicada rapidamente a todos os outros componentes do sistema (CHRISTOFOLETTI, 1980).

Assim, a abordagem do equilíbrio dinâmico demonstra que as formas não são estáticas e imutáveis e que são mantidas a partir do fluxo de matéria e energia que passa pelo sistema. Com o passar do tempo, as formas da paisagem vão sendo removidas e retrabalhadas implicando em alterações de algumas propriedades geométricas, como o rebaixamento do

relevo. Isso quando não há condicionantes tectônicos (CHRISTOFOLETTI, 1980). No momento que o sistema atinge o equilíbrio dinâmico, desaparece a influência das condições iniciais e muitos traços da paisagem anterior são destruídos. Quando se faz a análise dos fenômenos com acentuada tendência para o equilíbrio dinâmico, a abordagem histórica se torna dispensável. Essa perspectiva independe da escala temporal e as formas residuais se manterão na paisagem caso o equilíbrio dinâmico ainda não tenha sido atingido. No entanto, isso não significa que as formas residuais sejam raras na paisagem, mas esta análise se baseia na relação de equilíbrio entre os processos atuais e as formações rochosas. É importante salientar que nem todos os elementos da paisagem geomorfológica reagem com a mesma rapidez e intensidade às modificações realizadas nas variáveis externas. Exemplo disso seria a hidráulica dos canais fluviais que respondem de forma mais rápida às mudanças no sistema, em contrapartida da forma das vertentes e da rede de drenagem como um todo que levam um tempo bem maior para se ajustarem.

A última propriedade afirma que os sistemas de caráter aberto podem atingir a chamada equifinalização, ou seja, condições iniciais diferentes podem levar a resultados finais semelhantes. Este conceito demonstra a multivariedade de processos morfogenéticos atuantes na paisagem, sendo contrário à análise cíclica da paisagem (CHRISTOFOLETTI, 1980). Hack afirma que deve ser levada em conta a relação das formas do relevo e depósitos superficiais com a estrutura geológica. A amplitude topográfica, do topo da vertente até o fundo do vale, varia bastante caso ocorra o afloramento de diversos tipos de rocha, enquanto que a amplitude pode permanecer aproximadamente a mesma caso aflore apenas um único tipo de rocha. Nesse sentido, as vertentes variam também conforme o tipo litológico (op. cit.). É importante a análise da topografia em termos de relações espaciais, independente do tempo. Esta análise nos fornece um embasamento bastante útil para a interpretação da paisagem (HACK, 1972). Há uma preocupação em explicar paisagens em termos de processos e intensidades que atualmente existem e, por essa razão é necessário fazer a interpretação da evidência desses ditos processos nos modelados de relevo. Esta abordagem se preocupa em fazer a interpretação a partir dos processos e suas intensidades, que mudam no espaço e no tempo, deixando de forma clara as relações de formas e processos, fazendo com que as mudanças na paisagem possam ser elucidadas (Figura 10).

O estudo das paisagens com a abordagem do equilíbrio dinâmico permite uma revisão de modo geral da ciência geomorfológica, fazendo uma melhor definição e delimitação do objeto de trabalho e auxiliando na elucidação das preocupações concernentes com as aplicações de técnicas quantitativas (CHRISTOFOLETTI, 1980).

Figura 10 - Modelos de evolução do relevo. Evolução das superfícies de aplainamento segundo DAVIS, PENCK e HACK. Extraído de BURBANK E ANDERSON, 2001.