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2.2 O cotidiano da escola e a gestão democrática

2.2.1 A equipe gestora: liderando o processo

Ações articuladoras da equipe gestora, que permitam o desenvolvimento de uma liderança plural, baseada na partilha de poder e em projetos coletivos, parecem ser um caminho em direção à gestão democrática na escola.

O mundo moderno alcança o cotidiano escolar e exige novas formas de relacionamento nos processos de tomada de decisão, para superação das amarras impostas pelo sistema estabelecido. Uma proposta contemporânea de superação dessas amarras é o trabalho em equipe. Nunca se falou tanto em equipe como nos dias atuais. A autoridade autoconfiante que outrora proclamava “o certo a se fazer” desapareceu frente à imagem da pessoa de poder como facilitadora, mediadora e articuladora das ações do grupo (SENNETT, 2001).

O trabalho em equipe vai ao encontro do mundo flexível. As equipes mudam constantemente e as pessoas vão passando de equipe em equipe. São valorizadas por possuírem as qualidades de saber ouvir e ensinar aos outros. A pessoa é qualificada para o grupo pelas “aptidões básicas verbais e matemáticas, além de saber lidar com a tecnologia” (SENNETT, 2001, p. 131).

No mundo do “curto prazo” as equipes são grupos que se organizam para a realização de projetos rápidos, sem a constituição de laços mais duradouros. Isso acontece muito nas organizações escolares. As escolas estão repletas de projetos, de organização de equipes que se formam e se desfazem com a mesma rapidez. Sem contar com a rotatividade das equipes nas escolas ano a ano, conseqüência da utilização de uma lógica laboral no processo de atribuição de aulas20.

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No estado de São Paulo a Resolução SE nº 90 de 13/12/2005 regulamenta o processo de atribuição de aulas dispondo sobre a atribuição centralizada de aulas, nas Diretorias de Ensino*, para professores OFA – Ocupantes de Função Atividade – não efetivos. Apesar de se constituir na forma mais democrática de distribuição de trabalho para

Aqui reside a nossa reflexão: quando falamos em gestão democrática, que conceito de equipe elaboramos?

Amaral Sobrinho et al (1994, p.81), admitem a necessidade de formação de equipes no controle de qualidade de educação oferecida: “esse controle só é eficaz com o envolvimento de todos, trabalho em equipe”. O trabalho em equipe é entendido pelos autores como a incorporação de vários atores nos processos de decisão e controle, criando uma nova rede de relações. Desta forma, “o controlo não se faz pela gestão das tarefas, mas sim pela gestão das relações [...] e todos os membros assumem a responsabilidade do sucesso da organização no seu conjunto” (BARROSO, 2000, p. 171). Essa é a concepção do trabalho coletivo nas organizações chamadas pós-burocráticas, onde a gestão se faz por meio de influência, de diálogo, de princípios e confiança mútua. É também, e, no entanto, a recomendação das agências financiadoras internacionais como um dos fatores possibilitadores da superação da ineficiência do setor público, no campo educacional (ADRIÃO, 2006).

Para Richard Sennett (2001) o trabalho em equipe constitui a moderna ética do trabalho. Segundo o autor, a ética do trabalho antigamente fundamentava-se no uso autodisciplinado do tempo e no valor da satisfação adiada. Era a ética do indivíduo, capaz de adiar a satisfação para um futuro pela necessidade da disciplina do presente. O caráter e o trabalho mantinham relação estreita. Esse tipo de comportamento era possível pela existência de instituições estáveis, que permitiam esse adiamento da satisfação depositada em um futuro certo. No mundo do trabalho flexível, o trabalho árduo e o adiamento da satisfação não fazem mais sentido, pois as pessoas não sabem mais até quando estarão trabalhando para determinado patrão ou instituição. Temos hoje, em contraposição à ética do indivíduo, a ética de grupo. No grupo, as responsabilidades são divididas, a organização do tempo de trabalho sofre mudanças, as qualidades do bom trabalho não são as mesmas do bom caráter. O trabalho

os professores, esse mecanismo leva à conseqüente diluição das equipes formadas nas escolas e formação de novas equipes a cada ano.

* As Diretorias de Ensino são órgãos intermediários do sistema, da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Existe atualmente um total de 91 Diretorias de Ensino no Estado.

acontece na superfície das relações, enquanto que a formação do caráter através dos laços sociais só pode acontecer na profundidade. Para o mesmo autor,

O tempo das equipes é mais flexível e voltado para tarefas específicas de curto prazo do que para a soma de décadas caracterizadas pela contenção e espera. O trabalho em equipe, porém, nos leva ao domínio da superficialidade degradante que assedia o moderno local de trabalho (p. 127).

Como superficialidade degradante o autor aponta justamente essas relações dos grupos que tendem a manter-se juntos ficando na superfície das coisas, evitando questões difíceis, decisivas, pessoais. Ao modo do consumismo atual, a satisfação tem que ser imediata, as decisões e execuções rápidas, não há “longo prazo”. A execução conjunta de “tarefas devem produzir resultados antes que a atenção se desvie para outros esforços. Os assuntos devem gerar fruto antes que o entusiasmo pelo cultivo se acabe” (BAUMAN, 2005, p. 81).

Neste contexto, as relações são fluidas: a falta de tempo corrói a confiança, a lealdade, o compromisso mútuo - laços sociais que levam tempo para surgir nas instituições – e altera o sentido também nas relações com a liderança.

A liderança será tema tratado no próximo capítulo deste trabalho, no entanto, desejamos fazer aqui, algumas considerações que julgamos importantes para a gestão da escola. Para Sennett (2001, p. 132) surgem nas equipes de trabalho modernas a ficção “de que trabalhadores e chefes não são antagonistas; o chefe, em vez disso, administra o processo do grupo [...]; o líder está do nosso lado, em vez de ser nosso governante”.

Essa concepção de liderança necessita reflexão, pois sua aceitação impensada pode implicar em dois perigos: o primeiro é o de neutralizar as discussões sobre a existência das relações de poder no interior da escola (o domínio continua existindo sem que haja clareza sobre as relações de mando e submissão); o segundo perigo é a diluição do poder no desaparecimento da autoridade de um líder que não assume a responsabilidade pelos resultados, atribuindo à sua figura as situações de sucesso e as de fracasso aos demais – se a escola vai bem é “obra de um bom diretor”, se vai mal é “culpa da equipe” que não soube atuar adequadamente no processo.

Qual a necessidade, então, de existência de uma figura de liderança na vida de uma equipe ou de uma instituição? Quem efetivamente deve promover o acompanhamento e controle das ações decididas coletivamente?

É muito comum nos artigos sobre trabalho em equipe, a utilização de analogias com times esportivos ou orquestras musicais. No primeiro caso, associam o treinamento de pessoal ao treinamento de atletas: todos treinados em várias funções, sem posição fixa, com esquema de trabalho formulado por meio da opinião de todos os membros da equipe e conhecimentos do “técnico”. No segundo caso, da orquestra, todos devem atuar afinados em torno de uma partitura e regidos pela batuta firme de um “maestro” que aponta como cada participante deve proceder para que o resultado seja harmônico.

Em ambos os casos, a figura do líder é indiscutível. Um time de futebol, por mais coeso e treinado que seja, não dispensa a presença de um técnico que definirá os sistemas de ataque e defesa, fará as substituições necessárias e acompanhará o processo do início ao fim e, apesar de todos trabalharem conjuntamente, será responsabilizado pelas falhas sobre as quais pudesse intervir: será cobrado por uma melhor preparação técnica de seus jogadores e um esquema tático mais eficiente para a vitória. Da mesma forma, o maestro conduzirá a orquestra na conjugação de conhecimentos técnicos e conhecimentos sobre sua equipe - o que cada um deve fazer e o que cada um é capaz de fazer. Os ajustes para um resultado mais harmonioso dependerão de seu acompanhamento preciso no desenvolver da peça musical.

Assim, pensamos ser o gestor escolar responsável pela consecução das ações de um processo de decisões coletivas, do começo ao fim, desde a criação de espaços para discussão e definição de ações até o acompanhamento e controle da realização das mesmas. Para Justa Ezpeleta um ambiente escolar de confiança mútua se estabelece pela capacidade de o diretor transferir decisões sem desaparecer como condutor. O gestor é o condutor do processo. Se as decisões são compartilhadas e todos são responsáveis por sua execução é, no entanto, o gestor o responsável pela macro-visão do processo, por estimular e articular as pessoas na execução dos projetos, por encaminhar o movimento de correção de rumos. Se a escola funcionasse

como uma célula – a menor parte de um organismo e constituída de muitos elementos que trabalham harmoniosamente apesar da genuína diferença entre eles – os membros da equipe gestora seriam as mitocôndrias, posto que, são os responsáveis por gerar a energia necessária para as atividades escolares.

O que temos presenciado em diversas situações nas escolas é que, mesmo naquelas em que há uma boa participação da comunidade escolar na decisão dos projetos de ação, a criação de mecanismos de acompanhamento, avaliação e controle ainda subsistem numa prática muito tímida. Muitos projetos se perdem no caminho por falta de avaliação e correções no percurso.

O acompanhamento do trabalho desenvolvido em sala de aula pelos professores é uma das atribuições mais importantes (senão prioritária!) da equipe gestora de uma escola e que, infelizmente e por motivos diversos, não tem se consagrado na prática cotidiana escolar. Os professores seguem buscando respostas para os desafios pedagógicos cotidianos de maneira isolada, com “ajustes individuais [...] dependendo do interesse real de cada um em sua profissão” (Ezpeleta, tradução nossa), enquanto o diretor, em meio às inúmeras atividades a ele atribuídas, deixa para segundo plano as questões propriamente pedagógicas. Como supervisores de ensino da rede pública estadual paulista temos acompanhado de perto o trabalho desenvolvido nas escolas e, apesar da existência de um elemento na equipe voltado especificamente para as funções de acompanhamento pedagógico – o professor coordenador - na maioria delas, a intervenção em sala de aula é quase inexistente.

Jorge Adelino Costa (2000) assinala como uma característica das escolas de sucesso, onde existe uma liderança do tipo educativo, a atenção clara ao que se passa em sala de aula, com o objetivo de desenvolvimento de uma cultura centrada na aprendizagem.

Parece até um paradoxo tanto debate sobre as maneiras de tornar uma gestão eficiente, de se trabalhar em equipe e promover a formação continuada de professores com vistas à melhoria da aprendizagem dos alunos, quando temos um retrato tão opaco do que acontece em sala de aula.

A sala de aula é o espaço (e o tempo) onde os projetos decididos coletivamente e os valores proclamados serão efetivamente colocados em prática (ou não). É nesse terreno também que podem brotar novas idéias e a constituição de políticas alternativas na escola. Para Naura Syria Carapeto Ferreira (2000, p. 309):

A gestão da educação acontece e se desenvolve em todos os âmbitos da escola, inclusive e fundamentalmente, na sala de aula, onde se objetiva o projeto pedagógico não só como desenvolvimento do planejado, mas como fonte privilegiada de novos subsídios para novas tomadas de decisões para o estabelecimento de novas políticas.

Não basta, portanto, que a gestão escolar crie mecanismos de participação democráticos, como a revitalização de conselhos escolares, grêmios estudantis e associação de pais; é necessário que a democracia se inicie no processo de ensino- aprendizagem, ou seja, nas relações entre professor e aluno, pois, como afirma Vitor Paro (2002, p.10) “o principal indício de uma gestão escolar verdadeiramente democrática é a democracia que se realiza na própria sala de aula”.

A gestão da escola é a gestão de todos os espaços educativos e, essencialmente daquele em que mais intensamente se processa a construção humana através das relações entre as pessoas – a sala de aula.