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Era Vargas (1930-1945): equiparação/reconhecimento e a emergência da autorização

No documento Kelli Consuêlo Almeida de Lima Queiroz (páginas 89-101)

CAPÍTULO 2 – REGULAÇÃO NACIONAL DE INSTITUIÇÕES E CURSOS DE GRADUAÇÃO (1930-2002)

2.1 Era Vargas (1930-1945): equiparação/reconhecimento e a emergência da autorização

A partir de 1930, o Estado brasileiro se empenhou no desenvolvimento de processos de regulação nacional produzidos no início da Primeira República. Essas ações se fizeram na totalidade de determinadas transformações sociopolíticas e econômicas, proeminentes de uma série de fatores que conduziram Getúlio Vargas ao poder por mais de quinze anos, de forma sucessiva, a saber: governo provisório (1930-1934), governo constitucional (1934-1937) e Estado-Novo (1937-1945).

Na condição de governo provisório, Getúlio Vargas acentuou o papel centralizador do Estado na perspectiva de reorganizar a vida política e econômica do Brasil, alinhando-o à produção internacional do capitalismo industrial. Nessa direção, o poder se deslocou do âmbito local e regional para o central (CUNHA, 1980; FÁVERO, 2000; ROMANELLI, 2010).

Em tal conjuntura, esse governo, reproduzindo a tendência histórica brasileira de imprimir mudanças na realidade socioeducacional por meio de reformas, investiu na produção de dispositivos legais de cunho regulatório. Assim, a Reforma Francisco Campos intencionou ajustar a educação superior ao projeto de modernização nacional.

O Estado se pôs como protagonista de uma política educacional movida pelas forças hegemônicas dos interesses do capitalismo industrial, cujo processo implicou o disciplinamento da educação superior a essa nova realidade. Segundo Cunha (1980), foi a Reforma Francisco Campos32 que, nesse movimento, representou a ascensão da política educacional autoritária e liberal firmada nos ideais do papel modernizador da educação em prol do processo de expansão do capitalismo.

Com esse delineamento político-ideológico, o Estado assumiu um papel centralizador e formalizador do processo de planejamento e fiscalização dos níveis de ensino, entre eles o superior. Sobre essa questão, Fávero (2000, p. 40) afirma:

Trata-se, sem dúvida, de adaptar a educação escolar a diretrizes que vão assumir formas bem definidas, tanto no campo político quanto no educacional, tendo como preocupação criar e desenvolver um ensino mais adequado à “modernização” do país, com ênfase na formação de elites e na capacitação para o trabalho, um ensino que contribuísse para complementar a obra revolucionária, orientando e organizando a nacionalidade.

A intenção modernizadora do Estado foi a aprovação de quatro dispositivos legais objetivando induzir alterações estruturais na organização administrativa e didática da educação superior. Suas especificidades regulatórias ratificaram o caráter elitista desse nível educacional para formação de quadros dirigentes e preservação da estrutura social existente (FÁVERO, 2000; MOROSINI, 2009; SILVA, 2007), conforme apresentado no quadro 8, a seguir.

32 Francisco Campos foi Ministro da Educação e Saúde no período de 1930 a 1934. Outros decretos compuseram a reforma que recebeu seu nome, a saber: Decreto 19.852, de 11 de abril de 1931, dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, dispõe sobre a organização do ensino secundário; Decreto 19.941, de 30 de abril de 1931, estabeleceu o ensino religioso nas escolas públicas; Decreto 20.158, de 30 de julho de 1931, organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências; Decreto 21.241, de 14 de abril de 1932, consolida as disposições sobre o ensino secundário (ROMANELLI, 2010; SAVIANI, 2008; VIEIRA, 2008).

Ano Legislação Teor do decreto

1930 Decreto n. 19.402 Secretaria de Estado com a denominação de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública.

1931 Decreto n.19. 850 Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação.

1931 Decreto n. 19.851 Dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universitário.

1931 Decreto n. 20.179

Dispõe sobre a equiparação de institutos de ensino superior mantidos pelos Governos dos Estados e sobre a inspeção de institutos livres, para os efeitos do reconhecimento oficial dos diplomas por eles expedidos. 1933 Decreto n. 23.546 Modifica dispositivos do Decreto n. 20.179, de 6 de julho

de 1931.

Quadro 8 – Legislação da educação superior na Reforma Francisco Campos Fonte: elaboração da autora (2013).

A criação de órgãos como a secretaria de estado com a denominação de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, do Conselho Nacional de Educação33 (CNE), e os Conselhos Estaduais de Educação (CEE), respectivamente Decretos n. 19.402/1930 e Decreto n.19. 850, assumiu um relevante papel na estratégia de implantação de um Estado Nacional forte, centralizador e intervencionista (NAGLE, 2009; MORAES, 1992; RIBEIRO, 2007), ampliando a dimensão burocrática do Estado.

O poder decisório do CNE na educação superior focou os estatutos das universidades, os regulamentos dos institutos singulares e a decisão sobre o reconhecimento dos cursos ofertados pelas instituições estaduais e pelas livres. Essas atribuições transformaram esse conselho em “arena aberta à negociação dos vários e contraditórios interesses em presença, sobretudo o confronto entre o ensino público e o ensino privado” (MORAES, 1992, p. 297).

Nesse contexto, a Reforma Francisco Campos definiu o modelo de educação superior desejado pelo Estado. No Decreto n. 19.851/1931, pela primeira vez no País, regulamenta-se a organização acadêmica desse nível desse ensino pela adoção do regime universitário (CUNHA, 1980; FÁVERO, 2000; ROMANELLI, 2000; SILVA, 2007; VIEIRA, 2003).

33 Esse conselho perdurou até 1961, quando a lei 4.024, de 20 de dezembro daquele ano, criou o conselho Federal de Educação.A primeira sessão do CNE aconteceu em 20 de junho de 1931, sob a presidência do Ministro da Educação e Saúde Pública Francisco Campos, com a presença de 13 membros. No período de 20 de junho a 4 de julho, foram realizadas sete sessões que tiveram como pauta o plano de organização educacional apresentado pelo dr. João Suplicio (RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E SAÚDE, 1932).

Decreto 20.179/1931 Reconhecimento

Condição para a conc

essão do reconhecimento

Instituições

Equiparação Inspeção

Instituições de Ensino Superior mantidas pelos governos dos Estados

Institutos livres de Ensino Superior

Tipo de

fiscalização Verificação pós- equiparação

1º Inspeção - preliminar 2º Inspeção - permanente Órgãos

reguladores

Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) Departamento Nacional de Ensino (DNE)

Conselho Nacional da Educação (CNE)

Duração 1 vez por ano Durante dois anos

Custos com o processo de reconhecimento Nunca superior a 10:000$0 anuais 1º - Valor anual de 12.000$0 com pagamento semestral 2º - Valor anual de 12.000$0 com pagamento semestral Responsáveis pela

verificação in loco Comissão com três membros - Formalização dos

processos de equiparação e inspeção

Relatório Relatório

Bônus Autonomia didático-administrativa -

Ônus Suspensão e/ou cassaçãopor irregularidade em relação às normas legais

Suspensão e/ou cassação por não pagamento das cotas e por irregularidade em relação às normas legais

Requisito s para soli citação do reconhecimento Organização didático- pedagógica

Regime escolar de rigor equivalente

Regime didático e escolar idêntico aos institutos oficiais Ministrar disciplinas obrigatórias

dos congêneres federais

Ingresso -

Cursos e períodos letivos

idênticos -

- Funcionamento regular e

efetivo de dois anos

Infraestrutura

Edifícios apropriados para o número de alunos por curso, e instalações pedagógicas e higiênicas

Edifícios e instalações apropriados

Laboratórios -

Sustentabilidade financeira para o funcionamento regular

Sustentabilidade e organização financeira para,

no mínimo, três anos

Corpo docente

- Corpo docente com idoneidade moral e científica Concurso docente Concurso docente após o reconhecimento Regime de

ingresso no ensino superior

Admissão dos estudantes congêneres aos federais - Controle de matrícula -

Quadro 09: Especificidades da regulação no Decreto nº 20.179/1931 Fonte: Decreto nº 20.179/1931.

A sinalização do sistema universitário não negou a existência de outros modelos de organização, a exemplo da tendência dos institutos isolados. Ao contrário, oficializou a coexistência de dois modelos: sistema universitário e sistema não universitário.

No conjunto dos 116 dispositivos do Estatuto das Universidades Brasileiras, dois artigos trataram das especificidades dos processos de regulação das instituições, reafirmando a equiparação para as universidades estaduais ou livres e seus cursos, com a histórica finalidade de conceder títulos e outros privilégios específicos das federais.

Nesses artigos, aparece o termo ‘universidade’ em substituição a ‘faculdade’, como adotado nos decretos que o antecederam. Para essa organização acadêmica, não houve explícita definição dos procedimentos da inspeção, nem dos elementos de ordem material e financeira inerentes ao pedido da equiparação.

Marcado pelas disputas hegemônicas da educação superior entre as elites católicas conservadores e os intelectuais liberais (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000), o Decreto n. 19.851/1931 reafirmou a relação público-privado, com instituições criadas e mantidas pelo poder público e ou fundações ou associações particulares. Por essa razão, destacamos alguns elementos que, a nosso ver, caracterizaram o conteúdo político-ideológico dos instrumentos de controle da educação superior pelo Estado, no quadro 9, a seguir.

Nesse dispositivo, o termo ‘reconhecimento’ aparece treze vezes, superando o que ocorreu no Decreto n. 3.576/1900, que, na ementa de lei, trouxe a expressão de maneira pontual. A partir desse tempo, a palavra ‘reconhecimento’ é usada em referência à validade dos diplomas dos cursos das instituições de educação superior, sejam oficiais ou instituições livres, reforçando essa ação como prerrogativa do Estado desde o Decreto n. 1.159/1892.

Na configuração produzida pelo Decreto n. 20.179/1931, uma inovação ficou por conta da distinção das condições estabelecidas para a obtenção do reconhecimento: quando se tratava de instituições oficiais, o pedido assumia o propósito de equiparação; quando se tratava das instituições livres/privadas, assumia a natureza de inspeção.

A distinção implicava o tempo de apreciação das condições dessas instituições e seus cursos e o número de vezes que era realizada: as mantidas pelos

governos estaduais passavam por uma única etapa anual de verificação pós- equiparação; as instituições privadas, por duas etapas de inspeção, num período de dois anos, quais sejam: preliminar e permanente. No entanto, todos os processos se materializavam pela verificação in loco das exigências do Estado.

A Escola de Farmácia e Odontologia localizada em Uberaba, Minas Gerais, é exemplo de uma instituição que buscou a validação de seus diplomas, submetendo- se ao art. 9º do Decreto n. 20.179/1931 para requerer a inspeção preliminar. Loureiro (2010, p. 116) dá uma noção da efetividade desse marco legal:

O CNE, em sessão de outubro de 1932, discutiu os relatórios e opinou pelo deferimento do pedido e inspeção, desde que a Escola preenchesse os itens 2 e 5 do artigo 8º do Decreto 20.179 de 06/07/31. Em novo relatório o inspetor incumbido de verificação mandou os dados relativamente aos itens solicitados e, em 13/02/33 o Conselho Nacional da Educação votou o parecer nº 31 opinando por unanimidade de votos pelo deferimento do pedido de inspeção preliminar.

Ademais, informações contidas no Relatório do Ministério de Educação e Saúde Pública (1932, p. 24) retratam que o trabalho de inspeção respondeu aos interesses do Estado na função sociopolítica de controle do funcionamento e/ou expansão das instituições de ensino superior, conforme dados a seguir:

Quanto aos estabelecimentos de ensino superior os processos examinados tiveram o resultado seguinte no tocante à inspeção permanente que se referem: adiada, um caso; suspensa, um caso; cassada, dois casos;

negada, um caso. Em relação a dois processos foi pedida visita especial,

havendo ainda um caso de prorrogação de inspeção preliminar. Foram concedidas onze inspeções preliminares a estabelecimentos de ensino superior, dos quais dez após diligências; dez foram negadas e duas adiadas. (Grifos nossos).

Assim, o Estado controlava com rigidez as instituições que se submetiam ao reconhecimento oficial, tanto pela inspeção preliminar como pela permanente. Distintos foram os resultados emitidos nos pareceres do CNE, já que dependiam das condições verificadas pelos inspetores in loco.

Na totalidade da política de reconhecimento, os relatórios continuaram funcionando como instrumentos de formalização dos processos tanto de inspeção como de equiparação, com registros das apreciações das comissões que, in loco, conferiam as condições das instituições mediante as exigências legais do Estado.

Como esses resultados, a decisão em adiar, suspender, cassar e/ou negar as solicitações institucionais exemplificavam, a nosso ver, o posicionamento do Estado perante as instituições e seus cursos que não estavam em conformidade e obediência às regras estabelecidas no ato do pedido de reconhecimento. Assim, o Estado cumpria seu papel de controle no ajustamento entre o que ele prescrevia e o que as instituições realizavam.

Nesses termos, o reconhecimento, ainda assumido como regalia e privilégio concedido pelo Estado às instituições, também se constituía pela possibilidade de ônus, por meio da suspensão e/ou cassação mediante identificadas irregularidades. Com efeito, a formalização acontecia em uma sistemática dual: a suspensão, formalizada por portaria ministerial, e a cassação, por decreto do Poder Executivo. Assim sendo, nas instituições estaduais, essas medidas resultavam de ocorrência de irregularidades verificadas no funcionamento. Além dessas questões, nos institutos particulares, pontuava ainda a não realização do depósito anual para o serviço de inspeção.

É Importante destacar que, no Decreto 20.179/1931, se delinearam com maior precisão os aspectos específicos para fins de reconhecimento de cursos, os quais agrupamos em quatro dimensões: (i) organização didático-pedagógica; (ii) infraestrutura; (iii) corpo docente; (iv) regime de ingresso. As três primeiras dimensões eram requeridas de todas as instituições, independentemente de se mantidas pelo Estado ou privadas. No entanto, o peso da organização didático- pedagógica recaía mais sobre as instituições estatais. Assim, essas instituições e seus cursos eram tomados, compulsoriamente, como modelo de regime escolar, disciplinas obrigatórias, cursos e períodos letivos. Em tal lógica, as instituições mantidas por organizações particulares precisavam igualar-se apenas nas questões do regime didático e escolar. Os demais aspectos listados no quadro 9 não se aplicavam a essa realidade institucional.

A minimização de peso para as instituições livres também se evidenciava na apreciação da infraestrutura. Nesse caso, reduziam-se as exigências com os laboratórios para o funcionamento dos cursos. No entanto, essa situação se inverteu com a dimensão do corpo docente, uma vez que o maior peso incidia sobre os institutos livres, solicitando-se corpo docente idôneo do ponto de vista moral e científico e a existência de concurso após o reconhecimento.

Essas distinções para fins de reconhecimento das instituições e seus cursos, expressas no Decreto 20.179/1931, aparentemente de caráter técnico, afirmaram posições conciliatórias entre os interesses do Estado e das instituições livres, uma vez que, ao facilitar esse processo, o Estado possibilitava a expansão das instituições e cursos pelo setor privado.

Para dirimir as tensões marcadas pela relação público-privado, o Estado também criou mecanismos de favorecimento das instituições mantidas pelos governos estaduais. Para essas instituições, era assegurado, pós-reconhecimento, o direito de autonomia didático-administrativa, bônus esse não destinado às instituições livres.

Sendo prerrogativa do Estado, os processos de reconhecimento das instituições e seus cursos tramitavam por meio de órgãos administrativos, na ordem expressa na figura 2, a seguir:

Figura 2 – Tramitação dos processos de reconhecimento – Decreto n.

20.179/1931

Fonte: Elaborado pela autora com base no Decreto n. 20.179/1931.

Nessa configuração, os processos tramitavam em três etapas, em órgãos administrativos com funções regulatórias específicas, cuja soma de atribuições culminava na decisão de reconhecimento das instituições e seus cursos.

Ainda no contexto do modelo de Estado intervencionista de Getúlio Vargas (1930-1937) e decorrente dos conflitos da relação público-privado, o Decreto n. 23.546/193334 representou uma tentativa do Estado em controlar o acelerado crescimento do número de instituições privadas. Sobre essa questão, é apropriado o 34 A modificação de dispositivos do Decreto n. 20.179/1931 foi resultado, por um lado, da

manifestação do Conselho Nacional de Educação, por outro, para cumprimento do papel da União na observância dos dispositivos legais que regulam o reconhecimento oficial de diplomas para o exercício das profissões liberais (DECRETO n. 20.179/1931).

relato de Sampaio (2000) quando mostra que, em 1933, ano em que inicia no Brasil o levantamento estatístico educacional, existiam 265 estabelecimentos de ensino superior privado, o que representava 64,4% do total de estabelecimentos e 44% do número de matrículas.

Diante de tal realidade, a produção político-ideológica desse conjunto de dispositivos, ainda que sob o discurso de conter o ímpeto privatista, só o favoreceu. Em essência, os processos de equiparação/reconhecimento, bem como os procedimentos de inspeção preliminar e permanente, serviram, entre outros aspectos, para validar a organização e o funcionamento das instituições livres em nome da conciliação dos interesses do Estado e do grupo privatista.

Sob as determinadas condições da ditadura do Estado35 Novo, o controle da educação superior pelo Estado tornou-se cada vez mais rigoroso, notadamente com a criação de mais um ato regulatório: a autorização. Assim, os novos cursos, inclusive nas universidades, eram inicialmente autorizados e depois submetidos ao processo de reconhecimento, conforme conteúdo do Decreto-Lei n. 421/193836 (FÁVERO, 2000; NOGUEIRA; NUNES; BARROSO, 2011; SILVA, 2007).

Nesse decreto, art. 4º, foram estabelecidas as condições para a autorização de funcionamento, assim como para o reconhecimento das instituições e seus cursos – capacidade financeira, organização administrativa, capacidade moral e técnica do corpo docente – e fixado o limite da matrícula, para cada série do curso, em vista da capacidade das instalações disponíveis.

Para fins de autorização, a instituição deveria justificar sua real necessidade, mediante o ponto de vista profissional e cultural da cidade lócus do curso. Essa inovação foi analisada por Silva (2007, p. 129):

Ao tentar romper com o ciclo constante de abertura de cursos de medicina, engenharia e direito, o governo demonstrava, ao menos em lei, pontos relacionados a um planejamento educacional que privilegiava a relação entre a região na qual a IES iria ser instalada e os cursos que seriam abertos, defendendo sob todos os aspectos, a realização de ações que, de fato, levassem ao desenvolvimento local.

35 O Estado Novo foi resultado de um golpe militar deflagrado em 1937, que instalou o regime ditatorial com o governo de Getúlio Vargas, sob a justificativa de manter a ordem institucional, supostamente ameaçada pelos regionalistas, pelas divergências entre os grupos dominantes ligados ao setor agrário e industrial e pelas manifestações das forças de oposição, especialmente o partido comunista.

Os cursos de Direito, Medicina e Engenharia tinham, no ano de 1937, respectivamente, 9.040, 7.285 e 2.597 estudantes matriculados; após a edição do Decreto-Lei n. 421/1938, esses números decresceram para 6.615, 6.033 e 2.297 respectivamente. A decisão de só criar esses cursos em capitais e ou cidades do interior dos estados, consideradas pelo Estado como politicamente importantes, explica essa redução. Ademais, só valorizou a reprodução dos quadros da elite intelectual, na época, a principal beneficiária desses três cursos (NAGLE, 2009).

Por meio desse decreto-lei, o Estado materializou sua posição de estrutura político-administrativa centralizadora, favorecendo a ampliação da educação superior pelo setor privado, pois as instituições e seus cursos passaram a contar com um mecanismo legal de entrada no sistema educacional, como conservou sua minimalista participação nesse nível educacional.

Ainda que o mote do Decreto n. 421/1938 tenha sido a autorização, a vinculação desse ato regulatório com os processos de reconhecimento também foi conteúdo desse documento legal, em seus artigos 6º e 7º. No segundo ano de funcionamento do curso, caso a instituição não o requeresse, o reconhecimento teria efeitos jurídicos, a exemplo da autorização cassada. Para tanto, o Estado designava uma comissão com três membros para minuciosa verificação da organização e funcionamento do estabelecimento.

Nesses dois processos, a verificação in loco só era obrigatória para o reconhecimento (SILVA, 2007). Por isso, na perspectiva do Estado intervencionista, autoritário, a concessão de reconhecimento pautava-se em ações mais restritivas, já que os atores externos à instituição poderiam verificar a adequação e/ou inadequação dos cursos às determinações oficiais37. Ao término do processo de reconhecimento, o Estado não encerrava seu controle na instituição, já que esta poderia ser submetida ao processo de fiscalização.

A par dessas considerações, os efeitos do Decreto n. 421/1938 na política de regulação da regulação superior efetivaram-se (i) pelo modo inaugural na produção da política de regulação via autorização para funcionamento dos cursos e (ii) por confirmar a substituição do termo ‘equiparação’ por ‘reconhecimento’ – ainda que 37 Conforme determinação do Decreto n. 20.179/1931, os cursos mantidos por entidades particulares

que funcionavam sob a prerrogativa da inspeção preliminar também passavam pelo reconhecimento.

essa mudança terminológica não tenha impactado mudanças em termos de valor político e ideológico, contido no Decreto n. 7.247/1879.

Ademais, foi nas condições de materialização do Estado Novo que a relação das universidades com o poder central foi marcada por pressões políticas pela extinção e/ou reestruturação dessas instituições, como atesta o relato de Fávero (2000, p. 95):

A partir de 1937, as pressões políticas sobre as instituições universitárias não apenas alteram os rumos da USP, esvaziando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e fechando a Universidade do Distrito Federal, mas atingem todas as instituições de ensino superior do país, que passam a ser ordenadas por meio de uma legislação imposta de cima para baixo, legislação esta, cuja tônica é a inibição de novas reformulações ou de propostas que escapem ao modelo consagrado pelo Ministério da Educação e Saúde.

É no contexto do Estado Novo que o curso de Pedagogia tem origem. Com a

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