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5. DISCUSSÃO

5.2 ESCALA DE COMPORTAMENTO DOENTIO (SBS) NA AVALIAÇÃO DA SEPSE

A primeira avaliação foi realizada em seis horas após a cirurgia, devido ao processo anestésico utilizado no procedimento cirúrgico. O processo anestésico interfere na movimentação, temperatura e em outras funções fisiológicas. Apesar de o processo anestésico por quetamina e xilasina ter efeito profundo de aproximadamente 45 minutos, somente após seis horas é observada a recuperação total dos animais121.

Em animais sham e também em animais que passaram somente por anestesia, é observada alteração da locomoção dos animais no teste de campo aberto177. Sendo

assim, é fundamental a presença do grupo sham para podermos caracterizar as alterações comportamentais que são derivadas do processo inflamatório cirúrgico e o que são derivadas da indução da sepse.

A partir da determinação do comportamento saudável dos animais, nas avaliações realizadas nos dois dias prévios a sepse, conseguiu-se determinar os níveis basais dos diferentes comportamentos avaliados. E, assim, estabelecer o limite do comportamento saudável, pelo limite do intervalo de confiança da média dos valores de cada experimento. E, consequentemente, pode-se estabelecer a escala de presença ou ausência de comportamento doentio de acordo com as condições do local. Sendo assim, garantindo a reprodutibilidade dos resultados, como se pode observar na avaliação de adipsia que pode haver alteração no consumo saudável entre os experimentos, porém, isso não houve diferença no padrão de consumo após a indução de sepse. Desta forma, tem-se um método de avaliação do comportamento doentio reprodutível. Além disso, com a realização de experimentos independentes foi possível observar que os animais tiveram resultados semelhantes, o que valida das técnicas de avaliação de comportamento doentio, demonstrando que o método possuí boa reprodutibilidade.

Para avaliar se existe uma associação entre as alterações comportamentais e fisiológicas do comportamento doentio e as alterações da BHE devido ao processo inflamatório da sepse foi realizada uma correlação entre os dados. Em relação ao dano a BHE, é bem descrito que o seu ápice ocorre em 24h após a infecção, permitindo que substâncias presentes no sistema circulatório adentrem o SNC de forma mais facilitada178. Para isso, avalio-se a permeabilidade da BHE pela técnica

que utiliza o corante Azul de Evans como indicador de permeabilidade151. Neste

trabalho, foi avaliada a permeabilidade em quatro estruturas encefálicas: amígdala, núcleo accumbens, hipocampo e córtex pré-frontal. Apesar de os animais com sepse apresentarem permeabilidade elevada, comparados aos animais sham, em todas as estruturas, foi observada uma correlação significativa com a pontuação de comportamento doentio, em 24 horas, somente em duas estruturas, amígdala e córtex pré-frontal. A alteração da barreira hematoencefálica é uma das vias de ativação da neuroinflamação na sepse41. Com a ativação de mediadores pró-inflamatórios, como

as citocinas (TNFα, IL-1β e IL-6) e ativação de iNOS, ocorre a produção de MMP que alteram a permeabilidade da BHE, facilitando a entrada destes mediadores inflamatórios para as estruturas do SNC. A administração de inibidores de MMP-2 e MMP-9 demonstrou o envolvimento das MMPs na alteração da permeabilidade da BHE em modelo animal de sepse, promovendo a integridade da BHE52.

Também foi observada uma forte correlação entre a escala de comportamento doentio e os níveis da citocina IL-6 em soro e em líquor dos animais em 24 horas após a sepse. O envolvimento das citocinas pró-inflamatórias como mediadores de comportamento doentio é bem elucidado pelos trabalhos realizados pelo grupo de pesquisa do Dr. Robert Dantzer112,179,180. Os comportamentos de anorexia, letargia e

diminuição de interação social foram observados em 6 horas após a administração IL- 1β sistêmica ou intra-cerebroventricular181. Outro estudo demonstrou o envolvimento

da IL-6 no desenvolvimento de sintomas de comportamento doentio, agindo como mediadora a longo prazo da ativação por LPS e também da IL-1β, por via sistêmica ou diretamente no SNC182.

Além da ação individual de cada uma das citocinas, foi demonstrado a ação sinérgica de TNFα, IL-1β e IL-6 na indução de anorexia, anedonia e no aumento dos níveis de corticosterona183. Sendo o LPS uma endotoxina capaz de ativar a produção

de citocinas pró-inflamatórias, em um estudo realizado foi possível verificar a indução de comportamento doentio de anedonia em 2 horas após a administração de LPS79.

Também foi demonstrado o envolvimento dos receptores TLR-2184, TLR-431e TLR-7185

no desenvolvimento do comportamento doentio.

No modelo animal de sepse induzida por CLP, foi demonstrado que a produção de citocinas TNFα, IL-1β e IL-6 em estruturas do SNC é aumentada em 6 horas após a indução de sepse81. Porém, em 48h após, somente a IL-6 permanece com a

expressão elevada.

A pesquisa em animais é utilizada para a avaliação da fisiopatologia da doença, bem como para a busca de novos alvos terapêuticos186. Assim como nos animais, em

humanos é observada uma correlação entre os níveis séricos de IL-6 e a severidade da sepse187. A avaliação dos níveis de IL-6 no soro de bebês prematuros com suspeita

de sepse demonstrou um melhor, e também mais precoce, poder de diagnóstico que os níveis de proteína C-reativa188.

Em modelo de sepse por CLP demonstrou-se que em 3 horas após a indução é observado um aumento de TNFα, IL-1β e IL-6 em lavado abdominal, soro e no hipotálamo, bem como a alteração da temperatura corporal dos animais189. O

hipotálamo é uma estrutura do SNC que não possui proteção da BHE, sendo assim, mais susceptível a mediadores inflamatórios sistêmicos. Além disso, o hipotálamo é a estrutura cerebral relacionada ao controle de diversas funções fisiológicas, estando

relacionado com o controle de temperatura, sistema nervoso simpático e a resposta ao estresse, compondo o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA)190,191.

As citocinas são capazes de agir na ativação do eixo HPA aumentando a produção de hormônios glicocorticoides192. Em pacientes com sepse, durante a fase

aguda é observado um aumento na ativação do eixo HPA, mas a longo prazo é observada uma diminuição193. Em um estudo recente realizado em pacientes de UTI

onde foram avaliados diversos marcadores sanguíneos, foi possível estabelecer uma correlação positiva entre os níveis de cortisol e a escala SOFA194. O cortisol também

foi correlacionado com a mortalidade e disfunção cerebral em pacientes com sepse e choque séptico195. No presente trabalho observou-se uma correlação positiva entre os

níveis de corticosterona séricos e o comportamento doentio em 24 horas. Em roedores, corticosterona é considerado o principal glicocorticoide envolvido na ativação do eixo HPA, apresentando uma forte correlação com os níveis de cortisol153.

Além disso, os níveis de corticosterona permanecem elevados por mais tempo que o cortisol após um evento estressante, sendo assim, um bom marcador de estresse crônico.

Além dos níveis de corticosterona, avaliou-se o peso da glândula adrenal, como indicador da ativação do eixo HPA, que também apresentou uma associação positiva com o comportamento doentio. Realizou-se também uma correlação entre esses dois marcadores e observou-se uma correlação positiva, corroborando a literatura, que a hipertrofia da adrenal está diretamente relacionada ao aumento da produção de corticosterona196. Outros estudos também demonstraram que animais

com sepse apresentam aumento dos níveis de corticosterona, ACTH e peso da adrenal, porém, sem avaliar a correlação entre eles102,125. Adicionalmente, a

administração de dexametasona, hormônio corticoide de ação anti-inflamatória, é capaz de reverter esses parâmetros125.

Com a finalidade de estabelecer a associação entre comportamento doentio e os danos oxidativos causados pela neuroinflamação avaliou-se no SNC os níveis de NN, dano aos lipídeos por TBARS e dano as proteínas carboniladas. Foi possível estabelecer uma correlação positiva entre os níveis de NN nas estruturas amígdala e núcleo accumbens, níveis de dano aos lipídeos em córtex pré-frontal, e níveis de dano às proteínas em amígdala.

Nitrito e nitrato são metabólitos estáveis do óxido nítrico, sendo marcadores indicativos da ativação da enzima iNOS, que por sua vez, é um dos mecanismos

ativados pelo NF-κB durante o processo inflamatório67. Em altos níveis, como na

sepse, causa dano oxidativo, estando associado a dano orgânico e a alterações no SNC68. A administração de substâncias antioxidantes no tratamento da sepse é capaz

de diminuir os níveis de NN, bem como os danos causados pelo estresse oxidativo64,197. Estudos realizados por este grupo de pesquisa, mostraram que os

animais com sepse, em 24h, apresentam níveis elevados de NN e dano oxidativo em diferentes estruturas cerebrais, e que a administração de dimetil fumarato, um inibidor do NF-κB, é capaz de reduzir essas alterações, bem como atenuar o dano cognitivo associado a sepse198.

Apesar de estudos demonstrarem que o hipocampo é uma das estruturas mais susceptíveis ao dano oxidativo, não foi observada uma associação entre o dano oxidativo agudo no hipocampo e a pontuação de comportamento doentio, embora o hipocampo seja a estrutura encefálica responsável pela memória e também fazendo parte do sistema límbico199. Pacientes com encefalopatia associada a sepse

apresentam atrofia hipocampal, bem como dano a memória mesmo após a alta hospitalar89.

Dentre as estruturas analisadas, a amígdala apresentou associação com o comportamento doentio e os níveis de NN e dano às proteínas. A amígdala faz parte do sistema límbico do SNC, responsável pelas emoções, prazer, medo, recompensa e comportamentos sociais. Em um estudo realizado em idosos foi possível estabelecer associação entre demência e atrofia amígdalar e hipocampal200. Alterações

amígdalares também são associadas ao comportamento de anedonia129.

As estruturas núcleo accumbens e córtex pré-frontal apresentaram, cada uma, uma associação também. O núcleo accumbens é uma estrutura responsável pela ao sistema de recompensa, estando envolvido na comunicação entre outras estruturas cerebrais e na modulação extracelular de GABA129. O córtex pré-frontal está

relacionado ao comportamento social, cognitivo e, também, está associado a atividade do eixo HPA72.

5.3 ESCALA DE COMPORTAMENTO DOENTIO (SBS) NA AVALIAÇÃO DA SEPSE A LONGO PRAZO

Aos realizar três experimentos independentes para avaliação a longo prazo do comportamento doentio e os danos devido a sepse, pode-se validar a escala de SBS.

Deste modo, observou-se o mesmo padrão de desenvolvimento do comportamento doentio dos animais.

Os níveis de IL-6 no líquor apresentaram uma forte correlação com o comportamento doentio crônico, demonstrando que os animais com maior pontuação SBS ainda apresentavam processo de neuroinflamação ativo. Sendo as citocinas um dos principais mediadores inflamatórios na sepse, assim pode-se estabelecer uma associação entre os níveis de neuroinflamação e o comportamento doentio dos animais a longo prazo. No estudo de Biff et al80 foram avaliadas citocinas e dano

oxidativo no líquor de ratos após CLP e foi possível estabelecer uma associação entre esses marcadores na fase aguda com o desempenho nos testes comportamentais a longo prazo, 30 dias. Os animais que mantiveram níveis elevados de citocinas pró- inflamatórias no líquor, em 24 horas, apresentaram um pior desemprenho no teste de esquiva inibitória. Em camundongos knockout para IL-6, os animais apresentaram menos sintomas de anedonia e de depressão comparados aos normais, demonstrando o envolvimento da citocina nessas alterações comportamentais201.

A elevação de IL-6 no SNC é capaz de ativar a produção de corticosterona e induzir alteração na temperatura dos animais; e quando associada a IL-1, é capaz de induzir comportamento doentio202. Observou-se, também, uma associação entre o

comportamento doentio a longo prazo e os níveis de corticosterona no soro dos animais 10 dias após a sepse. Assim, pode-se sugerir que o processo neuroinflamatório que permanece a longo prazo está associado a ativação do eixo HPA e não com o processo inflamatório sistêmico derivado do local da infecção, já que os níveis de IL-6 em soro não apresentaram correlação.

Dentre os marcadores de estresse oxidativo analisados nas estruturas cerebrais, somente os níveis de NN em amígdala apresentaram associação com SBS a longo prazo, corroborando que os animais com pontuação mais elevada de SBS ao longo dos dias permanecem com processo neuroinflamatório ativo. Assim, justificando o comportamento de anedonia persistente nos animais, visto que a amígdala está relacionada a tal comportamento129.

A neuroinflamação persistente após a sepse está associada a baixos níveis de BDNF e dano cognitivo80. O BDNF age na neurogênese e na ramificação neuronal

estando associado a consolidação da memória203. Baixos níveis de BDNF estão

associados a níveis mais elevados de estresse oxidativo e inflamação em pacientes após acidente vascular cerebral204. Neste estudo, observou-se uma correlação

negativa entre os níveis de BDNF em núcleo accumbens e a pontuação de SBS a longo prazo, estando de acordo com a literatura80.

Dentre as avaliações de dano cognitivo realizadas, duas apresentaram associação com comportamento doentio, sendo elas a memória espacial e a depressão. Estudo anteriores deste grupo de pesquisa tem mostrado a associação entre neuroinflamação e dano cognitivo a memória198,205. A neuroinflamação crônica

vem sendo apontada como uma das possíveis causas da depressão, sugerindo inclusive, que o comportamento doentio seria um primeiro estágio de depressão106.

Dentre os componentes do comportamento doentio pode-se destacar a anedonia, que é perda da capacidade de sentir prazer, que aqui foi persistente até o último dia de avaliação dos animais. Assim, sugere-se que a persistência de comportamento doentio está associada ao comportamento do tipo depressivo a longo prazo. Outras doenças psiquiátricas, como esquizofrenia e transtornos de humor, também demonstram em associação entre anedonia e marcadores inflamatórios90,206–208.

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