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5 COGNIÇÃO, EMOÇÕES E MOTIVAÇÃO

5.2 Escala de emoções

Em artigo no qual alertam para a falta de pesquisas sobre o papel desempenhado pelas emoções no comportamento das pessoas em relação ao uso do computador, e com o objetivo de “medir” emoções relacionadas à aprendizagem de novos softwares, Kay e Loverock (2005) propõem construir uma “escala de emoções”. O argumento dos autores é o de que com a crescente presença dos computadores na sociedade em geral não é incomum para usuários passar por reações emocionais tais como raiva, desespero, ansiedade ou alívio em sua relação com o computador. Afirmam que são poucas as pesquisas feitas examinando o amplo leque de emoções que pode influenciar nas maneiras como as pessoas aprendem e operam usando computadores e, por essa razão, o que eles pretendem é construir uma escala confiável (fidedigna e válida) para avaliar emoções-chave associadas a essa situação.

Com esse intuito, recorrem a teóricos das emoções (Ekman, James, Oatley & Johnson-Laird) e defendem que, independentemente do debate sobre o que constitui uma “emoção básica”, existem pelo menos quatro emoções básicas: raiva, contentamento, tristeza e ansiedade. Considerando que as poucas pesquisas que tratam da influência do estado emocional no comportamento humano, em relação ao uso do

computador, estão extensivamente focadas na influência da ansiedade, o que os pesquisadores pretendem é desenvolver um instrumento mais abrangente; de fato, os objetivos com o trabalho são mais ambiciosos - eles querem não só construir a escala, mas utilizá-la para fazer inferências; daí o nosso interesse maior em conhecer a escala e mesmo a possibilidade de utilizá-la em nossa pesquisa.

Citando ainda teóricos das emoções (Frijda, Garner), os autores afirmam que “enquanto a pesquisa em emoção e em cognição informal (no dia-a-dia) tem se desenvolvido, o papel da emoção na aprendizagem formal tem sido enormemente ignorado.” (KAY & LOVEROCK, 2008, p.1606). Afirmam, a seguir, que o cresci- mento dos estudos sobre emoções e aprendizagem tem criado um debate sobre se e como emoção e cognição se relacionam e que, cientes das diversas visões, assumem a perspectiva de que emoção e cognição interligam-se de alguma forma; o que justificaria, mais uma vez, a criação de um instrumento para a medida das emoções básicas.

Para o estudo, os pesquisadores utilizaram uma amostra de 184 professores em pré-serviço (123 homens, 61 mulheres; idade variando entre 23 e 58 anos, média de 33 anos; todos relatando 10 anos ou mais de uso do computador) e com baixos escores em uma avaliação sobre habilidade no uso do computador (Computer Knowledge Scale = CKS). Nessa escala - com 77 itens formando 9 subscalas ou fatores que indicam conhecimento do computador - as únicas subscalas em que os pesquisados saíram-se bem foram “processador de texto” e “programa de consulta” (spreadsheet). De acordo com os autores, os sujeitos da pesquisa (matriculados em um curso de Bacharelado em Educação de oito meses, com foco em Ciência da Computação, Matemática e Ciências) foram avisados dos objetivos da atividade e todos assinaram termo de consentimento para participar do estudo.

A escala emocional, que foi denominada CES (Computer Emotion Scale) consiste de 12 itens25 (satisfeito, desanimado, ansioso, irritado, excitado, deprimido, inseguro, frustrado, curioso, impotente, nervoso, enraivecido) que seriam os indicadores das quatro emoções, distribuídos de acordo com o quadro 5.1 (p.81).

25 As conhecidas dificuldades de tradução nos pareceram maiores no caso das emoções, uma vez que são

muitos os sinônimos e as sutilezas semânticas. Para chegar a estes nomes, pedimos ajuda a uma tradutora, recorremos ao Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos e, em seguida, buscamos consenso entre dois pesquisadores.

Quadro 5.1 - Descritores das emoções

Emoção básica Descritores

Contentamento Satisfeito Excitado Curioso Tristeza Desanimado Deprimido Ansiedade Ansioso Inseguro Impotente Nervoso Raiva Irritado Frustrado Enraivecido

Para definir os indicadores, os autores fizeram revisão cuidadosa das pesquisas, em que foram encontrados 590 nomes de emoções: a seleção dos “nomes de emoções apropriados para as categorias emocionais apropriadas foi feita por dois avaliadores, que chegaram a um acordo de 100%.” (KAY & LOVEROCK, 2008, p.1616).

Buscando corroborar a validade preditiva da escala, os autores aplicaram-na para verificar correlações entre variáveis de natureza cognitiva na relação com o computador; para isso, além das duas escalas citadas (CES, CKS), utilizaram mais duas escalas: “atitude em relação ao computador” (Teacher Computer Attitude Scale = TCAS), com quatro construtos teóricos distintos (cognitivo, afetivo, comportamental e auto-eficácia) baseados em 25 itens de uma escala de atitudes e “utilização do computador” (Teacher Computer Use Scale = TCUS), escala de 47 itens medindo

quatro categorias de uso (software básico, software avançado, colaboração e uso social), todas as escalas com estrutura validada por análise fatorial26.

Segundo os autores, escalas de medida de habilidade no uso do computador já existiam: a criação de uma nova escala tornou-se necessária “(...) porque a maioria dos instrumentos existentes não relatava fidedignidade ou validade estatística. (...)... a estimativa de fidedignidade da CKS foi alta variando de 0,92 a 0,98.” (KAY & LOVEROCK, 2008, p.1610). Também no caso das medidas de utilização do computador, a decisão de desenvolver uma nova escala deveu-se ao fato de as escalas existentes apresentarem um foco muito restrito, ou não explicitarem estimativas de fidedignidade. Para a TCUS, as estimativas de consistência interna - para as quatro categorias - variaram de 0,69 (software básico) a 0,91 (software avançado), aceitáveis para os objetivos do trabalho.

As quatro escalas foram aplicadas on-line em dois momentos, uma aplicação no início e a outra no final do ano letivo; de acordo com os autores, para completar as quatro escalas, cada sujeito levava em média 20 a 25 minutos.

Apresentamos, a seguir, alguns dos resultados importantes, principalmente em relação à utilização em nosso trabalho, com destaque especial para a validade da escala. Para verificar sua confiabilidade, os autores fizeram uma série de análises para avaliar a fidedignidade e a validade; entre outras: as estimativas de consistência interna e análise fatorial. Os quatro construtos emocionais apresentaram estimativas moderadas (variando de 0,65 a 0,73) de consistência interna, aceitáveis para pesquisas em ciências sociais e indicando bom índice de fidedignidade; a análise fatorial aplicada revelou quatro fatores distintos: correspondendo às expectativas dos pesquisadores, a confia - bilidade da escala está garantida.

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A análise fatorial é uma técnica estatística cujo objetivo principal é explicar a correlação entre um conjunto de variáveis, em termos de um número limitado de variáveis não-observáveis, chamadas “fatores”. Como exemplo, em um conjunto de mais de vinte questões para avaliar a atitude dos alunos em relação à Física, encontramos dois fatores: “importância da Física” e “gosto pela Física”. No caso da CES, doze itens (indicadores) representam quatro fatores (categorias). A análise fatorial será mais uma das ferramentas estatísticas utilizadas neste trabalho.

No entanto, alertam os pesquisadores, algumas exceções foram observadas: “desamparado”, que se previa com carga maior no fator tristeza, apareceu agrupado como descritor de ansiedade; “frustrado” apareceu dividido, como descritor de ansiedade e raiva; o mesmo ocorrendo com “impotente”, que teve carga semelhante em tristeza e raiva. Uma observação feita pelos autores é a de que as cargas menores nos indicadores de tristeza podem ser conseqüências do seu pequeno número (apenas dois); propõem, pois, que um aumento no número de indicadores para cada “emoção básica” talvez possa contribuir para uma maior confiabilidade. Em função disso, sugerem a realização de outras pesquisas para aprimorar a escala.

Outros resultados importantes foram relatados. Após os oito meses do curso, os sujeitos relataram significativa diminuição na ansiedade e raiva durante a aprendizagem de softwares; além disso, o contentamento aumentou e a tristeza diminuiu. Relatam, também, correlações significativas entre os construtos emocionais e os relacionados ao conhecimento do computador: “emoções negativas correlacionam-se negativamente com habilidade, enquanto a única emoção positiva, contentamento, mostrou correlação positiva.” (KAY & LOVEROCK, 2008, p.1614).

Encerrando este relato, citamos duas “descobertas” feitas pelos pesquisadores, ao buscar correlações entre mudança no estado emocional do sujeito e mudança nos seus conhecimentos sobre computadores. Primeiro, o aumento no contentamento expressado durante a aprendizagem mostrou correlação com o aumento em oito das nove habilidades medidas no CKS; segundo, diminuição na ansiedade correlacionou-se significativamente com o aumento em sete daqueles nove construtos.