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De acordo com Ekman (2007), como foi dito, conhecemos menos sobre as emoções agradáveis que sobre as emoções inquietadoras, pois as pesquisas até então, incluindo as dele, têm sido focadas nas emoções que “causam problemas aos outros e a nós próprios. Como resultado, sabemos mais sobre desordens mentais do que sobre saúde mental. Isto está mudando agora, com a ênfase nas chamadas emoções positivas.” (EKMAN, 2007, p.191). Neste contexto é que surge a Psicologia Positiva, emergente ramo da ciência psicológica que, na contramão dos estudos tradicionais, busca entender o papel das emoções positivas na qualidade de vida dos indivíduos. Um conceito que se destaca, no novo tratamento, é a resiliência (termo emprestado da Física, como sinônimo de elasticidade) e é aquilo que o indivíduo apresenta ao lidar com as emoções; é uma capacidade de adaptação ou recuperação, uma forma de lidar com as situações que propicie a superação de realidades negativas ou a construção de realidades positivas.

Buscando reforçar a importância da Psicologia Positiva, assumida como missão de entender e fomentar melhor os fatores que levam indivíduos, comunidades e sociedade para um melhor desenvolvimento (flourishing), Fredrickson (2001) propõe uma nova perspectiva teórica, que ela denomina “Teoria do ampliar-e-construir das emoções positivas” (Broaden-and-Build), cujo objetivo é compreender o papel das emoções positivas, nesta missão. Nesta perspectiva, o termo ampliar refere-se ao fato de experiências de emoções positivas efetivamente ampliarem os repertórios de ação momentânea do pensamento nas pessoas, o que por sua vez ajuda a construir os recursos pessoais duradouros, variando dos recursos físicos e intelectuais aos sociais e psicológicos. A teoria e dados empíricos de suas e outras pesquisas sugerem que a capacidade humana de experimentar emoções positivas pode constituir-se em uma força poderosa, central para o estudo do desenvolvimento humano.

De acordo com a psicóloga estadunidense “(...) emoções positivas sinalizam desenvolvimento. Mas esta não é a história completa: emoções positivas produzem

desenvolvimento. Mais ainda, isso ocorre não só no momento presente, mas ao longo do tempo.” (FREDRICKSON, 2001, p.218). A mensagem que fica é a de que as emoções positivas têm mais valor do que os efeitos do momento; elas podem ser meios para o crescimento psicológico e o aumento do bem estar futuros. A idéia do modelo é a de capturar os efeitos singulares de cada emoção positiva: a autora considera que certas emoções positivas discretas - alegria, contentamento, interesse, orgulho, amor - apesar de fenomenologicamente distintas, compartilham a capacidade de ampliar atos de pensamento. Nesta perspectiva, a nova teoria vai além dos estudos tradicionais, muito baseados nas tendências de ação específica, que funcionam bem quando se trata de estudar emoções negativas (com tendências de ação mais evidentes) e que devem ser mantidas para o estudo daquele subconjunto de emoções. Afinal, foi graças a essas tendências de ação, rápidas e decisivas, principalmente nos momentos de ameaça, que os nossos ancestrais puderam sobreviver.

O que a autora parece salientar - na perspectiva das emoções específicas - é que as tendências de ação representam outra maneira de distinguir emoções negativas e positivas. Essas tendências andam lado a lado com mudanças fisiológicas associadas: por exemplo, o ímpeto para a fuga, experimentado por uma pessoa com medo, prepara o corpo desta pessoa para a possibilidade de escapar e constitui, assim, um indicador confiável da existência da emoção. No entanto, essas tendências de ação, bastante explícitas nas emoções negativas, se também ocorrem nas emoções positivas, são mais difusas; tendências de ação identificadas para emoções positivas são notavelmente vagas: alegria, por exemplo, propõe a autora, tem sido relacionada com falta de objetivo; interesse, com atenção; contentamento, com inatividade. Dessa forma, as emoções positivas - com seus indicadores pouco específicos - parecem ter contribuído pouco para a sobrevivência da espécie; além disso, uma visão centrada nas “tendências de ação” propicia uma análise incompleta do papel das emoções positivas. Nessa perspectiva, ela afirma que, a fim de avançar o entendimento nessa área, “eu formulei um novo modelo teórico que melhor capture os efeitos singulares das emoções positivas.” (FREDRICKSON, 2001, p.219).

Outro destaque feito por esta psicóloga é que apesar de emoções positivas ocorrerem também em condições adversas (um caso notável será apresentado à frente), contextos típicos para o seu aparecimento não são as situações de risco ou ameaça de

vida; dessa forma, o processo psicológico que estreita o repertório de ações de pensamento momentâneas pode não ser necessário. Em vez disso, ela defende que as emoções positivas apresentam um efeito complementar: elas estendem os repertórios de ações de pensamento momentâneas, ampliando o conjunto de ações e pensamentos que chegam à mente. A alegria, por exemplo, estende este conjunto no sentido de impulso para o lúdico, aumento dos limites, da criatividade; o interesse cria o impulso para a exploração, a busca de novas informações e experiências, expande o sentido de self; o contentamento cria o impulso para o aproveitamento, o saborear das circunstâncias da vida, integrando essas circunstâncias em um novo olhar sobre si mesmo e sobre o mundo; o orgulho, emoção que decorre de conquistas pessoais, estende no sentido de compartilhar, com outros, novidades da conquista e antever grandes feitos no futuro. O amor, considerado pela autora como um amálgama de diferentes emoções positivas (e.g., alegria, interesse, contentamento), sendo experimentado em contexto de segurança e proximidade relacional, cria recorrentes ciclos de impulsos para os atos de brincar, de explorar, de saborear novas experiências entre os enamorados.

A pesquisadora destaca ainda um “efeito desfazedor” que as emoções positivas apresentam sobre as negativas e que contribui para melhorar a resiliência das pessoas: “evidências do efeito desfazedor das emoções positivas sugerem que as pessoas podem melhorar seu bem estar psicológico, e talvez sua saúde física, pelo cultivo de emoções positivas como instância oportuna para lidar com emoções negativas.” (FREDRICKSON, 2001, p.222). Relata-se o fato de que pessoas que souberam encontrar significados positivos em situações de perdas dolorosas ficaram mais propensas a desenvolverem planos e objetivos de longo prazo e que a relação entre a atribuição de significados positivos às situações e as emoções positivas formam uma relação recíproca, não apenas o significado positivo dispara emoções positivas como as emoções positivas contribuem para a atribuição de significado positivo às situações.

Segundo a autora, a literatura sobre depressão tem documentado uma espiral

descendente, em que o estado depressivo e o pensamento pessimista que ele engendra,

se influenciando reciprocamente ao longo do tempo, tornam pior o quadro depressivo. De forma comparada e, baseada em dados de pesquisa, ela propõe uma espiral

A teoria do ampliar-e-construir prediz uma comparável espiral ascendente em que emoções positivas e o pensamento ampliado que elas engendram também se influenciam reciprocamente, levando a um crescente bem-estar ao longo do tempo. Emoções positivas podem disparar essas espirais ascendentes, em parte pela construção de resiliência e influência nas maneiras como as pessoas lidam com a adversidade. (FREDRICKSON, 2001, p.223).

Como referência para os estudos da Psicologia Positiva no Brasil, consideramos o trabalho de Graziano (2005), tese de doutorado em que a autora pesquisa o bem-estar- subjetivo nesta nova visão. Segundo a pesquisadora, pautados no modelo médico, os estudos da psicologia até recentemente vinham sendo dedicados, em geral, às disfunções; deu-se, até então, mais atenção aos aspectos problemáticos que às potencialidades humanas e temas como o da felicidade, por exemplo, eram ocupados pela chamada literatura de auto-ajuda. Na nova perspectiva, segundo a psicóloga paulistana, o que se busca é a compreensão da felicidade humana a partir de uma abordagem científica; o que sua pesquisa procura é “(...) a construção de um corpo teórico consistente sobre o tema e capaz de auxiliar no desenvolvimento de programas de saúde mental e de caráter preventivo.” (GRAZIANO, 2005, p.13). O trabalho investigou a relação entre felicidade e lócus de controle numa amostra de 106 sujeitos universitários, sendo utilizados para análise a Correlação de Spearman e o Teste de Kruskal-Wallis17. Os resultados indicaram que quanto maior o lócus de controle interno dos sujeitos pesquisados, maiores também seus níveis de felicidade.

Aspecto para nós bastante interessante do trabalho é o resgate que autora faz do contexto em que surge a Psicologia Positiva, seus principais fundadores e seu escopo:

Para Sheldon & King (2001) trata-se do estudo científico das forças e virtudes próprias do indivíduo, que faz com que os psicólogos adotem uma postura mais apreciativa em relação ao potencial, motivação e capacidades humanas. Para Seligman (2004), trata-se do estudo de sentimentos, emoções, instituições e comportamentos positivos que têm como objetivo final a promoção da felicidade humana. (GRAZIANO, 2005, p.25).

Um destaque que fazemos do trabalho é a escolha dos indicadores de bem-estar- subjetivo, que a autora considera como sinônimo de felicidade: satisfação com a vida;

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O coeficiente ρ de Spearman é o equivalente não-paramétrico para o r de Pearson, mede a intensidade da relação entre variáveis ordinais; o teste de Kruskal-Wallis é o equivalente não-paramétrico para a ANOVA (análise da variância). Os testes não-paramétricos prescindem da hipótese de normalidade.

satisfação com áreas importantes; emoções positivas e baixos níveis de emoções negativas. Outros destaques: a distinção entre o bem-estar momentâneo e o de longo prazo; a comparação entre prazer e gratificação; a distinção entre prazeres físicos e prazeres maiores; os níveis de intensidade do prazer; os conceitos de self e consciência, para a Psicologia Positiva; o caráter, a virtude, a personalidade e as forças pessoais; a resiliência; o lócus de controle.

Dois registros, acreditamos, são importantes de se fazer: primeiro, o fato relatado pela pesquisadora sobre um sujeito - estudo de caso de sua pesquisa de mestrado18 - que ao descobrir-se soropositivo (AIDS) descobriu também a sua emancipação: era como se ao vislumbrar a morte, o indivíduo descobrisse o verdadeiro valor da vida. “Naquela época, não conhecia os estudos sobre resiliência muito menos ouvira falar sobre a Psicologia Positiva, que então nascia.” (GRAZIANO, 2005, p.16). Tentando entender como a AIDS, em vez de cumprir a profecia de devastar a vida emocional dos pacientes, em alguns casos, impulsionava sua emancipação, o que ela pretendia, sem querer generalizar qualquer resultado, era mostrar que aquilo era possível; o que inferimos é que na idéia do enfrentamento de Lazarus já existia a idéia de resiliência. O outro registro que destacamos é sobre o próprio resultado da pesquisa: um valor maior no lócus de controle interno dos sujeitos tem a ver com autonomia, um dos fatores da motivação na Teoria da Autodeterminação de Ryan & Deci (2000).

3.8 Emoções positivas na Educação

Um artigo que chamou nossa atenção, no campo da Psicologia Positiva aplicada à Educação, foi o relato da pesquisa de campo em que Buff et al. (2010) investigam a ativação de afetos positivos em estudantes em um curso de Matemática, os antecedentes dessas experiências, suas conseqüências cognitivas e motivacionais, bem como seus efeitos sobre o aprendizado. Os autores consideram o afeto como um termo mais geral que inclui emoções e humores e afirmam, no artigo, que o seu foco é sobre uma forma específica de afeto positivo, que eles denominam ativação de experiências afetivas

positivas. Citando outros autores, por exemplo, Pekrun et al. (2002), assumem que tais

18 GRAZIANO, L. D. Vitor e sua Vitória: A construção da identidade de um militante através da AIDS.