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Aparentemente, o alongamento da escolarização surge como uma tábua salvadora para os problemas do campo. De um lado, os filhos em busca de uma vida melhor na cidade, enquanto que, por outro lado, nada se resolve, não há possibilidade de trabalho para todos na cidade e o conhecimento adquirido na escola formal não serve para mudar a realidade do campo.

Assim, alongar os estudos se apresenta como a forma moderna na educação. No entanto, o conteúdo não condiz com as necessidades do homem do campo, pelo contrário, condiz com as necessidades do capital de atender às indústrias, aos setores de serviços, ainda que haja uma redução no número de fábricas, o que denota a contradição em processo criada pelo movimento do capital.

Segundo Figueira (1995), o processo de educação é algo mais amplo do que a atividade da escola propriamente dita, algo que lança novas luzes sobre a função ordenadora e sistematizadora da escola. Desse modo, o homem como ser social, estabelece relações com uma determinada sociedade num determinado momento histórico, onde a escola é uma instituição que compõe esta sociedade. Para o autor, “a nova sociedade ainda não tem, e nem pode ter, a escola condizente com os novos ditames e valores sociais. Tudo que os mestres sabem se ordena ainda segundo a velha ordem social. Está, portanto, posta a questão que consiste em saber o que se deve e como se deve ensinar” (1995, p.12).

O processo educativo não é, nesse sentido, um apêndice mais ou menos inútil de que a sociedade pode prescindir. Ao contrário, a educação, segundo Figueira, é algo tão visceral que a sociedade humana não poderia ter este seu atributo essencial, que é o de ser humana, se tal componente não fizesse parte dela (1995, p. 14). Cada determinada época histórica ensina a partir das relações sociais constituídas, ou seja, ensina a partir de modo determinado, social, para atender às necessidades do movimento do capital.

Ainda nessa direção, Martins (1980) entende o modo capitalista de produção na concepção clássica, isto é, como modo capitalista de pensar enquanto modo de produção de idéias necessárias83 à reprodução do próprio capitalismo. Por conseguinte, define a produção de diferentes modalidades de idéias necessárias ao modo de produção e reprodução desse sistema à re-elaboração de suas bases de sustentação ideológicas e sociais.

83 A padronização, especialização, sincronização, centralização e maximização deram sustentação e estruturaram

a organização da produção da distribuição da riqueza social, extrapolaram a esfera da produção e invadiram todas as outras esferas da vida social. Francisco Teixeira, 1996.

Mészáros (2005) vai além e complementa que, no atual modo de produção capitalista, a educação tornou-se uma mercadoria que representa o mecanismo perpétuo de reprodução desse sistema, fornecendo os conhecimentos necessários para a maquinaria produtiva em expansão, transmitindo um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, ou seja, tornou-se 'peça' chave do processo de acumulação do capital.

Marx e Engels (1846), em seus escritos, já apontavam que os pensamentos, os conceitos, as representações, são considerados produtos da consciência. Assim, a consciência também é produzida, gerada pelas contradições da sociedade capitalista de produção.

De acordo com a exposição dos autores supracitados, entendemos que a escola rural está totalmente voltada para incorporar as tendências do espaço urbano, de acordo com a lógica do mercado, ou seja, é a contradição em processo, não há uma educação do campo com vistas a envolver a comunidade, de estudar a produção da vida do campo, suas transformações, sua história, seu cotidiano.

Outro fator importante que contribuiu com a situação de abandono do campo é a questão da nucleação84 ou fechamento das escolas no espaço rural. Vendramini (2004) aponta que a situação de deslocar as crianças do espaço rural para escolas mais amplas, geralmente próximas de perímetros urbanos, enfraquece ainda mais as comunidades locais e sua capacidade de coesão, quando perdem um elo importante de articulação que é a escola da sua comunidade, ou seja, o seu espaço social. Um exemplo é a neta da Dona Hilda, de 11 anos, que está na 6ª série, mas diz não gostar da escola85. No entanto os pais deixam a critério dos filhos decidirem pela opção de continuar os estudos, mas acreditam que hoje, diante das “necessidades” em aplicar “novas” tecnologias, seria necessário no mínimo a conclusão do ensino fundamental.

Nesse contexto, percebe-se que a fragmentação da educação rural em deslocar filhos de agricultores familiares para escolas nucleadas, desde as séries iniciais, é um pressuposto para fragmentar qualquer forma de organização coletiva, pois se perdem as referências do rural, da cultura, enfim, perdem sua história.

84 Refere-se ao processo de agrupamento de escolas no campo, ou seja, com o objetivo de racionalizar a estrutura

e a organização de pequenas escolas rurais, que contam com um pequeno número de alunos em classes multisseriadas. Esse projeto contribui de forma incisiva em deslocar as crianças para fora do seu espaço que é o meio rural, o seu modo de vida no campo, a educação sobre o espaço onde está inserida sua produção de vida.

85 A escola em que estuda fica num perímetro que é uma pequena vila, para onde foram transferidos os alunos

das escolas rurais após a nucleação. A escola que fechou ficava a 300 metros de sua casa. Outra observação que sua mãe coloca é que antes as duas professoras eram conhecidas, ou seja, moravam próximo à escola, e agora as professoras vêm da cidade, e a menina não gosta porque quando ocorre alguma bagunça, onde ela não tem nada a ver, acaba ficando junto no castigo (Família Scherverske).

Uma análise de Castro, das relações entre educação, qualificação e emprego no capitalismo globalizado conclui que

cria-se uma situação paradoxal: a mesma população que segundo as estatísticas oficiais, teria atingido níveis de escolarização mais elevados que no passado, sofre as conseqüências do crescente desemprego e subemprego, indicadores claros da desvalorização capitalista do trabalho manual e intelectual, acelerada pela furiosa ofensiva neoliberal contra os direitos sociais (2004, p. 83).

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Autores como Frigotto (1999) e Mészáros (2002) também trabalham nessa perspectiva dialética de perceber o que vem acontecendo no trabalho e na educação, à medida que se aumenta a escolarização, mas, em contraposição, o trabalho encontra-se cada vez mais precarizado, e não absorve toda a população.

Acerca desse aspecto, Pochmann (1999) salienta que no Brasil há a predominância, nas últimas décadas, de uma clara tendência à redução do assalariamento "com carteira assinada" e ao aumento do desemprego e das ocupações "sem carteira assinada", que constituem as estratégias de reestruturação capitalista de produção. Os efeitos sobre o mundo do trabalho, caracterizam-se através da subcontratação de trabalhadores, investimentos em tecnologias, novas relações de produção: terceirização e parcerias, mudanças no sistema de relações de trabalho, incentivos monetários para atingir a meta de produção, perdas de vantagens sociais relacionadas diretamente à produtividade, competitividade e redução no emprego formal.

As implicações da precarização do trabalho, como mostra Pochmann (1999), modificam o trabalho na produção, reduzindo o quadro de pessoal pela substituição por investimentos em tecnologia, modificando a natureza do trabalho com a redução do trabalho manual para atividades múltiplas. Assim, as habilidades tornam-se rapidamente obsoletas, fazendo crescer o individualismo, ou seja, cria-se um "novo" homem para apreender o que não é apreensível, pois, na medida em que é novo, já é velho; é o movimento que valoriza o capital.

Essas profundas contradições e dilemas enfrentados pela escola face às profundas transformações na nova base técnica e organizativa dos trabalhos, são levantadas por Fiod (2005). De acordo com a autora, a articulação entre trabalho-educação traz à reflexão uma das questões mais complexas que precisa ser enfrentada pela humanidade: “a de saber o que fará com as pessoas escolarizadas, e, também, com as não-escolarizadas que estão sendo expulsas do mundo do trabalho”. Ou seja, a escola se move em meio a essa contradição histórica.

Essa situação permite afirmar que a estratégia do alongamento da escolarização dos filhos de agricultores familiares contribui para o “estacionamento de desempregados” num momento em que o trabalho se constitui a partir do avanço da precarização total do trabalho, contribuindo assim com a expansão do exército industrial de reserva.

Desse modo, torna-se cada vez maior a contradição entre o trabalho como meio de satisfação das necessidades sociais coletivas e meio de subsistência individual, o que faz crescer os requisitos de qualificação para o trabalho, quando, na verdade, a qualificação não é certeza de alguma atividade laboral, pois a maior parte dos postos de trabalho que se abrem não requerem qualificação para a sua execução. Não obstante, cria-se também a constante necessidade de qualificação profissional para o trabalho quando não há trabalho; é a contradição em processo, ativado pelo capital na sua constante busca por valorização.

Os reflexos dessas mudanças na reestruturação do trabalho em geral culminam concomitantemente nas estratégias adotadas pelos agricultores familiares em alongar a escolarização dos filhos, que são medidas individuais e que não chegam à raiz do problema social, que é gerado pela contradição do modo capitalista de produção que denota um movimento de centralização do capital na cidade, bem como um movimento de centralização do capital no campo.

Zago apresenta os resultados de pesquisa86 nos níveis de ensino Fundamental e Médio, salientando que “o reconhecimento da educação escolar como requisito básico para responder às exigências do mercado de trabalho e, sobretudo, como possibilidade de romper com as condições de pobreza familiar, é variável, colocada pelos pais de forma recorrente, independente das diferenças internas do grupo estudado (2000, p. 23)”.

O que se percebe nessas colocações é que as estratégias encontradas, tanto no espaço urbano quanto no espaço rural, denotam a necessidade de se conseguir trabalho, ou melhor, da necessidade que cada indivíduo tem de produzir a própria vida material. Para tanto, esbarram nas condições que são criadas pelo próprio sistema capitalista que necessita e recria constantemente as suas bases de sustentação, pois somente quando a população vive a barbárie, o sistema se reproduz. E nesse quadro, a escola é um dos seus aparatos.

Assim sendo, a escola do campo abre um leque de questões em busca de ampliar as condições adversas que envolvem a educação formal, no sentido de uma educação mais compatível com os problemas vividos no espaço rural, de forma que envolva outras organizações sociais como o MST, a fim de firmar um construto político capaz de ampliar as demandas sociais do campo em busca de uma sociedade socialista em detrimento do modo capitalista de produção.

86 Zago (2000) procura mostrar as condições objetivas, as práticas e os significados atribuídos à escolarização,

assim como o caráter heterogêneo e não linear dos percursos escolares em meios populares, com base numa análise feita a partir de dados obtidos num bairro de Florianópolis/SC.

CAPÍTULO IV

INTEGRAÇÃO E TRABALHO COLETIVO

Com base nas trajetórias de trabalho dos agricultores familiares apresentadas no capítulo II, buscamos, num primeiro momento, descrever o processo da cadeia produtiva do fumo e suas implicações tanto para o agricultor como para a empresa integradora, e, num segundo momento, a análise do que entendemos ser a instituição do trabalho coletivo no campo e, por conseqüência, a redução do trabalho vivo.

Para delinear melhor o foco da análise, optamos em trabalhar com uma única empresa integradora, a Souza Cruz, que atua na produção de fumo há mais de um século no Brasil, sendo a base da cadeia produtiva os agricultores familiares integrados. Nesse contexto, buscamos rastrear a cadeia produtiva do fumo de modo que possamos apreender como se constitui o trabalho e o que ele expressa na relação com o capital.