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As relações sociais que os agricultores familiares estabelecem se configuram na ideologia de que eles são os donos do próprio negócio estimulados pelos instrutores de fumo, que criam uma competição entre os vizinhos, fazendo com que cada agricultor produza com a mais alta tecnologia disponível. Desse modo, os agricultores não socializam seus problemas suas dificuldades na produção com outros agricultores, cada um deve resolver individualmente com o instrutor, cujo “papel” consiste em auxiliar como chegar a superar a produção do seu vizinho, o que configura na alienação do agricultor familiar ao passo que não trabalha para si, mas para outros, não se reconhece no trabalho que é determinado externamente, não produz mais individualmente, mas integrado ao capital transnacional,

76 Esse dossiê é o cadastro digital de todos os agricultores integrados, realizado diretamente pelos instrutores de

totalmente subordinado na relação social capitalista de produção. O que denota de fato que as relações sociais estão erodidas impelidas pelo movimento do capital.

Diante da realidade que expressa as mudanças no trabalho na produção integrada no fumo, observa-se que qualquer que seja a família, seus problemas são comumente resolvidos de forma individual. Em outras palavras, suas dificuldades em continuar produzindo sua vida a partir de determinada cultura, não são discutidas com outras pessoas que passam pelos mesmos problemas e as mesmas dificuldades. Não há uma organização dos agricultores para discutir os problemas em comum, tampouco participação em organizações sociais.

Nesse contexto, Marx, na carta a Annenkov, ajuda a compreender a relação dos homens dentro de um determinado contexto social:

Os homens não são livres, árbitros das suas forças produtivas, pois toda a força produtiva é uma força adquirida, produto de uma atividade anterior... Isso se deve pelo simples fato de que toda a geração posterior encontra forças produtivas adquiridas pela geração anterior, que lhe servem de matéria-prima de nova produção, forma-se uma conexão na história dos homens, forma-se uma história da humanidade, que é tanto mais a história da humanidade quanto as forças produtivas dos homens, e por conseqüência as suas relações sociais, tiverem crescido. Conseqüência necessária: a história social dos homens nunca é senão a história do seu desenvolvimento individual quer eles tenham consciência disso quer não a tenham. As suas relações materiais formam a base de todas as suas relações. Estas relações materiais não são senão as formas necessárias em que se realiza a sua atividade material e individual (1982, p. 546).

Desse modo, se constata que se trata de uma comunidade conservadora, pois acredita que por meio do trabalho é possível superar as dificuldades, entendendo um problema social como algo individual, além de se contrapor aos movimentos sociais, de acordo com a visão vinculada pela mídia:

O filho já participou do MPA, mas precisa ir a muitas reuniões, aí não dá, a gente que trabalha no fumo mesmo, como vai fazer? (Entrevista à família Sievert)77.

77 O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) tem projetos de casa popular, e juntamente com o Sindicato

dos Trabalhadores Rurais (STR) e com a Federação dos Trabalhadores na agricultura (FETAG), criaram a Cooperativa Habitacional da Agricultura Familiar (COOHAF), onde os agricultores, principalmente os mais jovens, possam adquirir sua casa no campo. As casas são pequenas e padronizadas. Para pleiteá-las é necessário que o requerente seja associado ao Sindicato Rural e que faça um depósito inicial de R$1.560,00, quando então recebe todo o material para a construção da casa no valor de R$10.000,00. O tamanho padrão é de 7x20 p/ 7x20, ou seja, 2 quartos, sala cozinha, banheiro e área. O que ocorre é que esse projeto já existia, e a diferença reside no fato que para conseguir através do MPA, não havia a necessidade de fazer o depósito inicial, havendo um prazo de carência para começar a pagar, mas na condição de participar das reuniões onde se discutem formas de organização e ação frente à realidade do campo. No entanto, pelo Sindicato, não há a necessidade de reuniões, só é preciso fazer o depósito e receber o material. Desse modo, a opção para conseguir a casa foi pelo projeto cooptado do Sindicato Rural, que no entendimento do entrevistado não envolve perda de tempo. Foi possível ainda constatar que todos os entrevistados são associados ao Sindicato Rural.

Conhecem o MPA, o filho foi participar do protesto na Elege, contra os preços do leite, mas não gostou, porque ficavam muito tempo, e saquearam as lojas como se fossem uns ladrões (Entrevista à família Weber).

Já participou de um grupo do MPA, elaboraram projetos, as verbas chegaram, mas após não participou mais. Quanto ao MST lembra que numa reunião do MPA integrantes do MST participaram e falaram sobre quem eram os sem terra, e que muitos filhos de agricultores também são sem terra, e aí as pessoas não querem se misturar e se retiram (Entrevista à família Frank).

Os agricultores integrados não têm a compreensão do contexto em que estão inseridos, ou seja, em meio ao poder de barganha das grandes multinacionais, o que dificulta encontrarem uma saída para continuar produzindo a vida no campo, pois muitos acreditam que trabalhando de acordo as exigências da empresa, a situação pode melhorar. No entanto, o que mudou foi a relação social que antes estava baseada numa relação de produção que priorizava a produção de meios de subsistência e comercialização do excedente, por um relação social capitalista aliada às maiores multinacionais, que institui a produção exclusiva de determinado produto de acordo com as exigências do mercado mundial.

Em relação ao (MPA) o posicionamento da família Weber ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) é, no mínimo, contraditória, visto que um dos filhos do casal obteve todo o material da construção de sua casa no projeto de casa popular desenvolvido pelo MPA. Numa conversa com o avô, que foi Coordenador de grupo do MPA no período em que obteve o benefício da casa, ele relatou que “há uma dificuldade de conseguir pessoas para coordenar os grupos, as pessoas não querem compromisso, pois implica em participar de muitas reuniões". No entanto, ressalta o período em que coordenou o grupo um ano aproximadamente, o que foi muito importante, pois aprendeu muito e só parou devido a problemas de saúde. Atualmente o MPA não está atuando no 6º distrito.

O posicionamento aos que integram o MST, “estes têm tempo para ficarem protestando, pois não trabalham, o agricultor não pode ficar fora do trabalho, não tem tempo, quem vai fazer seu trabalho”. Por meio destes fragmentos percebemos que, entendem o MST como uma perda de tempo e seus integrantes como “pessoas que não trabalham”, como se reivindicar interesses que são coletivos e de extrema importância no contexto social fossem irrelevantes.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento de cunho social com uma forte organização social e política de massas. Vendramini considera o MST “um dos mais inovadores fenômenos políticos da América Latina, à medida que busca enfrentar os problemas do campo atacando as causas estruturais” (2000, p.50). Ainda segundo o autora, o espaço de socialização política do MST

Permite aos trabalhadores o aprendizado prático de como se unir, se organizar, participar, negociar e lutar, além da elaboração de uma identidade social, de uma consciência de seus interesses e direitos e, finalmente, a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais (2000,p.56).

Frente a esse contexto, entendemos que, enquanto os agricultores integrados não se organizarem, os donos do capital vão continuar tomando decisões por eles, em seu próprio benefício e em detrimento daqueles. E é dessa forma que esses agricultores se encontram hoje, à mercê das empresas multinacionais integradoras, de modo que só lhes resta concordar com as imposições, pois não têm argumentos suficientes, uma vez que não discutem as dificuldades na forma de produzir no coletivo com outros agricultores integrados.