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AS UNIDADES DE ENSINO ASSOCIADAS À COMISSÃO DE EDUCAÇÃO DO FÓRUM DO MACIÇO DO MORRO DA CRUZ

3.1. ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA LÚCIA DO LIVRAMENTO MAYVORNE

Figura 10 - Crianças e jovens da escola Lúcia Mayvorne

Fonte: SUZIN; VESHAGEN (2008)

A escola de educação básica Lúcia do Livramento Mayvorne164 foi criada em dezembro de 1962, apenas com uma sala de aula, onde

164 Oficialmente, a escola tem essa denominação em homenagem à educadora Lúcia do Livramento Mayvorme. Percebe-se que a grafia do nome da educadora não corresponde à designação oficial da unidade de ensino. Lúcia do Livramento Mayvorme nasceu em Biguaçu, Santa Catarina, no dia 4 de abril de 1890 e faleceu em abril de 1970. Diplomou-se na Escola

funcionava a primeira série. Na época, a escola era conhecida como Escola Isolada do Morro da Caixa e funcionava nas dependências da casa de uma moradora da comunidade do Mont Serrat, a senhora Maria Augusta Silva (GOMES, 2008, p. 17). Foi apenas em 1978 que a escola obteve do poder público um terreno próprio165, contando com aproximadamente 400 estudantes de 1ª a 4ª série. Está localizada na rua principal da comunidade (Rua General Vieira da Rosa, 1050) e é a única unidade de ensino associada à Comissão de Educação inserida totalmente numa das comunidades do maciço. Atualmente, atende crianças e jovens do 1º ao 9º ano do ensino fundamental, com um público escolar de aproximadamente 300 estudantes (v. Quadro 4). Quadro 4 - Dados da escola Lúcia Mayvorne

Alunos Turmas Servidores Administrativo Professores

(total) Efetivos ACTs 166

292 12 29 1 25 9 16

Fonte: SED (2009)

De acordo com o Projeto Político e Pedagógico (2007) da referida unidade de ensino, a estrutura do prédio é de alvenaria, composto de dois pavimentos: o pavimento da parte inferior abriga o gabinete da direção, secretaria, sala dos professores, sala dos especialistas, banheiros dos professores, sala de informática, laboratório de ciências, cozinha, pátio interno, banheiros dos/as estudantes, sala de educação física, dispensa para o armazenamento da merenda escolar; no pavimento superior do prédio escolar, há 11 salas, sendo que 8 são salas de aula, uma de artes, biblioteca, uma sala de vídeo e o auditório. Somente em 2005 houve a construção do ginásio de esportes coberto, que se localiza no fundo do terreno da escola, aberto oficialmente ao público escolar e à comunidade local em 2006.

Nos estudos realizados por Henning167 (2007, p. 43-44), o autor identificou que a comunidade escolar é formada, basicamente, por

Normal Vidal Ramos, fazendo parte da primeira turma de formandos desta unidade de ensino. Foi casada com Pedro Antônio Mayvorme (que foi prefeito no município de São José/SC) e dessa união tiveram 15 filhos e 32 netos. Entretanto, não há nenhuma menção no PPP da escola Lúcia do Livramento Mayvorne sobre o vínculo desta educadora com a respectiva unidade de ensino e, consequentemente, com a comunidade escolar/local ali situada.

165 Foi criada pelo Decreto Lei n.º 4810 e publicado no Diário Oficial do estado de Santa Catarina no dia 16 de abril de 1978.

166 Admitidos/as em caráter temporário.

167 Boa parte dos dados coletados e apresentados por Henning em relação à localização domiciliar de crianças e jovens das comunidades dos morros do maciço foram realizados por amostragem e não por dados absolutos.

crianças e jovens das comunidades do Mont Serrat (57%) e do Alto da Caieira (43%). No que tange aos seus aspectos culturais é bastante presente a atuação de lideranças religiosas dos mais diferentes matizes (católicos, evangélicos, umbandistas)168 principalmente a partir da década de 1970 (COPPETE, 2003, p.38). A música também é um elemento essencial nesta comunidade, principalmente nos ensaios da bateria da escola de samba Copa Lord, que mantém uma bateria mirim e uma bateria adulta, congregando diferentes gerações. Há grupos locais de pagode, samba e hip-hop que se apresentam na festa de Nossa Senhora de Mont Serrat e nos espaços educacionais/culturais, notadamente o Centro Cultural Escrava Anastácia e a escola Lúcia do Livramento Mayvorne.

As mulheres representam uma referência importante na comunidade do Mont Serrat, seja por meio das lideranças religiosas, seja por meio das lideranças culturais e educativas, como é o caso da senhora Maria de Lurdes da Costa Gonzaga169, ex-diretora da escola Lúcia do Livramento Mayvorne e representante da velha guarda da escola de samba Copa Lord. Gonzaga fez parte da Comissão de Educação durante sete anos (2001-2008).

Outro aspecto relevante está relacionado às características étnicas de seus moradores. Praticamente, 74% são negros e 26% são brancos (COPPETE, 2003, p. 60). A presença considerável da população afrodescendente no Mont Serrat se deve à expulsão dos trabalhadores manuais do centro de Florianópolis e ex-escravos (praticamente, todos negros) e da população rural empobrecida de Santa Catarina que migrou para a capital em busca de melhores condições de vida, conforme análise realizada no primeiro capítulo. Grande parte dos moradores e moradoras do Mont Serrat está na faixa etária que vai até os 40 anos (72%). Deste percentual, 11% estão na faixa dos 4 aos 15 anos; 29% estão entre 15 e 40 anos; e 32% com mais de 60 anos (Idem, p. 62).

168 É possível se acompanhar nos dias de hoje uma celebração religiosa católica no Mont Serrat ao som de instrumentos de percussão, prática comum nos cultos afros. Para Vilson Groh, coordenador-geral do Fórum do Maciço do Morro da Cruz, tais celebrações são de cunho ecumênico, abrangendo as características e as diferentes identidades desta comunidade (COPPETE, 2003, p. 81).

169 ‘Dona Uda’, como é mais conhecida na comunidade do Mont Serrat, ajudou a fundar a escola Lúcia do Livramento Mayvorne em 1962 com o seu marido. No ano seguinte (1963), formou-se no magistério, tornando-se a primeira professora e primeira diretora da escola. A unidade de ensino sempre se localizou no morro, porém, inicialmente, em sua área menos íngreme. Segundo ‘Dona Uda’ – com a construção do novo prédio na década de 1970 no ‘topo do morro’ – isto teria diminuído as matrículas no ensino fundamental (SUZIN; VESHAGEN, 2008).

Ainda segundo Coppete (Idem, p. 88; 102; 141) as crianças que habitam a comunidade do Mont Serrat convivem, diariamente, com conflitos e privações materiais, além de violência de toda ordem, principalmente nos espaços domésticos. As histórias de vida destas crianças, etnias, costumes e lugares de convivência, se não forem levadas em consideração no território escolar, podem encontrar dificuldades na efetivação de suas ações pedagógicas, afetando os processos de construção curricular e a avaliação da aprendizagem.

Os quase 200 metros íngremes da rua que dão acesso à escola, só passaram a ter transporte coletivo regular em 1993, com saídas diárias do centro de Florianópolis e subindo até o Alto da Caieira (SUZIN; VESHAGEN, 2008, p. 10). Antes, chegar à escola era um desafio, devido à enorme lama nos dias de chuva, como bem recorda Maria de Lurdes da Costa Gonzaga. Ao se despedir da escola e ao se aposentar depois de 45 anos de magistério, Gonzaga não teve muito que comemorar. Além das baixas matrículas na referida unidade de ensino, as amostras do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) indicavam que a escola Lúcia do Livramento Mayvorne apresentava as piores notas da região da Grande Florianópolis (v. Quadro 5). A partir de novembro de 2008, crianças e jovens com rendimento escolar insatisfatório ficavam mais três horas na escola durante quatro dias da semana, através do projeto Mais Educação170 do Ministério da

Educação (MEC).

170 De acordo com as informações apresentadas no sítio eletrônico do MEC, o Programa Mais Educação foi criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007, objetivando a oferta educativa nas escolas públicas por meio de atividades optativas que foram agrupadas em macrocampos: acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde, educomunicação, educação científica e educação econômica. A iniciativa foi coordenada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC), em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) e com as secretarias estaduais e municipais de Educação. Sua operacionalização é feita através do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O programa visa fomentar atividades para melhorar o ambiente escolar, tendo como base estudos desenvolvidos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), utilizando os resultados da Prova Brasil de 2005. Nesses estudos destacou-se o uso do Índice Efeito Escola (IEE), indicador do impacto que a escola pode ter na vida e no aprendizado do estudante, cruzando-se informações socioeconômicas do município no qual a escola está localizada. Logo, a área de atuação do programa foi demarcada inicialmente para atender, em caráter prioritário, as escolas que apresentam baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), situadas em capitais e regiões metropolitanas. As atividades tiveram início em 2008, com a participação de 1.380 escolas, em 55 municípios, nos 27 estados para beneficiar 386 mil estudantes. Em 2009, houve a ampliação para 5 mil escolas, 126 municípios, de todos os estados e no Distrito Federal com o atendimento previsto a 1,5 milhão de estudantes, inscritos pelas redes de ensino, por meio de formulário eletrônico de captação de dados gerados pelo Sistema Integrado de Planejamento, Orçamento e Finanças

Quadro 5 - IDEB da escola Lúcia Mayvorne

Ensino

Fundamental IDEB Observado Metas Projetadas

2005 2007 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021 Anos Iniciais 2,8 3,4 2,9 3,2 3,6 3,9 4,2 4,5 4,8 5,1 Anos Finais - 2,6 - 2,8 3,0 3,4 3,8 4,1 4,3 4,6

Fonte: Prova Brasil e Censo Escolar (2008)

O projeto anteriormente citado oferece uma verba de R$ 40 mil para as unidades de ensino que apresentam índices abaixo de 4.0 no IDEB (índice muito inferior à média 6.0, considerada ideal pelo MEC) principalmente para a alimentação em três turnos e ajuda de custo para os professores se dedicarem às atividades extraclasses. As aulas extras na escola Lúcia do Livramento Mayvorne se direcionaram para: matemática, letramento, capoeira, informática, teatro e diversidade étnico-racial, escolhidas de acordo com o que se entende ser a ‘realidade da escola’, levando-se em consideração que 92% das crianças são negras. De acordo com o atual diretor da escola os principais fatores de evasão e baixo rendimento escolar dos/as estudantes se devem ao envolvimento com o tráfico de drogas (que segundo ele, começariam a partir dos 12 anos de idade)171 e ao pouco envolvimento das famílias (Idem, p. 11). Em 2007 a taxa média de evasão escolar foi de 8%, chegando a 19% na primeira série; praticamente, 21% dos estudantes foram reprovados e 23% estão com defasagem série/idade ou ano/idade. Segundo o assistente técnico pedagógico da escola, responsável pela monitoria e condução do Programa Mais Educação nesta instituição, ainda não é possível se ter dados concretos sobre a atuação do programa no processo de aprendizagem de crianças e jovens. Sabe-se, entretanto, que este programa educativo do MEC beneficiou mais de 60 crianças e jovens da unidade de ensino e que os índices de matrícula, repetência e

do Ministério da Educação (SIMEC). Em 2010, a meta era atender a 10 mil escolas nas capitais, regiões metropolitanas e cidades com mais de 163 mil habitantes, para beneficiar três milhões de estudantes. Para o desenvolvimento de cada atividade, o governo federal repassa recursos para ressarcimento de monitores, materiais de consumo e de apoio segundo as atividades. As escolas beneficiárias também recebem conjuntos de instrumentos musicais e rádio escolar, dentre outros; e referência de valores para equipamentos e materiais que podem ser adquiridos pela própria escola com os recursos repassados (BRASIL/MEC, 2011). 171 Embora se saiba os limites de uma reportagem jornalística e os seus ‘recortes’ na construção de uma matéria, parece-nos bastante preocupante a forma como o diretor da escola Lúcia do Livramento Mayvorne se refere aos jovens envolvidos com o narcotráfico, ou seja, há aparentemente um determinismo estatístico (12 anos de idade) que impossibilitaria a continuidade dos estudos destes jovens.

evasão escolar mantiveram-se, praticamente, constantes nos últimos quatro anos.

Outro dado relevante se refere ao pacto de convivência172

criado nesta unidade de ensino em função das agressões entre estudantes e destes com os professores e vice-versa. O ‘pacto’ foi uma iniciativa de uma professora de Ciências da escola, originada em 2007, tendo como objetivos a criação de regras coletivas que partissem não só dos/as professores/as, mas também dos/as estudantes, tais como: permissão para usar boné e mascar chiclete em sala de aula; pedir licença para entrar em sala; respeitar os espaços de convívio e preservá-los; evitar discussões e brigas desnecessárias, etc.. O ‘pacto’ teve como referência teórica o médico Feizi Masrour Milani173, que desenvolveu a ideia do

pacto de convivência com a finalidade de aprimorar a ‘gestão das classes’ e desenvolver em professores e estudantes, atitudes que melhorariam o ambiente e as relações interpessoais. Assim, direitos e deveres seriam discutidos e deliberados de forma coletiva.

Analisando o material de estudo organizado por Feizi Masrour Milani (2004), percebemos que o seu conteúdo parte de uma ideia que valoriza o respeito mútuo, confiança e afeto, participação, curiosidade, criatividade, liberdade disciplinada, limites justos e claros, estabelecidos em comum acordo com professores e estudantes (Idem, p. 5). Nesta direção, o autor condena o sermão, o preconceito e todas as formas de intolerância (religiosa e racial, principalmente). Para tanto, utiliza-se da ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’ como referência e instrumento de análise para que os laços solidários sejam devidamente construídos nos ambientes educativos.

Milani elaborou uma cartilha e, como todo material instrucional com esta característica, o aprofundamento teórico-

172 Tão logo a escola Lúcia do Livramento Mayvorne recebeu os recursos federais do Programa Mais Educação, o pacto de convivência perdeu sua força, até porque a professora que elaborou o projeto do ‘pacto’ teve de se afastar temporariamente do seu trabalho na escola, tendo em vista a sua pesquisa de mestrado.

173 De acordo com o seu currículo Lattes, Milani é graduado em medicina pela Universidade Federal de Alagoas (1988) e doutor em saúde pública pela Universidade Federal da Bahia (2004). É professor adjunto do bacharelado interdisciplinar em saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e atuou como médico de adolescentes por vinte anos. Presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisas, Estudos e Formação para a Inovação Social (IBEPIS). Fundador e diretor do Instituto Nacional de Educação para a Paz e os Direitos Humanos (INPAZ). Possui experiência nos setores governamental e não governamental e atuação com abordagem interdisciplinar, principalmente nas seguintes temáticas: cultura de paz, violências, adolescência, protagonismo juvenil, escola, educação em saúde, relação pais e filhos, cidadania e formação de lideranças. Foi agraciado com o prêmio ‘Cidadania Mundial’ em 1999.

metodológico fica em segundo plano, depositando uma perigosa aposta na ‘educação emocional’, elemento artificioso quando não se problematiza as condições de trabalho da classe docente, jornadas desgastantes de trabalho e, sobretudo, a politização das práticas pedagógicas, o que implicará em mudanças epistemológicas. Além disso, ao não aprofundar de forma devida o porquê dos/as trabalhadores/as em educação se encontrarem em situações de adoecimento na escola, Milani tenta responder tal desafio com dualismos epidérmicos, ou seja, com exemplos do ‘bom professor’ e ‘mau professor’, ‘professor democrático’ e ‘professor autoritário’, etc.. O risco de um maniqueísmo é evidente, pois tais características e identidades docentes são construções históricas e que não podem ser respondidas mediante um manual de autoajuda. O autor também despreza ou não reconhece as instâncias deliberativas da escola (APPs, grêmios estudantis e conselhos deliberativos), já que ao instar o seu leitor para ‘algo novo’, esquece-se que a escola possui mecanismos que, se devidamente acionados, podem sim contribuir para um ‘pacto educativo’, reunindo elementos que contemplem as demandas da comunidade escolar e da comunidade local.

Devemos, assim, ressaltar ainda a arquitetura opressora da unidade de ensino. O refeitório é mal iluminado e as salas de aula estão divididas a partir de um grande corredor. No interior das salas de aula, as pequenas janelas gradeadas assemelham-se a uma penitenciária. Ainda que tenha recebido alguns reparos nos últimos anos pelo poder público, inclusive com a construção de um ginásio de esportes coberto, sua estrutura arquitetônica e espaços educativos não favorecem adequadamente a aprendizagem. O binômio arquitetura-disciplina, todavia, está na gênese da construção de escolas, hospitais e penitenciárias. Tais espaços se organizam em celas, lugares, fileiras, que sejam ao mesmo tempo funcionais e hierárquicos, recortando segmentos individuais e estabelecendo ligações operatórias e de controle. Isto garante a obediência do sujeito aprendente e uma economia de tempo e dos gestos. Logo, uma das grandes operações de disciplinarização e de docilização dos sujeitos em tais espaços arquitetônicos é “a constituição de ‘quadros vivos’ que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas” (FOUCAULT, 1999, p. 126- 127).

Associado ao que foi mencionado acima, o ‘tempo da escola’ é o ‘tempo do relógio’ ou o ‘tempo industrial’, na busca de um tempo integralmente útil, que possa ser regulado, operacionalizado e medido a partir de um “rendimento ótimo de velocidade” (Idem, p. 131).

Considerando que o espaço e o tempo escolar são construções históricas, a arquitetura escolar tem de seguir uma lógica de vigilância adequada aos seus propósitos, o que implica uma violência implícita (mais simbólica do que física ou corporal). As regras e punições na escola levam em consideração justamente o controle dos ‘desvios’, isto é: atrasos, ausências, interrupções de tarefas, desatenção, negligência, grosseria, desobediência, insolência, tagarelice, etc. (Idem, p. 149). Parece-nos que o ‘pacto de convivência’, com todos os limites que apontamos anteriormente, encontrava desde já uma impossibilidade de aplicação na escola Lúcia do Livramento Mayvorne, talvez porque a punição em tal ‘pacto’ não estava tão explícita. Porém, se apenas pelo viés comportamentalista não é possível se exercer o poder do/a professor/a, então o ‘mérito’ associado ao ‘comportamento’ decidiria o lugar do aluno na escola e, consequentemente, sua qualificação e graduação nas diferentes etapas do processo educativo. Diante de tais considerações, o perigo de se reter os/as estudantes durante alguns anos numa mesma série ou ano como ‘punição’, ‘castigo’, ‘exercício de poder’, além de promover a evasão e a multi-repetência, não solucionariam questões que são inerentes às práticas pedagógicas destes/as educadores/as.

Para o assistente técnico pedagógico174 da escola Lúcia do Livramento Mayvorne, no que tange à arquitetura desta unidade de ensino e sobre o seu próprio trabalho como educador, seu relato é revelador, denotando o quanto o modelo educativo formal das escolas públicas em tal contexto são desafiadoras:

[...] eu me [sinto] o carcereiro da escola. [...]. É aí que cai a tua ficha. Tu entra naquele corredor pra lá e pra cá. Tu é o carcereiro, né? Porque é uma cadeia! Portas, aquele corredor... Remete muito àquela discussão do panóptico. Então [a arquitetura da escola] é extremamente opressora.

174 O cargo de assistente técnico pedagógico (ATP) foi criado recentemente pelo poder público estadual, mediante investidura em concurso. Na prática, o ATP é um/a profissional licenciado em qualquer área, tendo como funções: planejamento estratégico na escola; elaboração de projetos; acompanhamento pedagógico dos planos de ensino dos/as professores, etc.. Logo, acaba sendo um ‘faz-tudo’ na unidade de ensino. Um polivalente que não tem formação inicial adequada para as tantas demandas que as escolas exigem. O ATP da escola Lúcia do Livramento Mayvorne durante, praticamente, quatro anos, foi o representante desta unidade de ensino na Comissão de Educação, exercendo importante articulação entre as duas instâncias. Este profissional me concedeu uma entrevista no dia 10 de março de 2009. O mesmo é Bacharel Licenciado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e está no magistério há 15 anos. Para efeitos desta pesquisa, foi preservada a identidade do depoente.

[Por outro lado], a gente percebe que os alunos gostam da escola, mas não da sala de aula. É o único espaço de lazer e o único espaço plano. [E] tem um ginásio.

Ao mesmo tempo, o educador reconhece quem são estes professores/as que estão na escola e, principalmente, em que condições produzem e reproduzem a sua vida material:

A maioria absoluta trabalha em várias escolas. Duas ou três escolas. Assim como tem alguns colegas que partem de uma perspectiva arrogante do tipo: “Não entendem nada mesmo, vou fazer qualquer coisa, de qualquer jeito!”; “a minha prática não está conseguindo ser transformadora, mas eu preciso do salário”. Não é nem uma questão de estar desanimado e tal, mas falta de conhecimento mesmo! Do básico, de sua própria disciplina. Eu sinto isso um pouco. Se tu aprofundar um pouquinho a discussão, todo mundo fica quieto e você fala sozinho. Então, eu acho que a gente tá carente sim de formação, de informação. Por isso é que palestra175 também é

importante [risos], aquela coisa informativa, sabe?

Por conta de todas estas questões e dificuldades apresentadas, os índices de reprovação e abandono escolar ainda são muito elevados na escola, o que fez com o que o MEC estabelecesse programas educativos específicos para unidades de ensino em todo o país com indicadores educacionais muito baixos no IDEB176, como é o caso da escola Lúcia do Livramento Mayvorne.

175 Referindo-se a uma das perspectivas de formação continuada elaborada pela CE/FMMC.