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A CONSTITUIÇÃO DO PROJETO POLÍTICO E PEDAGÓGICO DO FÓRUM DO MACIÇO DO MORRO DA CRUZ

2.1. A ESTRUTURA POLÍTICA DO FÓRUM DO MACIÇO

O fórum ampliado tinha por meta agrupar todas as comissões em projetos e ações comuns, dando efetivamente uma extensão orgânica a tal estrutura. Os encontros do fórum ampliado ocorriam inicialmente na capela da comunidade do Mont Serrat e, em seguida, nas escolas associadas à CE/FMMC, sempre nos primeiros sábados de cada mês pela parte da manhã. Esta foi a estratégia encontrada para reunir o máximo de representantes das comunidades dos morros (lideranças comunitárias) e representantes das comissões do FMMC, já que durante a semana não era possível constituir um quórum mínimo para as deliberações e encaminhamentos coletivos, pois tais lideranças encontravam-se em seus espaços de trabalho. Não obstante, numa aproximação simplificada do que Antonio Gramsci (1989) denominava ‘Estado ampliado’, o FMMC tentou estabelecer uma relação entre Estado e sociedade civil, com muitos limites de atuação.

Prontamente na parte superior do organograma (v. Quadro 1) vemos os grupos de trabalho (GTs) provenientes das comunidades dos morros. Elas não estão representadas em sua totalidade, mas se referem às dezoito comunidades do maciço do Morro da Cruz90. Além dos GTs, havia a previsão de uma assessoria técnica e científica que se responsabilizaria pela elaboração de proposições na área das políticas públicas, que pudesse levar em consideração o desenvolvimento sustentável das comunidades dos morros. O FMMC passou a ter uma sede física na área central de Florianópolis, localizada na Rua Visconde de Ouro Preto; esta sede se denominava ADESS (Agência de Desenvolvimento Social Solidário) e as reuniões ordinárias e extraordinárias da CE/FMMC em muitas ocasiões ocorreram neste espaço entre os anos de 2003 e 2004, especialmente.

A ADESS foi criada em 19 de julho de 2003 para ser uma interlocutora que possibilitasse a ‘emancipação social e sustentável’ das áreas empobrecidas de Florianópolis numa assembleia realizada na comunidade do Mont Serrat91 (MENEZES, 2003a, p. 6). Dentre os seus

90 Sabemos, todavia, que o número exato de comunidades no maciço do Morro da Cruz não corresponde aos números oficiais. Para os seus moradores num mesmo morro pode haver mais de uma comunidade, devido aos laços de parentesco e diferentes identidades culturais. Além disso, tal representatividade no fórum ampliado não contemplava todas as comunidades dos morros e, não raramente, a comunidade mais atuante em tal processo sempre foi a do Mont Serrat.

91 Segundo Vieira (2002, p. 17), o “nome da comunidade surgiu em homenagem à imagem de Nossa Senhora do Mont Serrat. Essa imagem chegou de navio e foi levada em procissão até a

principais objetivos estavam: a preservação e conservação do meio ambiente; ações voltadas à educação ambiental e ao processo de reflorestamento nas áreas degradadas do maciço do Morro da Cruz; assessoria jurídica gratuita aos moradores das comunidades dos morros e a implementação efetiva do Estatuto da Cidade; incentivo à experimentação não lucrativa de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; articulação da rede de economia solidária organizada e estratégias de desenvolvimento sustentável; estímulo à criação de escola em tempo integral92, alfabetização de adultos, ensino supletivo e pré-vestibular, de forma a atender a demanda reprimida das áreas empobrecidas de Florianópolis; promoção da segurança alimentar e nutricional; estímulo à implementação de veículos de comunicação popular; assessoria de imprensa para as comunidades dos morros; promoção de políticas de ações afirmativas e a organização popular a partir de seu caráter local, cultural e econômico.

Para o cumprimento de tantas demandas, a ADESS atuaria por meio da execução direta de projetos, da doação e facilitação de recursos físicos, financeiros e humanos por parte do poder público e prestação de serviços a organizações sem fins lucrativos. A primeira diretoria ficou

capela, construída em 4 de dezembro de 1927. [...]. A festa de Nossa Senhora do Mont Serrat é realizada no dia 8 de setembro”.

92 De acordo com Gomes (2008), a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED) apresentou no primeiro mandato do governo Luiz Henrique da Silveira (2003-2006), o projeto escola pública integrada (EPI). Em seu eixo denominado ‘ampliação das oportunidades de aprendizagem na educação básica’, o plano definia como ponto prioritário a implementação da escola pública integrada, com currículo em tempo integral, tendo por objetivo ampliar as oportunidades de aprendizagem, viabilizando a educação integral (em obediência ao artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Tal programa procurava atender, fundamentalmente, países da América Latina que ainda não conseguiram erradicar o analfabetismo ou que estão muito próximos desse intento (Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Republica Dominicana, Costa Rica, El Salvador, Guatemala. México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai), contando com o apoio estratégico da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Para tanto, criou-se na SED o grupo de trabalho intersetorial da EPI, formado pelos seguintes educadores: Paulo Hentz, Juarez Thiesen, Lauro Carlos Wittmann, Lauro Guesser, Antonio Pazeto e Laura Dallagnelo. Este grupo no primeiro semestre de 2003 elaborou o projeto estruturante EPI e, posteriormente, houve um convite aos/às diretores/as das escolas para a apresentação do projeto. As escolas associadas à CE/FMMC participaram de uma reunião com a presença deste grupo intersetorial e do secretário de educação daquele período, Jacó Anderle. Após a apresentação da proposta, ficou nítido que a Secretaria de Estado da Educação não apostava num projeto em que houvesse dedicação exclusiva dos/as docentes, muito menos a contratação de outros profissionais para atividades pedagógicas no contraturno. A proposta residiu, justamente, no regime das ‘parcerias’ e ‘corresponsabilidade’ junto as mais variadas entidades da sociedade civil.

assim formada: Eriberto José Meurer93, coordenador geral; Sérgio Roberto Lema94, secretário geral; Leonardo Wollinger Koerich95, primeiro secretário; Valmi dos Santos Filho96, tesoureiro geral; Vilson Groh, primeiro tesoureiro; João Ferreira de Souza97, Flávia Helena de Lima98 e Luiz Fernando Scheibe99, todos do conselho fiscal (Idem, p. 6). Já a comissão intersetorial, de caráter institucional, tinha por objetivo a segurança preventiva e a qualidade de vida nas áreas empobrecidas de Florianópolis, reunindo em torno de si órgãos públicos estaduais e municipais, além das universidades (UFSC e UDESC, especialmente). Para o então secretário da Segurança Pública de Santa Catarina daquele período (2003), o deputado João Henrique Blasi100, o trabalho da comissão intersetorial seria o primeiro passo para a adoção de políticas sociais públicas que proporcionasse melhores condições de vida aos moradores das comunidades dos morros do maciço. Sobre a

93 Docente do departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC e responsável pela implantação do projeto de economia solidária nas comunidades dos morros do maciço do Morro da Cruz, questão que será tratada mais adiante.

94 Mestre em direito pela UFSC. Bacharel em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires e coordenador do núcleo de assessoria jurídica popular do CESUSC (Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina).

95 Na época era estudante de Economia e responsável pelo processo de ‘inclusão digital’ das comunidades dos morros do maciço, visto como importante acesso à empregabilidade e ao desenvolvimento social sustentável. Atuou com Vilson Groh em projetos destinados aos jovens em situação de vulnerabilidade social.

96 Advogado e líder comunitário filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT).

97 Mais conhecido como ‘Seu Teco’, morador e líder comunitário no Mont Serrat, além de pertencer à velha guarda da escola de samba Embaixada Copa Lord (uma das mais antigas de Florianópolis), fundada em fevereiro de 1955.

98 Advogada e membro licenciada do Núcleo de Estudos Negros (NEN) em Florianópolis. Assessora da Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho, Renda e Habitação. 99 Geólogo e professor titular do Departamento de Geociências da UFSC; Programa de Pós- Graduação em Geografia; Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas (sociedade e meio ambiente) e colaborador das etapas da mostra ambiental das escolas associadas à CE/FMMC, além de ter sido coordenador de pesquisas relacionadas ao impacto ambiental nos morros e encostas do maciço do Morro da Cruz.

100 João Henrique Blasi tinha uma boa relação com o coordenador-geral do FMMC, Vilson Groh, e havia uma aposta em sua candidatura para a prefeitura de Florianópolis em 2004. Todavia, não ficou muito tempo no cargo de secretário de Segurança Pública e suas chances de se tornar prefeito ruíram. Na madrugada do dia 29 de novembro de 2003 uma força-tarefa composta por policiais civis e militares, além de comissários da Infância e da Juventude estiveram num dos mais sofisticados bordéis de Joinville, o Marlene Rica. Eles cumpriam uma ordem do juiz Alexandre Moraes da Rosa para averiguar denúncias de exploração sexual infanto-juvenil. Mas ao tentar entrar no prostíbulo encontraram a proprietária, Marlene Luy, e o coronel Paulo Conceição Caminha, chefe da polícia militar de Santa Catarina no portão. Só depois de muitos dias que o comissário de justiça, Milton Francisco da Silva, pôde afirmar em sua relatoria definitiva, através do depoimento do coronel Caminha, que o então secretário Blasi também se encontrava no bordel (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010).

‘operação escorpião’101 da polícia militar – iniciada em março de 2003 e que objetivava o restabelecimento da ordem em função do ‘poder paralelo’ nos morros –, Blasi considerava que “passada a fase da repressão, dar-se-ia início aos trabalhos de inclusão social” (DA REDAÇÃO, 2010)102. Um destes trabalhos de inclusão seria o projeto ‘escola aberta’103, que objetivava abrir as portas das escolas públicas nos finais de semana e feriados, como alternativa de lazer às crianças e adolescentes. As outras propostas vindas desta comissão intersetorial visavam à criação de espaços coletivos de lazer, além da geração de trabalho e renda a partir da concepção de uma escola de informática instalada na comunidade do Mont Serrat. Vilson Groh, coordenador- geral do FMMC, chegou a afirmar que a comissão intersetorial seria o “encontro das possibilidades”, algo que foi se revelando frágil do ponto de vista das políticas públicas nos anos posteriores. A comissão intersetorial ainda contava com o apoio das seguintes secretarias e órgãos públicos: Secretaria Regional da Grande Florianópolis (SDR), Secretaria da Saúde, Casa Civil, Secretaria de Estado da Educação e Inovação (SED), Prefeitura de Florianópolis, Federação Catarinense dos Municípios (FECAM), UFSC, UDESC, CASAN, CELESC, COHAB e Feesporte.

Na parte inferior do organograma (v. Quadro 1) há a relação das comissões do FMMC e seus respectivos objetivos. Das sete comissões elencadas, podemos considerar que cinco delas estiveram mais atuantes

101 Como já foi relatado no capítulo 1, a ‘operação escorpião’ foi uma operação conjunta das polícias militar e civil para coibir o tráfico de drogas e a violência nas áreas empobrecidas de Florianópolis. Todavia, os moradores das comunidades dos morros do maciço tinham a compreensão de que o tráfico de drogas era potencializado por pessoas que possuíam alto poder aquisitivo. Além disso, a ausência de áreas de lazer e o desemprego generalizado/estrutural contribuiriam para o fortalecimento do narcotráfico, segundo alguns moradores da comunidade do Mont Serrat. Foi em tal contexto que se pensou pela primeira vez na criação de uma polícia comunitária no maciço do Morro da Cruz. O responsável pela coordenação estadual da polícia comunitária seria o coronel Jarí Luiz Dalbosco (MENEZES, 2003b, p. 3).

102 Estas informações foram retiradas da versão digital do jornal A Notícia no dia 12 de maio de 2010. Contudo, a versão impressa desta matéria foi publicada no dia 11 de junho de 2003. 103 De acordo com as fontes oficiais (SED, 2010), o projeto ‘escola aberta’ foi implantado em 2005, embora tenha sido elaborado em 2003, objetivando a superação do modelo tradicional de escola ‘encerrada dentro dos seus próprios muros’, com seus espaços e equipamentos ociosos nos finais de semana. Nesta direção, as escolas abririam as suas portas para atividades culturais, artísticas, esportivas, recreativas e de qualificação profissional, oferecendo à comunidade local a sua infraestrutura e um conjunto de atividades organizadas e coordenadas, dentro de um projeto elaborado de forma participativa. A iniciativa de tal projeto tinha também apoio da UNESCO. Todavia, para a consecução de seus objetivos, o projeto escola aberta contava com profissionais voluntários e ONGs.

durante a trajetória de estruturação do FMMC: as comissões de

Educação104, Meio Ambiente (CMA/FMMC), Segurança

(CSEG/FMMC), Trabalho e Renda (CTR/FMMC) e, por fim, a de Comunicação (CCOM/FMMC). Estas comissões em determinados momentos conseguiram interagir em processos formacionais (tanto nas unidades de ensino como nas comunidades dos morros), ainda que nem sempre de forma sistemática ou regular. Aliás, como veremos no tópico a seguir, muito das fragilidades orgânicas do FMMC correspondem às descontinuidades dos trabalhos realizadas por estas comissões, já que eram exercidas – excetuando-se a CE/FMMC – por educadores, pesquisadores e jornalistas voluntários, além de projetos de extensão provenientes, sobretudo, da UFSC, que também se mostraram descontínuos com o passar dos anos. Podemos inferir que a CE/FMMC por estar representada por educadores e educadoras estabelecidos/as em unidades de ensino, portanto, formalmente institucionalizadas, conseguia manter as suas atividades de formação continuada e encontros regulares com maior intensidade, já que suas lideranças se encontravam em espaços educativos que possibilitavam contatos permanentes, portanto, menos suscetíveis às dispersões e/ou desarticulações provenientes das demais comissões.

Por fim, como bem observou Gramsci (1989, p. 152-153), a intersecção entre Estado (sociedade política) e sociedade civil, levando- se em consideração a estrutura política do FMMC, está ainda acalcanhada nos limites do Direito burguês; e sabe-se que o Direito burguês é incapaz de expressar toda a sociedade existente; ele representa, em grande medida, a classe dirigente que impõe a toda a sociedade as normas de conduta que estão ligadas à sua razão de ser e ao seu desenvolvimento. Dessa maneira, a função do Direito burguês parte do pressuposto de que todos os cidadãos devem aceitar tacitamente o conformismo assinalado pelas leis existentes, segundo o qual todos podem se tornar um dia elementos da classe dirigente. Contudo, se estamos compreendendo que a sociedade civil e a sociedade política fazem parte de uma mesma totalidade histórica, o que está efetivamente em jogo é a disputa hegemônica destes sujeitos nos mais diferentes espaços sociais e produtivos, inclusive no campo jurídico.

104 A Comissão de Educação, inicialmente, possuía a seguinte nomenclatura: Comissão de Educação, Cultura e Lazer (NACUR, 2002).

2.2. OS OBJETIVOS POLÍTICOS DAS COMISSÕES DO FÓRUM