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A ESCOLA DE VISTA ALEGRE, ANTES DA IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE.

No documento LUCIANA MARIA DE MATOS E SILVA (páginas 144-148)

CAPÍTULO I: A CONSTRUÇÃO SÓCIO HISTÓRICA DO CURSO DE PEDAGOGIA: ELEMENTOS PARA REPENSAR O TRABALHO E A

A ESCOLA DE VISTA ALEGRE, ANTES DA IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE.

Fonte: Acervo pessoal, Pitanga, 2018.

Diante do contexto de difícil acesso à escola, era fundamental encontrar uma solução para os problemas enfrentados: trajeto perigoso, preconceitos enfrentados pelos estudantes nas escolas da cidade por serem Sem Terra, retenções e abandono dos estudantes (pois os mesmos não conseguiam frequentar as aulas e reprovavam por falta), aprendizagem prejudicada devido ao contexto, entre outros.

Naquele momento, o Setor de Educação exerceu um papel fundamental ao direcionar e orientar o caminho para a efetivação da Escola Itinerante dentro do Acampamento Maila Sabrina, no sentido de: reunir lideranças com experiência de outros acampamentos que já haviam organizado a sua escola, visando auxiliar na organização inicial da EI Caminhos do Saber; orientar o estudo sobre educação e organização da escola; encaminhar jovens lideranças/educadores para o curso de Pedagogia da Terra pra poder contribuir com a organização da escola; viabilizar os documentos necessários para efetivar a matrícula dos estudantes; e estreitar a relação da Caminhos do Saber com a Escola Base, que seria a guardiã da documentação dos matriculados e orientadora da execução e implementação do Projeto Político Pedagógico. Organizar a escola não era uma tarefa fácil, mas que foi assumida com afinco e responsabilidade por toda Direção do Acampamento,

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pelos demais educadores e membros da comunidade que se envolveram no processo.

Segundo Lima35 (2017), a escola avançou para as séries finais e ensino médio

apenas no ano de 2008. Com esta modificação, o número de estudantes aumentou, ampliando também as dificuldades. Junior (2018)36 faz considerações importantes

sobre a implantação da Escola itinerante, ainda no seu estágio inicial:

Quando a Itinerante deu certo, funcionou, veio o Ensino Médio que foi outra dificuldade. Para o Ensino Médio a energia não era suficiente, chegava a noite e quando ia iniciar a aula fazia um apagão e não tinha como a gente aumentar a carga elétrica porque o proprietário não assinava. Ia na Copel eles diziam que era problema com o INCRA, ia no INCRA eles jogavam para a Copel. Nessa época nós tínhamos uma senhora que era coordenadora da escola, que é a Marilda, e nós começamos, a luz está até hoje no meu nome, eu sou o responsável, passaram essa tarefa para mim ir atrás de tudo para aumentar essa carga elétrica. Menina, eu vou falar para você, teve para desistir, a Marilda um dia me chamou do lado e disse, seu Abílio desiste, não vai dar certo. No setor de Curitiba, eu não sei se ela ainda está lá, a Daniele. Eu ligava todo santo dia para essa mulher, ela dizia que estava vendo mas não resolvia. Eu ia para Faxinal, na Copel, e lá, tinha um rapaz que hoje está em Apucarana, o nome dele era Marcelo e ele contribuiu demais, ele não media esforços, ligando e indo para a central vendo, e nós toda semana lá. Quando foi um dia eu cheguei e falei, Marcelo é a última vez, se não der certo eu vou para Curitiba e se tiver que falar com o governador eu vou falar com o governador. Na época acho que era o Requião que era o governador. Não teve jeito, cheguei para o rapaz nosso que era estadual, não sei se você chegou a conhecer o Celso, eu falei, Celso agora o remédio é Curitiba. Arrumamos cinco companheiros e fomos para Curitiba, quando eu cheguei lá e fui no setor da Daniele conversar com ela, ela me disse, seu Abílio não tem como, e nisso que a gente estava conversando, tinha outra menina do lado e ela pediu para a Daniele licença para entrar na conversa. Ela disse, Daniele me desculpe mas você está procurando no setor errado, quem vai resolver isso aí para você é lá na sala 8. A Daniela foi lá e veio com a declaração na mão liberando esse transformador. Menina quando ela chegou e disse, olha seu Abílio está aqui, a partir de hoje é só levar na Copel e eles vão vistoriar lá. Naquela hora eu senti um alívio de vitória que a gente estava tentando, se a gente não conseguisse as nossas crianças iam ter que ir para Vista Alegre. Cheguei e levei o papel para o Marcelo, o Marcelo já ligou para Apucarana e disseram que na terça que vem estariam aqui. Passou essa terça e nada, voltei e falei Marcelo pelo amor de Deus, o tempo que estamos lá e a Copel não vai vistoriar. O Marcelo ligou para Apucarana e quando

35 Entrevista concedida em 07/10/2017.

36 Abílio Junior – Dirigente do Acampamento Mayla Sabrina, no período inicial de luta pela implantação da escola. Entrevista concedida no dia 28/03/2018.

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foi no final da semana eles já vieram e colocaram o transformador. Depois que colocaram esse transformador começou a funcionar tudo certinho. Nessa época era muita gente, esses meninos que estão aí, o Jones, estavam todos estudando. A Isabel mandou mais um pessoal para cá que já estava mais desenvolvido e aí para nós foi uma vitória muito grande (…) [sic] (JUNIOR, 2018).

Neste relato, Junior, que era membro da direção do acampamento nos anos iniciais da ocupação e implementação da EI Caminhos do Saber, demonstra as dificuldades em organizar a oferta do Ensino Médio e destaca novamente a importância do Setor de Educação do Movimento. Também aparece nesse relato, na pessoa da Daniela Carla de Oliveira, a importante contribuição da Coordenação Estadual da Educação do Campo, que tinha como um de seus objetivos agilizar no espaço da Secretaria de Estado da Educação (SEED), a viabilização do funcionamento das Escolas do Campo, entre elas, as Escolas Itinerantes do MST, tentando garantir qualidade mínima para um bom atendimento e avançar.

Após a conquista do Ensino Médio as matrículas aumentaram. Filipak (2009) relata que em 2007, quando ainda era só Ensino Fundamental, estudavam na escola 200 educandos. Com a extensão da oferta, dobrou o número de matrículas na escola, passando para 400 estudantes, aproximadamente. Se a escola não tivesse sido organizada, se ela não existisse, seriam 400 crianças, jovens e adultos que se deslocariam longas distâncias, ou ainda, muitos desses não frequentariam o espaço formal de escolarização.

Segundo Nascimento37 e Lima38 (2018) no ano de 2018 estudavam na escola

um total de 165 estudantes, sendo 17 crianças matriculadas na educação infantil, 61 crianças matriculadas nos anos iniciais, 63 crianças nos anos finais do ensino fundamental e 24 adolescentes/jovens matriculados no ensino médio.

Sobre a estrutura física da escola, Filipak (2009) relata que a comunidade se reuniu e construiu alguns espaços com material reaproveitado das construções que já existiam na fazenda. O Estado ajudou infimamente, sendo que a maior parte dos recursos partiu da própria organização do acampamento, que sentia a necessidade

37 Erika de Jesus do Nascimento: Professora membro da Coordenação Pedagógica da Escola Itinerante Caminhos do Saber, entrevista concedida em 27/03/2018.

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urgente de ter uma escola no lugar onde viviam. Junior (2018)39 relata com orgulho

a participação da comunidade nas construções das salas de aulas, reaproveitando as madeiras disponíveis nas antigas construções da fazenda.

A escolha dos educadores deu-se respeitando o critério dos que tinham mais anos de escolarização e que tinham predisposição para o ensino. Para os anos iniciais, Filipak (2009, p. 254) relata que “geralmente são pessoas jovens que terminaram a oitava série do ensino fundamental”. Estes educadores, segundo a autora, participavam de cursos de formação organizados pelo MST e também pela Secretaria de Estado da Educação. Jones Fernandes Jeremias de Lima, atual Pedagogo da Escola, participou como educador alguns anos depois da conquista da escola, a partir do ano de 2007, e foi formando-se no processo. Segundo ele, “na época precisava-se de educadores e o mínimo necessário para ser educador era o Ensino Médio, então eu me inseri e depois fui fazer o curso de Pedagogia em 2009” (LIMA, 2017)40.

Esses dados demonstram que a formação dos educadores foi acontecendo no processo de manutenção do acampamento Maila Sabrina. Iniciaram com educadores leigos, apenas com a 8ª série, depois houve a exigência do Ensino Médio e, hoje, a maioria tem o Ensino Superior. Não é um fato dado ao acaso, mas à valorização e luta do Movimento Sem-Terra por uma Educação do Campo e no Campo, para o processo de qualificação da educação e da classe trabalhadora. O Movimento Sem-Terra além de se preocupar com o avanço de uma proposta pedagógica que possibilitasse a superação dos mecanismos de exclusão da escola capitalista, também se preocupa com a formação continuada de seus educadores para poder implementar com o máximo de qualidade a proposta pedagógica na organização do trabalho pedagógico da escola.

Os educadores das séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio eram da rede estadual de educação, seja do quadro próprio do magistério – QPM, ou contratados por processo seletivo simplificado – PSS. Também esses educadores do Estado passaram por processo de formação para garantir que a proposta

39 Entrevista concedida no dia 28/03/2018. 40 Entrevista concedida no dia 07/10/2017.

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pedagógica do Movimento fosse implementada, que novas relações pedagógicas se efetivassem e que uma nova forma escolar fosse inaugurada, conforme anuncia o educador Jones em sua fala: “A gente queria uma escola da classe trabalhadora” (LIMA, 2017)41.

Sobre a formação dos educadores, Filipak (2009, p. 254) relata, que no ano que iniciaram as atividades da Escola Itinerante Caminhos do Saber contavam com “12 educadores na primeira fase do Ensino Fundamental, um coordenador pedagógico e uma secretária”. No período de sua pesquisa o nível de formação já havia avançado:

(...) desses 12 educadores, 9 concluíram o Ensino Médio e estão prestando vestibular para o curso de pedagogia e Licenciatura em Educação do Campo, sendo que desses, 2 concluíram o Magistério no ITERRA, que é uma escola do MST (FILIPAK, 2009, 254).

No ano de 2018, a escola avançou ainda mais na formação de seus educadores, sendo que dos 32 profissionais que trabalham na escola, apenas 3 tem como escolaridade o Ensino Médio e 6 ainda estão acadêmicos de cursos superiores. O quadro a seguir demonstra a formação acadêmica da coordenação pedagógica da escola.

QUADRO 05 - COMPOSIÇÃO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DA ESCOLA

No documento LUCIANA MARIA DE MATOS E SILVA (páginas 144-148)