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Escola Eclética – conciliava as teorias das duas escolas anteriores.

No documento MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (páginas 69-73)

O Psiquiatra e o Antropólogo Criminal nos Tribunais – O Louco Criminoso

3) Escola Eclética – conciliava as teorias das duas escolas anteriores.

A concepção de criminoso nato emergiu na década de 1870, com Lombroso e sua publicação do Homem Delinquente, que por meio de uma classificação antropológica articulava o biodeterminismo com o evolucionismo de Darwin. Incorporando um conceito darwiniano, Lombroso compreendia o crime como um fenômeno atávico. A partir dessa teoria, pôde-se identificar o homem criminoso como tipo humano regressivo. O crime seria a propagação do instinto animal existente no indivíduo atávico, visto enquanto invasão da animalidade e da barbárie na sociedade (CARRARA, 1998).

Segundo Lombroso (2007), o criminoso possuía uma série de estigmas:

• Anatômicos – ausência de pelos, braços compridos, maxilares superiores desenvolvidos, fronte fugidia, saliência dos zigomas, orelhas munidas de tubérculos de Darwin, exagerado escavamento das fossas oculares, tamanho do crânio.

8 A idéia de que a periculosidade de um homem estaria estampada em seu corpo emergiu muito antes do

século XIX, com a fisiognomia de Della Portea, na frenologia de Galle e na degeneração de Morel. A antropologia criminal serviu-se de todos esses autores para a formulação de suas teorias.

• Psicológicos – gosto pela tatuagem, uso de gíria, descuido com a aparência, imprudência, impulsividade, insensibilidade moral, caráter vingativo, preguiça, gosto pela orgia e pelo delito, ausência de remorso entre outros. O criminoso também seria sensível ao metal, à eletricidade, aos meteoros e a mudanças atmosféricas, além de afetar pouco as mulheres.

• Fisiológicos – insensibilidade à dor, capacidade de rápida cicatrização, ambidestrismo.

Para demonstrar a ineficácia dos pressupostos do direito clássico, o ponto chave utilizado pelos positivistas foi a reincidência do criminoso nato, sendo este, por excelência, incorrigível, pois seu comportamento era totalmente biodeterminado. Tal princípio de biodeterminismo chocava-se frontalmente com o conceito de livre arbítrio do indivíduo, pois como poderia um indivíduo ser punido sem ele mesmo querer cometer tal delito? Esse princípio tiraria qualquer responsabilidade penal do criminoso pelos delitos cometidos. O delinquente, nesse caso, era pouco passível de punição, pois considerado pelo fator biológico, o criminoso não teria o poder de escolher ser honesto, ou mesmo, se adaptar perfeitamente às regras sociais, morais e legais.

A explicação da criminalidade para Garófalo tem, por sua vez, fundamentação no comportamento do tipo criminoso, uma suposta anomalia psíquica e moral. Em suma, o criminoso seria portador de “déficit de um adequado desenvolvimento da sensibilidade moral, de vivência altruísta, defeito organicamente condicionado e não mero produto de fatores ambientais” (MOLINA & GOMES, 1997). Sua divisão dos tipos delinquentes consistia em: assassino, criminoso violento, ladrão e lascivo.

Garófalo propunha um maior rigor do sistema penal perante o crime em prol da eficaz defesa da ordem social. “Do mesmo modo que a natureza elimina a espécie que não se adapta ao meio, também o Estado deve eliminar o delinquente que não se adapta à sociedade, às exigências da convivência” (MOLINA & GOMES, 1997: 132).

Para a Escola Positivista9, a questão de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, que fazia com que os juristas liberais apenas se preocupassem com os delitos e não considerassem a singularidade do criminoso, era uma arbitrariedade. Essa visão deveria ser alterada e a Justiça deveria se adaptar à nova realidade científica do homem delinquente. Para definir a pena, segundo a nova Escola, os juízes deveriam se orientar por uma avaliação da periculosidade do delinquente, pelo índice pessoal de expectativa da realização de novos delitos. Essa avaliação deveria ser realizada por uma equipe de especialistas que dominassem as técnicas de mediação antropométricas para a avaliação de estigmas físicos, psicólogos e fisiológicos. Os resultados orientariam a escolha da medida penal a ser aplicada.

Dessa maneira, para a proteção social, as propostas da Escola Positivista abriram as portas para a interdição legal de indivíduos que eram vistos como perigosos socialmente, antes mesmo que qualquer delito fosse cometido. E a Justiça poderia se exercer por tempo indeterminado, até que se verificasse, através de um novo exame criminológico, o fim da periculosidade. Não havia mais dúvida de que, para a manutenção do bem comum, a sociedade, através do Estado, deveria prevenir-se de possíveis crimes que poderiam, um dia, vir a ocorrer.

Os delinquentes, embora não fossem individualmente responsáveis por seus crimes, eram socialmente imputáveis pelo perigo que apresentavam à sociedade. Tal como pregava o alienismo – que os loucos eram inocentes mas deveriam ser tratados e contidos em prol da segurança pública – os delinquentes eram tão irresponsáveis quanto os loucos e não eram passíveis de punição e castigo, mas, sim, deveriam ser segregados, isolados socialmente e tutelados pelo Estado.

O plano de reforma imaginado pela Escola Positivista levantou uma importante polêmica sobre a eliminação de um júri popular, substituindo-o por um corpo de especialistas entre médicos, psiquiatras, criminólogos e antropólogos criminais, cuja função seria examinar e classificar a periculosidade do delinquente. Além da eliminação do júri, defendiam a distinção entre a ação pública e privada em direito penal, pois qualquer crime intervinha

9 A Escola Positivista teve grande influência no médico legista brasileiro Nina Rodrigues, pioneiro na

imediatamente em toda sociedade. Seria necessário considerar reincidente todo indivíduo que voltasse a delinquir, não importando os artigos do Código Penal infringidos ou o tempo decorrido entre os crimes.

O plano de reformas atingia também o sistema punitivo institucional, pois este deveria conter programas de ensino penitenciário, cursos de antropologia e psicologia criminal, obrigando os alunos a estagiarem em penitenciárias. Os juízes deveriam saber reconhecer o criminoso e classificá-lo segundo seu tipo. Por último, os positivistas lutavam pela implantação de asilos para a segregação perpétua de menores com tendências criminais e a instalação de instituições como os manicômios judiciários. Em suma, a finalidade da lei penal consistiria no combate do fenômeno social do crime em defesa da sociedade (MOLINA & GOMES, 1997).

O perfil de criminoso que se construiu, na época, indica explicitamente a maneira pela qual, a partir de certo momento, as modernas sociedades ocidentais passaram a não mais elaborar o critério de sua identidade tendo como referência grupos humanos culturalmente diferentes e que se localizavam em suas fronteiras. Começava a ser considerada uma espécie de “subsociedade”, que prosperava, agora, em seu próprio ambiente. As expressões “sociedade contra o crime” ou “o criminoso é um ser antissocial”, segundo Carrara (1998), demonstram justamente o processo através do qual o “outro” passa a habitar dentro do “nós”. Esse processo não só poderia justificar o intervencionismo destruidor junto a culturas não-ocidentais, como também a negação de qualquer direito aos delinquentes, transgressores e quaisquer indivíduos que questionassem as regras e valores da sociedade dita civilizada.

Pode-se citar, nesse passo, toda uma genealogia de grandes psiquiatras debruçados sobre a questão-mor do louco criminoso, desde Esquirol com suas ‘monomanias’, passando por Morel com seus ‘degenerados’, Charcot com suas ‘histéricas’ (...), até os atuais ‘pepezões’, ou ‘personalidades psicopáticas’, categoria com a qual a psiquiatria moderna lida sem definir muito claramente, a não ser para categorizar nela tudo o que existe de imoral, sádico, cruel e sacana na personalidade humana e que não pode ser explicado pelos padrões do tal homem médio, ‘ajustado’ aos padrões sociais (JACOBINA, 2003: 28).

No documento MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (páginas 69-73)