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Parte I Enquadramento Teórico

Capítulo 2 A Escola como organização educativa

2.2. Da Escola de elites à Escola de massas

A Escola elitista do passado correspondia a um mundo bem delimitado em termos de território físico e “protegido” em relação ao exterior. A democratização do acesso à escolarização e a construção da “Escola de massas” fizeram com que ela se tornasse “porosa” relativamente ao contexto social envolvente. Os novos e numerosos públicos representam, com a sua heterogeneidade, a presença, dentro da Escola, dos grupos sociais e das suas camadas de pertença.

Com o simultâneo declínio do poder institucional da Escola, o regresso da vulnerabilidade social e o crescimento de desigualdades sociais, a Escola passou a ser invadida pelos problemas sociais. Esta situação traz consequências importantes na exigência do exercício da profissão docente em que os professores são constrangidos a reconstruir uma legitimidade e autoridade perdidas. Canário (2007, p. 144) afirma que:

O tendencial dualismo social e os fenómenos de segregação espacial urbana têm simétrica tradução nos sistemas escolares que igualmente reproduzem modalidades no que se refere a resultados e públicos, entre ou intra estabelecimentos de ensino, bem como fenómenos de segregação com base em fatores económicos, sociais e étnicos.

Entre os fatores de transformação ocorridos na Escola, segundo (Esteves, 2003), podemos referir que, de uma Escola de elites, se evoluiu para uma Escola de massas, onde se misturam crianças de diferentes culturas, crianças que pretendem aprender e crianças que resistem a fazê-lo, crianças que têm elevadas capacidades de aprendizagem e outras com necessidades educativas especiais (NEE), crianças com poder económico e outras que passam fome, inseridas todas no mesmo conjunto (turma) e que formam uma amálgama muito heterogénea. De uma Escola que tinha por preocupação a instrução, a aquisição de conhecimentos, evoluiu-se para uma Escola que visa a socialização, e a educação integral do indivíduo, o que, segundo Esteves (2003), é muito mais difícil. Se à Escola da era industrial era exigida a seleção dos alunos, visando o sucesso de apenas alguns, criando uma Escola de elites, à Escola da “sociedade de informação”, por questões de igualdade de oportunidades, é- lhe solicitado proporcionar a todos os alunos o sucesso escolar. (Esteves, 2003, in Meirinhos & Osório, 2011, pp. 40-41). Enquanto a Escola de “elites” se preocupava que os alunos adquirissem determinados conhecimentos considerados essenciais para a “alfabetização”, atualmente, a Escola de “massas”, preocupa-se essencialmente em desenvolver no indivíduo competências que lhe permitam aprender por si, de forma autónoma e contínua ao longo da

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vida, implicando-o ativamente no seu processo de aprendizagem e formação ao longo da vida. Face a esta mudança, na Escola atual, também o conceito de professor é diferente: ele já não é o único detentor de conhecimentos, a única fonte de saber. O professor da Escola de hoje é um profissional com responsabilidades muito mais abrangentes e tarefas bem mais complexas, que vão muito para além do professor da Escola de elites (ibidem, p. 42).

A todas estas transformações, acrescentemos a criação da Escola a tempo inteiro, o aumento da escolaridade obrigatória, a entrada em massa da mulher no mundo do trabalho, o crescente aumento das famílias monoparentais… e podemos facilmente compreender a “amálgama de problemas” que cabe à Escola resolver e a difícil missão do professor de hoje.

Para percebermos melhor a Escola atual, façamos uma breve retrospetiva da evolução da escolaridade obrigatória em Portugal: de três anos em 1956, passou a quatro em 1960, apenas para os rapazes; a partir de 1964 passou a seis e, em 1973, com a reforma de Veiga Simão passou a oito, passando a nove em 1986, sendo, presentemente, pela Lei nº 85/2009 de 27 de agosto, estabelecida a escolaridade obrigatória dos cinco aos dezoito anos de idade. Para Formosinho (2009) foi este aumento da escolaridade obrigatória que criou a Escola de massas (Formosinho 2009, in Maia, 2013, p. 48).

De resto, para Formosinho (2000, p.9), a heterogeneidade é a essência da escola de massas, porquanto os alunos são oriundos de diferentes posições e meios sociais, existindo, por isso, diferentes educações no seio familiar e diferente entendimento do que é a educação escolar (ibidem, p. 48).

Canário (2007, p. 17) refere que, depois da II Guerra Mundial, a escola elitista lugar à escola de massas e que se passou de uma escola de certezas para uma de promessas, criando à sociedade uma visão otimista pois a Escola prometia desenvolvimento, mobilidade social e igualdade

A mesma ideia apresenta Lemos Pires (citado por Sá, 1997), ao referir uma ideologia desenvolvimentista, igualitarista que atribuía à promoção da educação. Segundo Sá, (1997), foi esta visão extremista da ideologia igualitarista o principal fator que perverteu a escola de massas, transformando-a numa escola de elites, aumentando o insucesso educativo (Sá, 1997, in Maia, 2013, pp. 44-.47).

Maia (2013), suportada por (Llavador & Alonso, 2001) e Canário (2007) refere que tal não se concretizou, e que a Escola apenas reproduziu as desigualdades sociais dos grupos heterogéneos que acolhia, simplesmente porque os alunos não partem em igualdade de

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circunstâncias, na medida em que provêm de diferentes classes sociais, daí o sentimento de frustração e desencanto face às expectativas criadas (ibidem, p. 47).

Castro (1995), também citado por Maia (2013), refere que a democratização do ensino não resultou porque foi criado “um padrão” de Escola para uma “heterogeneidade” de alunos, multiplicado por todas as Escolas.

Com efeito, a Escola de hoje é muito mais “permeável” aos problemas sociais que, trazidos para dentro da Escola pelos seus públicos heterogéneos, de diferentes contextos, a Escola se vê na necessidade de resolver, transformando-os assim, em problemas educativos. Tal como refere Esteves (2003), hoje, a Escola, confronta-se com problemas de educação para a saúde, de educação ambiental, de educação sexual, de delinquência, de toxicodependência, de violência, de multiculturalidade, etc. (Esteves, 2003, in Meirinhos & Osório, 2011, p. 42).

Ora, face a tantas exigências, o autor questiona-se se será possível à Escola atual dar resposta adequada a tantos e tão complexos problemas, até porque, atualmente, cada vez mais a sociedade a responsabiliza pelos fracassos de si própria, isto é, exige à Escola soluções para problemas que são sociais.

Nóvoa (2005) responde que é impossível à Escola resolver tantos problemas, justificando que:

Historicamente, a escola foi procurando compensar a fragilidade das famílias e da sociedade, assumindo um mundo cada vez maior de missões. Tudo, mas mesmo tudo foi passando para dentro das escolas. Como se fosse possível resolver todos os problemas das crianças e dos jovens no espaço escolar. Não é. (Nóvoa, 2005, in Machado, 2012, p. 8).

Não obstante esta justificação, também à Escola atual são atribuídas responsabilidades, pois são vários os autores que afirmam que a Escola não evoluiu o suficiente, não soube adaptar-se para responder aos novos desafios colocados pela sociedade atual. Meirinhos e Osório (2011) reportam-se ao relatório da OCDE (2001), apontando como causas o facto de a Escola continuar a ter as mesmas estruturas organizacionais, o mesmo modelo pedagógico (ou semelhante) da sociedade do século XIX, referindo aquele organismo que mantém-se a preocupação, pelo facto de as características estruturais, organizacionais e comportamentos básicos do local chamado “escola” não se terem alterado suficientemente (OCDE, 2001, p. 66, in Meirinhos & Osório, 2011, p. 42).

Em suma, refere este relatório que a Escola de massas poderá não ter as “ferramentas” adequadas para garantir o sucesso educativo de todos os alunos que a frequentam, mas que

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não está isenta de culpas, na medida em que tem evoluído pouco, isto é, mudaram os públicos, avolumaram-se as funções e os problemas e ela, Escola, mantém basicamente a mesma organização e forma de trabalhar.

No mesmo sentido vai Giddens, (2000) citado por Meirinhos e Osório (2011) ao referir que as exigências e os desafios colocados à Escola atual requerem mudanças pessoais e organizacionais, reformas profundas, que permitam à Escola evoluir para acompanhar a evolução da sociedade do seu tempo e não serem “instituições incrustadas”, isto é, inadequadas para as tarefas que são chamadas a desempenhar (Giddens, 2000, p. 29, in Meirinhos & Osório, 2011, p. 43).

Nesta Escola de massas, e face à crise social da atualidade, o estado e a sociedade exigiram a esta “nova” Escola o desempenho de novas tarefas, tanto na socialização dos alunos como na sua instrução e desenvolvimento pessoal. Para responder a tais exigências, o sistema educativo exigiu aos docentes novos conhecimentos e competências gerais, trouxe para a Escola outros profissionais (Psicólogos, por exemplo) e constituiu especializações na função docente (Formosinho, 2000, in Maia, 2013, p. 50).

Ser professor, hoje, na Escola de massas, é tarefa bem mais difícil de conseguir, dado que, além da missão de ensinar, “esta” Escola está hoje a transbordar de missões e de responsabilidades (Nóvoa, 2007).

Canário (2007, p. 144, citando Tedesco & Fanfani, 2002) refere que a exigência do desempenho de tarefas assistencialistas prejudicam o sucesso da missão de desenvolver aprendizagens.

Face a esta multiplicidade de funções, Formosinho (1997) elenca um conjunto de funções inerentes ao professor desta Escola de massas:

“a) Ser responsável pelo apoio específico a determinados alunos; b) Avaliar compreensivamente o progresso dos discentes;

c) Apoiar os alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE); d) Colaborar nos programas de intervenção;

e) Dominar os apoios à instrução; f) Elaborar projetos de inovação; g) Formular programas;

h) Organizar e orientar ações de formação contínua; i) Elaborar programas de ocupação dos tempos livres; j) Gerir clubes;

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k) Desenvolver atividades de complemento curricular;

l) Atualizar-se permanentemente” (Formosinho, 1997, in Maia, 2013, p. 50).

Facilmente podemos concluir pela concordância entre todos os autores citados relativamente às causas dos problemas vividos na atualidade pela Escola de massas. Mas dada a sua multiplicidade, origem e complexidade, a sua resolução não se apresenta tarefa fácil, nem tão pouco de resolução imediata. A Escola deve, efetivamente, procurar desenvolver no seu seio mecanismos e procedimentos capazes de responder, paulatinamente, aos problemas mais delicados de toda a comunidade educativa, em particular dos discentes, dada a fragilidade e “desproteção” que muitos transportam dos contextos sociais em que se inserem. E há, sem dúvida, muita coisa que pode (e deve) mudar. Porém, a Escola enquanto organização, e apesar da (teoricamente) crescente autonomia, continua fortemente dependente de outros sistemas, (poder central, poder local) cujas “orientações”, deve respeitar. Por outro lado, é bom lembrar que as mudanças não se fazem “por decreto” e que, só motivando e envolvendo os principais “agentes de mudança”- os professores -, criando em cada um essa vontade/necessidade, essa mudança produzirá resultados. Para que cada um se sinta elemento integrante dessa “orquestra polifónica” que é a Escola.

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2.3. Contributo das lideranças intermédias na Supervisão da “organização