• Nenhum resultado encontrado

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: CONSTRUINDO O CAMPO

2.1. TRILHAS EPISTEMOLÓGICAS DAS CIÊNCIAS DA

2.1.2. Escola frankfurtiana e a Indústria Cultural

Para abordar o pensamento frankfurtiano é imprescindível falar do papel do Instituto de Pesquisa Social, fundado em Frankfurt (1924), tendo como suas principais influências teóricas Hegel, Marx, Nietzsche, Freud. Seus fundadores depois tiveram que migrar, em 1934, para Nova York com a ascensão de Hitler ao poder alemão, retornando a Frankfurt em 1951.

Os principais representantes desta escola da teoria crítica são Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Erich Fromm, Herbert Marcuse e Jurgen Habermas. As principais áreas de investigação são o Estado totalitário e a barbárie que se faziam sentir na Europa nos meados do século XX; a arte e a indústria cultural. Com estes pesquisadores, a problemática cultural, como pontua Martín-Barbero (2009, p.71), “se converte em espaço estratégico a partir do qual se pensam as contradições sociais”.

Adorno e Horkheimer, ao se interrogarem sobre as conseqüências do desenvolvimento dos meios de produção e de transmissão cultural,

discordavam da idéia de que esse desenvolvimento tecnológico fortalecesse a democracia, muito pelo contrário, consideravam eles que os meios de comunicação de massa (Rádio e TV) “não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias” (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p.100).

No período de exílio dos frankfurtianos nos EUA, a convivência entre estes europeus (Adorno, Horkheimer, entre outros) e os norte- americanos encabeçados por Paul Lazarsfeld não foi fácil devido às diferenças epistemológicas entre ambos. Adorno via nas pesquisas administrativas de Lazarsfeld uma “felicidade fraudulenta da arte afirmativa, ou seja, uma arte integrada ao sistema” (idem). Em face dessas diferenças epistemológicas, Adorno e Horkheimer desenvolvem o conceito de indústria

cultural. Estes dois autores “analisam a produção industrial dos bens

culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria” (idem, p.77). Na ótica de Adorno e Horkheimer, a indústria cultural fornece, por toda a parte, bens padronizados para satisfazer às numerosas demandas.

As contribuições de Adorno e Horkheimer incluem, no ponto de vista de Martín-Barbero18, diversas dimensões: a unidade do sistema – totalitarismo político e massificação cultural; a degradação da cultura em

indústria de diversão; e a dessublimação da arte. A indústria cultural,

consideram Adorno e Horkheimer (2006: 112), é a indústria da diversão, cujo controle sobre os consumidores é mediado pela diversão.

Em contrapartida, Walter Benjamin, outro contemporâneo dos precursores da escola de Frankfurt, analisa a indústria cultural de um modo diferente de Adorno e Horkheimer, considerando que o momento de reprodução cultural é bastante crucial. Benjamin reitera Martín-Barbero (2009), “não investiga a partir de um lugar fixo, (...) toma a realidade como algo descontínuo”, toma a dissolução do centro como seu método de pesquisa, interessando-se pelas artes menores e olhando para as experiências para entender as relações entre a cultura e os receptores e o modo como se produzem as formas de percepção nas práticas culturais. Benjamin não se refere a um otimismo tecnológico, e sim às diversas transformações de

percepção na fruição das obras de arte que as novas ferramentas

possibilitam.

18

Estas três dimensões são colocadas à prova sobre a sua razão de ser na degradação da cultura por Martín-Barbero (2009, p.74-75). Porém, no entender de Martin- Barbero, essa degradação não inclui a arte popular, limita-se a questionar a produção em série da arte erudita, entendendo que ela perde a sua aura.

Herbert Marcuse, também integrante da escola de Frankfurt, mesmo tendo permanecido nos EUA, continuou com suas pesquisas tendo como base epistemológica os ideais dos frankfurtianos. Nas suas críticas à sociedade industrial, chega a considerar aquela sociedade como “irracional como um todo”, visto que, segundo este autor, “sua reprodutividade é destruidora do livre desenvolvimento das necessidades e faculdades humanas” (MARCUSE, 1979, p.14). Nas suas contribuições à teoria crítica, Marcuse questiona as implicações das transformações tecnológicas para a sociedade industrial, chegando à compreensão de que a tecnologia torna-se um instrumento de controle e de coesão social:

Ao se desdobrar, o projeto molda todo o universo da palavra e da ação, a cultura intelectual e material. No ambiente tecnológico, a cultura, a política e a economia se fundem num sistema onipresente que engolfa ou rejeita todas as alternativas. O potencial de produtividade e crescimento dêsse sistema estabiliza a sociedade e contém o progresso tecnológico dentro da estrutura de dominação. A racionalidade tecnológica ter-se-á tornado racionalidade política. (MARCUSE, 1979, p.18, grifos nossos)

A tecnologia é vista por Marcuse como uma parte integrante do sistema de dominação que se exerce sobre as sociedades - tal como concluíram Adorno e Horkheimer. Neste sentido, este autor vai além ao considerar que a tecnologia não pode ser isolada do uso que lhe é dado em cada sociedade. Embora as reflexões deste autor se referissem às sociedades desenvolvidas (ocidentais), sua análise das transformações tecnológicas pode ser extensiva às sociedades em vias de desenvolvimento – como é o caso de Moçambique -, visto que estas sociedades ao ingressarem nas sociedades de

informação, exigem que se examinem as condições reais dos usos das

tecnologias, em conformidade com suas carências e culturas específicas, diferentes das do Ocidente.

Jurgen Habermas, com o seu trabalho sobre o espaço público, vê esse espaço como um lugar de mediações entre a Sociedade e o Estado, que permite “a discussão pública em reconhecimento comum da força da razão e a riqueza da troca de argumentos entre indivíduos, confronto de ideias e de opiniões esclarecidas (Aufklarung)” (MATTELART, 1999, p.82). Este autor vê os meios de comunicação inspirados no modelo comercial, favorecendo a manipulação da opinião, a padronização, a massificação e a atomização do público, fazendo com que o cidadão seja um consumidor passivo. Em face deste estado passivo em que se vê sujeito o cidadão, Habermas coloca como solução a “reestruturação das formas de comunicação num espaço público

estendido ao conjunto da sociedade” (idem, p.83), pois as suas preocupações prendem-se à democratização dos meios de comunicação.

Nas décadas de 60 e 70, com o raciocínio de Louis Althusser sobre os aparelhos ideológicos do Estado (escola, igreja, mídia, famílias etc.) analisa-se a mídia como um dos instrumentos usados pela classe dominante para assegurar, garantir e perpetuar o monopólio da violência simbólica sobre as sociedades.

Efetivamente, a Teoria Crítica desempenhou um papel crucial no questionamento das transformações tecnológicas que vem ocorrendo, nos últimos cem anos. Os autores integrantes da Teoria Crítica recusam-se a apenas congratular os benefícios destas transformações, concentrando-se nos seus efeitos problemáticos na vida das sociedades. Estas referências ainda que não venham a ser utilizadas diretamente na análise que fare sobre a presença das TIC nas escolas públicas de Moçambique, foram indispensáveis à constituição de um pano de fundo para minha reflexão sobre o tema.