• Nenhum resultado encontrado

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: CONSTRUINDO O CAMPO

2.1. TRILHAS EPISTEMOLÓGICAS DAS CIÊNCIAS DA

2.1.3. Estudos Culturais e Comunicação

Os Estudos Culturais são uma referência bastante importante para a contextualização dos cenários em que se situa a mídia-educação, e no âmbito desta pesquisa contribuem também pela perspectiva fortemente pós-colonial que desenvolvem. Na origem dos Estudos Culturais encontram-se quatro figuras importantes. Richard Hoggart, cuja preocupação é estudar a influência da cultura difundida em meio à classe operária inglesa pelos meios de comunicação modernos, dando maior atenção aos receptores; Raymond Williams, com os seus estudos voltados para a genealogia do conceito de cultura na sociedade industrial; Edward P. Thompson, que se preocupou em estudar as práticas de resistência das classes operárias e Stuart Hall, jamaicano radicado na Grã-Bretanha.

Stuart Hall (2003) refere que este campo de conhecimento emerge nos meados dos anos 1950, na Universidade de Birmingham, no Center for

Contemporary Cutural Studies (CCCS). É neste Centro que a partir de

Richard Hoggart, com a obra As utilizações da Cultura, de Raymond Williams com a obra Cultura e Sociedade e de Edward P. Thompson, com a obra A formação da Classe operária inglesa, que se constituiu a cesura a partir da qual emergiram os Estudos Culturais.

O Centro de Birmingham desenvolve dentro de um contexto político em que sobressai a New Left Review, na Grã-Bretanha. Thompson é um dos fundadores da New Left, dentro da qual ele partilha o “desejo de ultrapassar as análises que fizeram da cultura uma variável submetida à economia” (MATTELART e NEVEU, 2004, p42), e ir pelas análises baseadas nas

práticas e formas culturais para compreender como essas práticas culturais cristalizam visões e atitudes que exprimem regimes, sistemas de percepção e de sensibilidade.

Na visão de Hall (2003: p.57) os Estudos Culturais tentaram “pensar

partindo dos melhores elementos dos paradigmas culturalista e estruturalista”

recorrendo a conceitos como ideologia/cultura/hegemonia. O mesmo autor refere que estes dois paradigmas (culturalista e estruturalista) são centrais para o campo dos Estudos Culturais.

O conceito de ideologia é retomado, em parte, a partir das ideias de Louis Althusser, segundo o qual a mídia faz parte dos aparelhos ideológicos do Estado, sendo usada para perpetuar a violência simbólica sobre os dominados. Antonio Gramsci é outra referência importante, indagando o conceito de hegemonia, pois, ainda que reconhecesse que as ideias dominantes são as ideias dos dominantes, “interroga também as mediações pelas quais essa autoridade e essa hierarquia funcionam, ele integra o papel das ideias e das crenças como suportes de alianças entre grupos sociais” (MATTELART e NEVEU, p.74). Na mesma ordem de raciocínio, Gramsci considera que “a hegemonia é fundamentalmente uma construção do poder pela aquiescência dos dominados aos valores da ordem social, pela produção de uma vontade geral e consensual” (ibid).

Diferentemente do paradigma marxista que contrapunha base e

superestrutura, os Estudos Culturais, na perspectiva de Hall (2003: 141),

conceituam “a cultura como algo que se entrelaça a todas as práticas sociais”. Este entrelaçamento entre cultura e práticas sociais é definido, ao mesmo tempo “como os sentidos e valores que nascem entre as classes e grupos sociais diferentes, com base em suas relações e condições históricas, pelas quais eles lidam com suas condições de existência e respondem a estas; e

também como as tradições e práticas vividas através das quais esses

“entendimentos” são expressos e nos quais estão incorporados” (idem, p.42). Os Estudos Culturais desde seu início abordaram temas sociais variados que antes não eram recorrentes no espaço acadêmico, como

geração, gênero, etnicidade, sexualidade, e o modo de constituição das

coletividades, tendo em conta não só a cultura erudita, mas todas as práticas culturais de uma sociedade. Permitiram, ainda, desenvolvimentos na abordagem epistemológica das questões ligadas à cultura, à mídia, à economia, etc., que são criteriosamente sintetizados por Mattelart e Neveu (2004):

Trata-se, então, do esboço de uma tríplice ultrapassagem. A ultrapassagem de um estruturalismo limitado a herméticos exercícios de descodificação de textos. Via Gramsci, a ultrapassagem das versões mecanicistas da

ideologia no marxismo. A ultrapassagem da sociologia funcionalista norteamericana da mídia: contra o mecanismo do modelo estímulo-resposta, se desenha uma atenção às repercussões ideológicas da mídia, às respostas dinâmicas dos públicos. (p.93)

Os Estudos Culturais latino-americanos desenvolveram-se num contexto específico e anterior à própria designação deste campo científico, como apontam Mattelart e Neveu (2004):

Quando, no entreguerras, o peruano José Carlos Mariátegui se questionava sobre a transição do modelo educativo de seu país, herdado da França das luzes, para os “métodos americanos”, ele já adotava o conceito de hegemonia de Gramsci, com quem tinha relacionamento de amizade. Quando o pedagogo brasileiro Paulo Freire, no início dos anos 1960, tentava iniciar uma “pedagogia do oprimido”, ele de fato remetia a uma reflexão sobre os elementos de resistência historicamente contidos nas culturas populares. Sob a presidência (1970-1973) de Salvador Allende, os primeiros estudos etnográficos sobre a recepção das séries americanas e das telenovelas nos meios populares de Santiago do Chile abriram uma brecha precoce em uma esquerda que permanecera no tempo da propaganda de agitação, incapaz de captar a cotidianidade da cultura da mídia. (p.142)

Dos autores que, com base em diálogos a partir de referências européias e as especificidades culturais da América Latina, contribuíram para a institucionalização dos Estudos Culturais nesta parte do continente americano fazem parte Jesús Martín-Barbero, com os seus estudos sobre as

mediações; Néstor García Canclini, com os estudos sobre as culturas híbridas e os consumidores e os cidadãos; o brasileiro Renato Ortiz, com a moderna tradição e a globalização o mexicano Jorge González, com as

frontes da cultura cotidiana.

Efetivamente, os estudos da Comunicação são importantes para compreender as diversas abordagens epistemológicas por que passou e têm passado este campo de saber. Essa abordagem têm suas implicações nos estudos relacionados à mídia-educação, como veremos a seguir.

2.2. MÍDIA-EDUCAÇÃO COMO UM CAMPO DE SABER EM