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Durante as entrevistas percebi que a escola é um lugar de referência para as famílias. Ela aparece como um lugar para a infância. Um lugar no qual as crianças podem ser crianças e viver suas infâncias, já que lá estão entre pares.

“A escola é sem dúvidas o melhor lugar para “criar” um filho, porque ele aprende a dividir, brincar com os coleguinhas e não ser egoísta”. (Débora, 2018)

“Optamos pelo cuidado coletivo para Leonardo e também para o nosso filho mais velho na época, pois acreditamos na importância da convivência, da socialização. Nosso filho perderia oportunidades estando sozinho em casa, pois o convívio entre pessoas é rico e fundamental. Leonardo frequenta a escola em tempo integral e não imaginaria sendo diferente” (Pâmela, 2018). “Valorizamos muito a escola pois não gostaríamos de ter que levar nossa filha em uma cuidadora que não tem a mesma formação que as professoras. Sabemos que na escola os profissionais recebem orientação e inclusive a alimentação é balanceada, sob responsabilidade de uma nutricionista” (Joana, 2018)

Para os pais entrevistados as crianças estarem desde pequeninos na escola lhes é motivo de segurança. Entendem-na como um lugar de proteção e estímulo, mesmo sabendo que lá irão brincar, bem mais do que terem aulas. Compreendem que a escola da infância é uma escola diferente, e que as crianças estando lá, podem aprender e ter um repertório qualificado para os desafios do futuro.

Richter e Barbosa corroboram, destacando essa organização diferenciada da escola da infância:

Os bebês e as crianças pequenas, em sua condição vital de serem simultaneamente dependentes dos cuidados do adulto e independentes em seus processos interativos no e com o mundo, rompem com a tradição de conceber e realizar o currículo como prescrição de objetivos e “conteúdos” a serem aprendidos.

Um estabelecimento educacional para crianças pequenas exige pensar e praticar ações no cotidiano diferentes do modelo escolar organizado em “aulas” e baseado na “transmissão de conteúdos”. (RICHTER e BARBOSA, 2010, p. 90).

As falas das famílias revelam que a escola faz parte de uma rede de apoio, onde a relação de confiança aparece fortemente, mostrando que as profissionais serem atenciosas é determinante e fazem da escola um lugar especial, já que é ali que diariamente entregam sua maior riqueza, que são os filhos.

“Nós acompanhamos a construção da creche quando era um terreno baldio ainda e sempre sonhamos em ter um filho e poder estudar nesta escolinha. Hoje tudo isso é realidade e nos deixa bem tranquilos pois admiramos muito o trabalho feito na EMEI...” (Joana, 2018).

Para Richter e Barbosa,

A Educação Infantil, em sua especificidade de primeira etapa da Educação Básica, exige ser pensada na perspectiva da complementaridade e da continuidade. Os primeiros anos de escolarização são momentos de intensas aprendizagens para as crianças. Elas estão chegando ao mundo, construindo relações de pertencimento, aprendendo a compreender seu corpo e suas ações, suas interações, gradualmente se inserindo com e na complexidade de sua (s) cultura(s) e corporalizando-a(s) (2010, p. 91).

A relação de confiança almejada pelas famílias também é fundamental entre as crianças na construção das relações. No cotidiano da escola, o tempo em que educador e crianças permanecem juntas, assim como o tempo em que as crianças estão com outras crianças possibilita a construção de relações que ao serem respeitosas, ganham significados.

As escolas que participam da pesquisa estão organizadas com espaços, horários e quadro de pessoal de maneira a respeitar as crianças e suas necessidades, porém existem dias em que o imprevisto rompe essa lógica. Geralmente é a falta de pessoal o problema maior. Atestados médicos ou faltas ao serviço comprometem o andamento da escola e as crianças são as maiores prejudicadas. Para a diretora da EMEI Elso Paulo Severnini,

“Os atestados são grandes desafios para a gestão pois nem sempre a falta de pessoal é suprida pela Secretaria de Educação. Quando referem-se a quinze dias por exemplo, precisamos unir as turmas e dar um jeito. As crianças são as que mais sentem, pois perdem a referência” (CARLIN, 2018).

De encontro a isso, as mães entrevistadas afirmam que percebem quando tem algo diferente na escola, em especial a falta das professoras. Afirmam que nestes dias saem apreensivas, mas que precisam deixar as crianças lá mesmo assim. A

escola mostra-se como um lugar importante para as famílias, como um “porto seguro”, mesmo que apresente fragilidades, entre as quais destacam o fato de cada profissional ter seu jeito e por isso confiarem mais em alguns profissionais do que em outros. Neste quesito é possível perceber que existe a intenção de uma proposta de trabalho única nas escolas pesquisadas, porém a sua efetivação depende de cada um que a compõem.

Outra questão que apresentam é o tempo de permanência das crianças na escola.

“Ana Cláudia permanece na escola em tempo integral. Gostaríamos de pegá- la para almoçarmos todos juntos em nossa casa, mas isso é impossível. Trabalhamos em um frigorífico e temos apenas uma hora de intervalo. Neste curto tempo fica inviável fazer a retirada do uniforme que usamos para em questão de uma hora ter que estar vestido novamente na esteira de produção. Assim, aproveitamos a noite e os finais de semana para ficarmos juntos e brincar” (Joana, 2018).

“No início eu vinha buscar ele na creche. Não achava certo nós almoçar sem ele. Depois percebi que eu não fazia bem para ninguém. De tarde as profes contavam que ele ficava cansado e eu acabava nem podendo dar atenção, tendo que fazer comida. Agora ele está maior, mas continuo indo dar de mamá para ele. Assim, mato minha saudade e ele fica bem na escola” (Débora).

Na rotina normal das famílias pesquisadas, o distanciamento entre elas e as crianças é bem expressivo, chegando a ultrapassar dez horas diárias. O desejo de brincar com os filhos e estarem com eles aparece nas falas, marcado pela questão de que a noite geralmente estão cansados e com isso o tempo juntos fica comprometido.

Percebo que de modo geral o desejo de estar mais perto das crianças durante o dia parte das mães, as mesmas que mais se aproximam da escola, participando das reuniões, entregas de pareceres e conversações. Nas entrevistas ficou visível que a responsabilidade pela escola é da mãe. A figura do pai fica restrita as festividades promovidas pela escola, com algumas exceções, como é o caso de Sergio.

“Tanto eu como o Sergio temos o hábito de conversar com as professoras e sempre mostramo-nos dispostos a ajudar no que for preciso, para qualificar a escola” (Pâmela, 2018).

Para Pâmela e Sergio a escola pública carece de mais envolvimento por parte dos pais. Destacam que pequenas ações organizadas através do CPM, como rifas, bingos, festas juninas, entre outras repercutem em qualidade para as crianças na escola, pois dão um retorno financeiro imediato e direto. Com isso agilizam pequenos reparos que através de processos licitatórios demorariam bem mais a acontecer. Sergio lamenta que em muitos casos são sempre os mesmos que participam, quando poderiam ter bem mais força.

Referindo-se a importância da escola as famílias entrevistadas são unanimes em afirmar que é um lugar que educa, que mantém as crianças no caminho “certo” e dá a elas a possibilidade de “ser alguém na vida”.

“A escola contribuiu na formação de valores de minha filha. Agora sabe dizer obrigada, por favor... se percebe que recebeu uma boa educação” (Paula, 2018).

“Eu não tenho mais bebê. Meu menino está grande, maduro, está autônomo e aprendeu isso na escola. De noite quer atenção, quer mostrar o que já sabe fazer” (Marseni, 2018).

Gabriel Junqueira Filho nos convida a refletir sobre este lugar que educa as crianças, denominado como escola. Ele nos chama atenção em relação as aprendizagens, as crianças propriamente ditas, que ao pertencerem a uma escola tem interesses, curiosidades e querem saber.

O que as crianças querem saber? E quando digo “querem saber”, não estou me referindo a caprichos, modismos ou à volubilidade das crianças, mas a saberes que indicam desejos e necessidades das crianças, aqueles que as crianças “querem porque precisam” saber mais do que quaisquer outros, em diferentes momentos do processo de produção de sua vida em família e na escola de educação infantil. Como saber o que as crianças querem saber? Como saber por que as crianças querem saber umas coisas mais que outras? E quando conseguimos saber o que as crianças querem saber, como organizá-las, orientá-las e acompanha-las nesta investigação? ( 2005, p.11).

As escolas da infância têm um compromisso que vai além de cuidar das crianças enquanto os pais trabalham. Elas têm o compromisso de permitir o desenvolvimento, as potencialidades, sem que para isso elas tenham que apenas escutar. Considerar que a escola é um lugar onde os interesses das crianças tem espaço é afirmar o que a mãe Marseni traz em sua fala, quando seu filho lhe pede espaço para apresentar aquilo que já sabe, que está aprendendo. De encontro a esta

ideia, Malaguzzi (1983) afirma que “a educação que defendemos é, em última instância, não aquela que torna as crianças espectadores, mas protagonistas”.

A escola da infância abraça as curiosidades e necessidades das crianças. Para elas o tempo de perguntar, de escutar. Para elas, móveis acessíveis que incentivam a autonomia, para elas, rodas de conversa que possibilitam a participação, para elas, pátios que favorecem o contato com a terra, a grama, a água.

Ao conceber as crianças protagonistas, as práticas e os encontros são com elas, não para as elas. As paredes da escola narram histórias das crianças, escritas por educadores que munidas do papel de escribas, facilitam a compreensão da função social da escrita. As fotografias ilustram vivências de um tempo e um lugar tão importantes, que certamente deixarão saudades.

Os serviços educacionais se tornam contextos de pesquisas, onde as teorias das crianças podem ser legitimadas e ouvidas; um contexto onde se sintam à vontade, motivadas e respeitadas em seus percursos e processos existenciais e cognitivos (PAGANO, 2017.p. 29)

Quando as crianças convivem em escolas que as respeitam, desfrutam de possibilidades importantes, as quais lhes ajudarão em novos processos que precisam realizar. Ao crescerem, surgem outros desafios e com eles o ciclo da educação infantil finaliza. O término da educação infantil exige das famílias uma nova organização, pois as crianças passarão a habitar outros lugares, outras escolas.

“Kaik estar na escola permite que eu trabalhe tranquila... mas agora quando chegar a hora dele sair, terei que ver como farei. Penso em largar meu emprego meio dia, pois tenho receio de deixar ele sozinho em casa. Ele é curioso... tenho receio por causa do fogo” (Marseni, 2018).

“2018 é o terceiro e último ano do nosso filho nesta escola de educação infantil e temos que agradecer, imensamente, a todos os profissionais, pelo cuidado, dedicação, carinho e aprendizagens transmitidas ao nosso filho, foram anos incríveis” (Fabiane, 2018).

A escola é marcada como um lugar importante, um lugar de referência, tanto para as crianças, como suas famílias. A saída da criança para o ingresso na escola de ensino fundamental é um corte, um momento no qual é exigido que os pequenos cresçam e os adultos busquem outras alternativas de cuidado e educação. As famílias

entrevistas nunca cogitaram outra alternativa de cuidado para seus filhos pequenos, senão a escola. A única exceção foi o caso da família de Emanuely.

“Desde que Emanuely nasceu eu nunca pude ficar com ela. Sempre trabalhei no frigorífico, com uma jornada bem desgastante. Decidimos mudar de cidade e com isso eu posso me dedicar a ficar com ela de manhã. Tomamos café juntas, arrumo o cabelo dela com calma, vamos ao mercado, conversamos e a tarde ela vai para a escola... tem sido muito bom! “(Paula, 2018).

O relato de Paula reforça a ideia de que a infância tem muitos lugares e que as famílias podem decidir pelo que as deixa mais segura em relação à educação e o cuidado dos filhos pequenos.