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2.5 A escola da infância: Direito de todos, lugar somente para alguns !?

2.5.3 Vaga na educação infantil: Faz ou não diferença?

Considerando o PNE (2014-2018) e o PME (2015), documentos que preveem a ampliação da oferta de vagas para os bebês e as crianças pequenas nas escolas de educação infantil do país e do município de Três Passos, as vozes das famílias representadas por narrativas, ganham espaço, trazendo a discussão: faz diferença ter vaga na educação infantil?

Narrativa 02:”Eu hoje decidi voltar aqui para ver se você solucionou o meu problema! Graças a Deus consegui um emprego e vou poder ajudar nas despesas lá de casa, mas se vocês não me derem a creche, meu sonho se vai por água abaixo. Sabe qual é meu sonho? Ter uma casa própria! E pelo que parece... vocês vão acabar com ele! Minha filha não ter creche significa eu não ter casa, fique sabendo disso!” (Fernanda - Mãe criança de 14 meses)

Narrativa 03: “Percorri todas as Creches de Três Passos e as Diretoras disseram que não tem vaga, mesmo que estou na fila de espera. Então, vou te dizer uma coisa Senhora: Vou trazer meu filho aqui na Prefeitura todos os dias e vocês que tratem de cuidar dele para mim! (Silvane – Mãe criança de 8 meses)

As narrativas acima representam mães trabalhadoras, de classes populares que desejam vaga para seus filhos na educação infantil. São vozes movidas pela necessidade de estarem no mercado de trabalho, contribuindo nas despesas da casa. O fato de não ter com quem deixar seus filhos as assusta e as leva a pedir ajuda.

No caso da narrativa número 02, são os sonhos que vêm à tona. A mãe, tomada pela emoção revela seus projetos de vida, os quais demandam recursos financeiros que somente serão atingidos com a sua contribuição. A oferta de atendimento para o filho na educação infantil representa a possibilidade do sonho da casa própria se tornar real. A falta do atendimento na educação infantil dificulta a contribuição da mãe no orçamento doméstico, por precisar dedicar-se ao cuidado do bebê, deixando alguns projetos mais distantes.

A ira expressa pela mãe na narrativa número 03 revela a indignação mediante um sistema que não traz à ela e a muitas outras famílias a resposta que necessita. Quase que em um apelo clamando por socorro, a mãe manifesta o desejo de entregar aos responsáveis pela Secretaria de Educação o cuidado de seu filho. Ela não ameaça entregar para “qualquer um” o compromisso do cuidado, ela desafia aqueles que gestam a educação do município, querendo um posicionamento destes.

Frente a narrativas tão significativas questiono-me sobre o valor que possui a vaga da criança na educação infantil para a família. Percebo que além desta etapa de ensino oferecer um lugar de segurança e proteção às crianças pequenas, ela representa uma importante diferença no orçamento familiar, assim como em sua organização.

Aliado a isso questiono a importância dada a conquista dos bens materiais pelas famílias, as quais aparecem com força nos discursos e nas narrativas. Por vezes sonhos materiais são trazidos a público com o mesmo peso dado ao lugar da criança. Sem a existência da vaga pressionam um espaço que não existe e se existir ultrapassando o limite de crianças estabelecido por lei, apresentam fragilidades no que se refere a atenção, cuidado e conforto, tudo isso em nome da necessidade de trabalhar.

A narrativa de número quatro ilustra outra situação, onde a família é contemplada com a vaga.

“Narrativa 04:Tivemos três filhos. Na verdade, sempre sonhamos em ter dois, mas aconteceu, então aceitamos. Nossa filha mais velha tinha nove anos, quando nasceu a segunda e sete meses depois, o terceiro. Perdemos o rumo... Nossa casa tinha dois bebês, praticamente gêmeos. Tudo ficou diferente! O rancho dava um valor alto. Era preciso comprar frutas, leite, legumes. E o pior é que era preciso ter alguém em nossa casa para cuidar as crianças, pois minha esposa precisava continuar trabalhando. O horário do almoço era delicado. Uma correria, uma gritaria. No intervalo de uma hora, muitas vezes minha esposa nem almoçava, só dava comida para as crianças, pois a Tata ia para casa. Estávamos inscritos na creche, mas as vagas só vieram quando as crianças já tinham um e um ano e oito meses. Foi um alívio! Nossa casa voltou a ter paz. As crianças estavam no melhor lugar para elas. Tinham amiguinhos para brincar, horário certo para as refeições e pessoas estudadas para cuidar delas. Pra nós foi muito bom. Voltamos a almoçar juntos e conseguimos economizar um bom valor. Não digo com isso que não valia investir nas crianças, mas tinha mês que ficava apertado. A creche nos tirou do sufoco!” (Márcio, 2016)

A narrativa número quatro marca o lugar da escola de educação infantil como uma parceira das famílias. Ter acesso a este atendimento torna-se em alguns casos sinônimo de qualidade de vida para a família, pois além de afetar diretamente na questão financeira, evitando alguns gastos, a vaga oportuniza as crianças lugares mais tranquilos, onde o tempo é organizado de acordo com elas e não com a rotina de trabalho dos pais. Existe tempo para alimentar-se com os colegas, parar para descansar e principalmente para brincar. Por vezes os adultos estão focados na

preocupação em garantir a segurança financeira da família que acabam “atropelando” momentos fundamentais na educação dos filhos, entre eles as refeições.

Márcio é um pai que posiciona-se favorável as escolas da infância, destacando sua importância, diferente de outros pais que não chegam a conhecer esta etapa de ensino, já que em nosso País o Estado não tem cumprido totalmente suas responsabilidades legais, o que afeta diretamente as crianças e seus familiares. Albuquerque (2010) afirma que “tem-se presenciado diferentes esferas de governo implantando políticas emergenciais, compatíveis com a política de um Estado mínimo e com absoluta falta de compromisso com a educação infantil”. O resultado disso são famílias que “penam” esperando pela posição da Gestão, enquanto permanecem em listas de espera por tempos que não estão ao encontro de suas necessidades.

3 GESTÃO DA INFÂNCIA

“...Dá pra viver Mesmo depois de descobrir que o mundo ficou normal É só não permitir que a maldade do mundo te pareça normal Pra não perder a magia de acreditar na felicidade real E entender que ela mora no caminho e não no final...” ( Kell Smith)