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Viver bem é o conceito utilizado pelas famílias entrevistadas para conceituar qualidade de vida. Ter uma casa boa para morar, um emprego para garantir o sustento da família, poder comprar aquilo que as crianças precisam, garantir a eles condições de estudar e estarem sendo bem cuidados, representa uma vida tranquila e de qualidade.

“Meu marido acompanhou todas as consultas do pré natal. Nosso filho foi desejado e nasceu com muita saúde e perfeito. Quanta alegria de ter ele nos nossos braços!!! A melhor coisa da nossa vida é o Kaik! Amamos nosso filho, tudo o que nós vivemos no nosso dia a dia é pra nossa família. Somos felizes e vivemos bem assim” (Marseni, 2018).

A relação do emprego e da renda estão muito ligados ao conceito de qualidade de vida. Percebe-se entre os entrevistados que ter acesso aos bens materiais que necessitam ou que entendem ser importante aos filhos, seja a qualidade que almejam para suas vidas.

A família estar unia e os filhos estarem bem representa significativamente o seu bem estar também, conforme afirma Marseni. Ter autonomia para ir e vir dirigindo seu próprio veículo, não depender de transporte coletivo, cada integrante da família possuir a sua renda representa uma vida estável e de qualidade.

Quando algumas mães lamentam o fato de ficarem horas longe de seus bebês, se conformam sabendo que o cuidado escolar não gera despesas e com isso conseguem manter conquistas materiais. No caso das famílias de Ana Cláudia e Emanuely24, os pais batem o ponto as 06:10h da manhã no frigorífico onde trabalham, horário em que já deixaram as crianças na escola.

O retorno para casa diariamente acontece próximo as 17:00h, quando existe toda uma demanda da casa para responder. Limpar, passar, cozinhar são palavras de ordem e prioridade na organização para o dia seguinte. Assim, é preciso dormir cedo, para levantar cedo e ir trabalhar. É necessário ir cedo para a escola, pois os pais precisam ir trabalhar. Ficar longe o dia todo, pois os pais precisam trabalhar...

Os pais estão disponíveis aos finais de semana e em muitos deles ainda são escalados para trabalhar em horário extra. As crianças crescem nesta rotina, onde o cotidiano revela a importância do trabalho e por vezes deixa esquecido a importância do contato, da convivência.

O tempo se faz reduzido para estas e outras famílias trabalhadoras, que ao trabalhar o dia todo, a noite estão exaustos. A tarefa de acompanhar as crianças no banheiro, desfraldá-los, ensiná-los a utilizar os talheres, observar como brincam, como falam, como se organizam... fica muitas vezes a cargo da escola.

24A família de Emanuely mudou-se de Três Passos no mês de setembro de 2018, rompendo o contrato

Para as famílias entrevistadas, a educação é entendida como uma ferramenta para obter-se qualidade de vida, já que pessoas educadas e esclarecidas tem mais oportunidades.

Thin ( 2006) afirma que

[...] o sentido da escolarização para famílias de baixa renda reside nas possibilidades sociais que ela viabiliza e sobre as quais baseia sua promessa, seja em termos de futuros profissionais, seja em matéria de conhecimentos que permitam, segundo seus próprios termos, que o sujeito “se vire” na vida cotidiana.

Ao questionar as famílias se possuem qualidade de vida, afirmam que sim, mas que sempre é possível melhorar, afinal utilizam muito tempo na aquisição de bens materiais necessários ao dia a dia e não lhes permitem conhecer novos lugares e culturas. Permitem-se apenas trabalhar e “criar” os filhos.

Para Thin (2006), as famílias de classes populares geralmente apresentam um fraco capital cultural, se o medirmos pelos diplomas e pelo número de anos de escolarização dos pais, assim como pela sua distância com relação à cultura dominante.

O capital cultural é certamente um indicador valioso quando se trata de classificar os sujeitos sociais e suas práticas culturais e educativas, compará- los, situá-los uns em relação aos outros, mas não permite, por si só, restituir ou resumir a diversidade e a complexidade das práticas. Ele deixa de lado as relações efetivas dos pais com a escola, a forma como os pais se apropriam da escolaridade de seus filhos, o sentido que eles atribuem a isso, as práticas socializadoras familiares, apesar das correlações que podemos estabelecer entre práticas e capital escolar, correlações que são a manifestação dos efeitos duráveis da socialização exercida pela escola (THIN, p. 212).

A escola para as famílias participantes da pesquisa, que representam classes populares em sua maioria, torna-se um lugar necessário e o principal recurso disponível, com o qual contam para compartilhar o cuidado das crianças e organizar a rotina de suas vidas. “A gente é feliz assim!” representa a fala de quem encontra-se em uma situação estável, cujas necessidades básicas de sua família vem sendo atendidas com a contribuição de um serviço educacional para a infância.

Ao considerar esta instância, nota-se a relevância da escola, que conforme Müller (2010), contrariamente à proposta que a constitui e ainda que se reconheça que é um espaço de distintas aprendizagens, não é representada necessariamente

como um espaço educativo que inclui o cuidado, mas como um espaço de “ajuda “ à família.

No cotidiano das creches, a constituição deste espaço como âmbito educativo esbarra em vários obstáculos que dizem respeito às expectativas de uma família vulnerável em relação às suas próprias possibilidades de cuidar de si.

Num contexto de precárias condições de existência, a creche, sobrecarregada, vem ocupando múltiplos lugares, além da função educativa que lhe cabe, enfrentando-se com demandas que a empurram para dar conta de espaços vagos deixados por carências de várias ordens: afetivas, que dizem respeito, em particular, a dificuldades no vínculo conjugal, mas implicam as relações familiares em geral, e sociais, incluindo as que correspondem a direitos sociais básicos, que deveriam ser supridos por serviços públicos e pela sociedade.( MÜLLER, 2010, p. 232).

“A gente é feliz assim!” representa a voz de uma parcela de pais da educação infantil (no caso os seis participantes da pesquisa) que possuem emprego, renda e uma convivência familiar tranquila, o que não é a realidade de todos. Muitas famílias depositam na escola a confiança de ter as refeições do seu filho garantidas, assim como a assistência em várias outras situações da vida diária. A escola passa a ser uma referência, que em muitos casos acolhe e orienta.

Nas três escolas que compõem a pesquisa já ocorreram situações em que por medida protetiva o Conselho Tutelar encaminhou crianças para permanecerem integralmente na escola, pois as condições apresentadas em casa não lhes ofereciam segurança.

A escola de educação infantil compartilha de maneira muito próxima com as famílias o cuidado das crianças. Por esta proximidade, mudanças em sua estrutura, em seus hábitos, no endereço, nos componentes... assim como episódios de desentendimentos conjugais, perca de emprego, são percebidos imediatamente. A diretora da EMEI Lápis de Cor ilustra isso em sua colocação:

“Aqui na escola temos muitas e diversas famílias. Cada uma carrega suas particularidades. Em alguns casos quando as crianças chegam de manhã já sabemos que a noite não foi das melhores. Estão chorosas e por vezes com a fralda do dia anterior. Nestes dias o olhar de quem nos entrega a criança revela quase que um pedido de ajuda. Cabe a nós acolhê-los e possibilitar momentos de conforto e segurança” (PETRY, 2018).

A escola em determinadas situações cuida e ampara mais do que seu público específico, que são as crianças. Ela representa uma rede de apoio para a família, que faz a vaga ter tamanho valor.