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A ESCOLARIZAÇÃO DO ALUNO QUE APRESENTA NEE: PREOCUPAÇÕES MATERNAS

Reginaldo Célio Sobrinho1

INTRODUÇÃO

Desde que entramos no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo em 2002, vimos estudando a relação família e escola, prioritariamente os modos de participação dos pais de alunos com NEE na escolarização dos seus filhos. No trabalho de pesquisa que realizamos entre março de 2007 e junho de 2008, nos ocupamos em analisar aspectos do modo peculiar de alguns pais/familiares se envolverem no processo de escolarização do seu filho, qual seja, participando dos encontros mensais e das atividades de um Fórum Famílias de alunos com deficiência2, organizado em uma

escola pertencente ao sistema municipal de ensino de Vitória/ES. Utilizando-nos da abordagem teórico-metodológica da

pesquisa-ação colaborativo-crítica (JESUS, 2007), ao longo de 2007

e início de 2008, participamos tanto das reuniões da equipe 1 Grupo de Pesquisa Educação Especial/Inclusão Escolar Programa de Pós-Graduação

em Educação Universidade Federal do Espírito Santo.

2Mães de alunos com NEE e profissionais do ensino que atuam nessa escola consti-

tuem esse grupo, cujos encontros acontecem mensalmente. No período de 2004-2007, os encontros aconteciam somente no turno matutino, às quartas-feiras, de 7h15min às 8h30min. A partir de 2008, sob uma dinâmica de revezamento, os encontros men- sais passaram a acontecer também no turno vespertino, às sextas-feiras, de 16h às 17h30min.

de coordenação3 quanto dos encontros mensais do Fórum de

famílias. A participação no último espaço provocou-nos uma indagação: não estaríamos nós, a exemplo do que fizeram os diversos intelectuais-educadores do início do século XX, relegando a um segundo plano a necessidade e importância do envolvimento paterno na escolarização do filho que apresenta deficiência?

Trata-se de uma primeira provocação/questão que nos salta aos olhos quando observamos que o lugar do pai é uma questão ausente e uma quase natural defasagem entre estudos mais recentes na área de educação especial/inclusão escolar (DESSEN & LEWIS, 1998), assim como quando avistamos a atitude branda que adotamos4 ao lidar com essa ausência paterna

nos encontros mensais do Fórum.

Trinta e nove familiares5 participaram dos onze encontros

mensais realizados pelo fórum em 2007, e destes, trinta e um eram mães e duas eram avós. Quatro pais compareceram uma vez cada um deles; um “pai”, na verdade, um educador social que atua no abrigo NSSA, compareceu ao encontro do mês de maio e participou do “workshop: os cinco sentidos6, em setembro.

3As temáticas e as dinâmicas dos encontros mensais do fórum de famílias eram planeja-

das por uma equipe de coordenação constituída de duas professoras do ensino comum, duas pedagogas que atuavam no turno matutino, o diretor escolar e duas represen- tantes dos pais/familiares. Em 2007, as atividades dessa equipe estavam concentradas nas quartas-feiras − a 1ª quarta-feira seria dedicada à organização da documentação do Fórum: ofícios, textos, atas, convites...; a 2ª quarta-feira seria destinada à formação continuada da equipe de coordenação; na 3ª quarta-feira aconteceria o planejamento do encontro do fórum e na 4ª quarta-feira seriam realizados os encontros mensais do Fórum de Famílias.

4 Refiro-me ao pesquisador coletivo, uma figuração que se constitui no movimento/

ação da pesquisa de perspectiva colaborativo-crítica e do qual fiz parte.

5A Escola Diamante não conta com a matrícula de um número de alunos com deficiên-

cia equivalente a esse. Esse quantitativo de pais/familiares participantes dos encontros em 2007 deve-se ao fato de, em um dos encontros mensais, os familiares de alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem ter sido convidados.

6 Trata-se de uma dinâmica coordenada por uma estudante de Psicologia que depois

de acompanhar as reuniões mensais durante o primeiro semestre de 2007, se propôs coordenar uma dinâmicas de vivência com o grupo ao longo do segundo semestre desse ano.

O sexto pai compareceu a três encontros representando sua esposa, representação explicitada em um bilhete que o apresentava à pedagoga Sara nos seguintes termos: “[...] Minha querida Sara,

hoje não foi possível eu participar da reunião por causa da audiência e também da reunião no CEF. Peço que me desculpe. Por isso este é meu esposo, pode mandar por ele qualquer agendamento”. Ao longo

daquele ano, não planejamos e sequer discutimos ações que favorecessem o comparecimento do pai de: Gean; de Flávio e de Lúcio; de Sônia; de Naiara; de Everton; de Diana; de Karina; de Laura, aos encontros mensais do Fórum.

Ao mesmo tempo em que provoca uma significativa demanda para e na organização desse modo específico de participação dos pais/familiares na escolarização de seus filhos, essa indagação também nos coloca sob a eminência de considerar a feminilidade do Fórum de Famílias no contexto da Escola Diamante7. E, acreditamos, o Fórum de Famílias não

apresenta essa formação por simples coincidência. Na nossa perspectiva, o Fórum de Famílias de alunos com deficiência constitui-se feminina e materna, a partir de um fluxo histórico mais amplo que narra a relação família e escola, cuja direção nos revela a gradativa assunção da participação da mãe nos assuntos

escolares. A partir dos estudos de Faria Filho (2002), Gondra

(2001, 2002), Gouvêa & Paixão (2004), Magaldi (2003, 2007), Souza (1997) e Vianna (2002; 2005), podemos inferir a existência de certa regularidade nas crenças acerca da participação das famílias na escolarização dos seus filhos. Esses estudos abrem caminhos para a compreensão de como, na Escola Diamante, os discursos dirigidos às famílias, reclamando sua adesão ao trabalho educativo escolar inclusivo estiveram, em grande parte das vezes, endereçados às mães, naturalizando, não somente o seu envolvimento na escolarização dos filhos como tarefa materna, mas também fundamentando as severas críticas que ainda fazemos àquelas que porventura deixarem de cumprir essa função social.

7 Nome fictício dado à escola-campo. Diferentes documentos evidenciam a condição

feminina do Fórum de Família: Atas, listas de presença, convites para os encontros men- sais, mensagens distribuídas ou enviadas aos participantes, ofícios expedidos, folder relativo ao I e ao II Fórum ampliado de Famílias de alunos que apresentam deficiência da escola Diamante.

Motivado por tais questões e compreendendo que, nas nossas sociedades ocidentais os discursos endereçados “aos pais”, solicitando sua adesão aos assuntos escolares são dirigidos às

mães, neste capítulo discutimos questões concernentes à relação

estabelecida entre mães de alunos com NEE e profissionais do ensino. Para a sistematização dessa discussão, tomamos as atas dos encontros mensais realizados por um Fórum Famílias de

alunos com deficiência, organizado em uma escola pertencente

ao sistema municipal de ensino de Vitória/ES, bem como os registros que efetuamos no diário de campo, durante o período em que participamos desses encontros mensais (de março de 2007 até junho de 2008).

Focalizando em tais registros as solicitações, recomendações e soluções dadas pelas mães como tentativa de garantir a apropriação de saberes escolares por seus filhos, buscamos evidenciar que, nas interdependências estabelecidas entre essas mães e os profissionais do ensino, emergiram tensões capazes de favorecer, a uns e a outros, a construção de crenças mais positivas quanto à educabilidade do aluno com deficiência, provocando certo desequilíbrio na balança de poder da relação família e escola. Para a sistematização e discussão dessas questões, tomamos a perspectiva da sociologia figuracional elaborada por Norbert Elias (1994, 2000, 2001 e 2005). Iniciamos nossas reflexões com uma breve apresentação/discussão acerca dessa abordagem teórica.

A ABORDAGEM TEÓRICA FIGURACIONAL OU