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História e Filosofia: campos de ancoragem para reflexão sobre o currículo e a inclusão escolar

Ao sustentarmos a categoria histórica de homem, faz sentido pensarmos no currículo se o concebemos como o cruzamento de práticas diversas que tomam significado na escola. Das diversas definições que existem para o currículo escolar, enfocaremos aquela que o define como construção cultural na concretude das ações educativas. Concordamos com Grundy

(1991) que o currículo não se trata de um conceito abstrato que tenha sentido à parte de antecedentes da experiência humana. É, portanto, uma forma de organizar um conjunto de práticas educativas humanas.

Diferentes enfoques podem ser atribuídos ao currículo. De acordo com Grundy (1991), dois merecem destaque: o enfoque conceitual e o cultural. O primeiro refere-se ao projeto curricular, que deverá conter os parâmetros necessários à execução dele. Nesse enfoque, os executores do currículo serão guiados pelas ideias e planos elaborados anteriormente. Numa perspectiva cultural do currículo, a primazia está nas experiências das pessoas que originarão sua existência. Assim, professores e alunos estão comprometidos com as práticas curriculares. Em conclusão, concebemos o currículo como uma construção social.

O currículo das escolas de uma sociedade constitui uma parte integrante de sua cultura. Para compreender o significado de qualquer conjunto de práticas curriculares, há de se considerar tanto os elementos que surgem a partir de um conjunto de circunstâncias históricas, como do reflexo de um determinado meio social (GRUNDY, 1991, p. 21, tradução nossa).

Discutir o currículo reporta-nos a refletir as práticas educacionais das instituições escolares, ele está imerso nas ações das pessoas. Portanto, pensar o currículo é pensar em como atua e interage um grupo de pessoas (profissionais, alunos, familiares, técnicos, etc.) em certas situações.

Podemos então enfatizar duas reflexões essenciais à discussão curricular: a história e a filosofia. Ao considerarmos que, em cada tempo, os homens respondem às condições humanas e às condições de conhecimento, nossa visão de mundo sempre estará articulada por uma determinada ética, estética, concepção de homem, etc. Segundo Lombardi (2008), cada perspectiva filosófica expressa uma compreensão histórica dos homens. As grandes temáticas filosóficas encontram, na história e em outros campos da educação, suas formas de concretização. Ao falarmos

da pesquisa educacional, nossa reflexão não focaliza as ideias dos homens e, sim, busca conhecer a história do homem a partir de como esse indivíduo produz sua história.

Conforme nos afirma Grundy (1991), a discussão do currículo tomada como construção social deve ser embevecida pela reflexão histórica e ontológica da sociedade na qual determinada escola está inserida. Como um tecelão que articula seus fios carregados pela história de gerações passadas, a discussão acerca do currículo em educação e da sua relação com o processo de inclusão escolar exige articulação com seus contextos de origem e sua história na educação.

De fato, nenhum currículo existe a priori. “Se pretendemos entender o significado das práticas curriculares que desenvolvem as pessoas pertencentes a uma sociedade, temos que conhecer o contexto social da escola” (GRUNDY, 1991, p. 22). Para isso, precisamos conhecer sua composição, sua organização, sua processualidade no tempo e espaço e da mesma forma as premissas que fundamentam sua construção.

O currículo como objeto de estudo e pesquisa surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos, nos anos vinte. Em 1918, Bobbitt, em seu livro The curriculum, definiu o currículo como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e medidos. Embora em diferentes perspectivas, o surgimento das discussões mais sistematizadas sobre o currículo tem, em comum, a preocupação com os processos de racionalização, sistematização e controle da escola e do currículo.

Assim, a teorização sobre o currículo nasceu de um contexto econômico americano de pós- Guerra Civil, cujo panorama se traduzia no capitalismo em alta e produção em grande escala. Segundo Moreira e Silva (2001), a concepção de sociedade predominante nesse período enfatizava as novas práticas e valores derivados do mundo industrial, caracterizado pela cooperação e especialização. O sucesso na vida profissional passou a requerer mérito na trajetória escolar. O modelo de industrialização e de urbanização trouxe para a sociedade americana um novo contexto social: a imigração para grandes metrópoles que levou a heterogeneidade para a cultura americana, surgindo a necessidade de restaurar a homogeneidade e ensinar às crianças dos imigrantes as crenças e

“comportamentos dignos”. Dessa forma, o objetivo do currículo era o de planejar “cientificamente” as atividades pedagógicas e controlá-las para evitar comportamentos e pensamentos do aluno que se desviassem de metas e padrões predefinidos.

Há, portanto, um determinado contexto social que exprime uma visão de sociedade e de homem que, por sua vez, influencia diretamente os objetivos do currículo naquele contexto. De acordo com Grundy (1991), para conhecer mais que suposições aleatórias sobre o currículo, necessitamos de conhecer não somente sua natureza, mas também o contexto da instituição.

Diante disso, devemos nos interrogar: que contexto social, político e econômico presencia hoje a educação escolar? O currículo atualmente executado nas escolas responde ao cenário vivido pela cultura brasileira? Que respostas a política curricular e as correntes teóricas procuram dar hoje a partir do currículo?

Dos diferentes sentidos que atribuímos à sociedade atual, destacamos a ascensão do neoliberalismo, a globalização econômica, a devastação ambiental, a intolerância às diferentes culturas e etnias. Logo a indagação de Adorno e Horkheimer (1985, apud LOUREIRO, 2007b, p. 8) nos é apropriada: “Por que a humanidade, em vez de entrar em estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma espécie de barbárie?” Precisamos inserir-nos numa autoreflexão sobre nossas pretensões de progresso e ciência.

Em contrapartida, vivemos em momento de eclosão de diferentes movimentos que sinalizam mudanças na sociedade, em torno de uma questão ontológica do ser humano: a diversidade e a diferença.

Atravessados pelas contingências históricas, constituímo- nos diferentes uns dos outros, do outro de ontem, do outro de hoje e do outro de amanhã. Passamos a existir como seres únicos e singulares perante a diferença do outro. De outro ângulo, assistimos, ao longo dos anos, à nossa própria diferença daquilo que nos constituiu ontem e nos faz ser como somos hoje. É nessa reflexão que insistimos: ao assumirmos a categoria histórica do ser humano como determinante das relações sociais, precisamos também assumir nossa historicidade enquanto sujeito individual e, portanto, diferentes de nós mesmos em diferentes tempos. Se somos diferentes de nós mesmos, é possível vermos a diferença

do outro não como externa a nós, mas como expressão da construção histórica, cultural e social da concepção de homem em uma determinada sociedade.

Nessa linha de argumentação, poderíamos pensar no respeito e no acolhimento à diferença do outro, vendo-a como prolongamento de nossa própria diferença. Então, seria possível pensar a inclusão da pessoa com deficiência? A diferença pela deficiência poderia constituir-se não externa a nós, e sim como parte de nossa constituição enquanto gênero humano?

Ao discutirmos a inclusão de sujeitos diferentes pela deficiência, remetemo-nos a pensar na historicidade do tratamento social dado a essas pessoas. A pergunta é: que concepção de homem vigorava nos primórdios da humanidade quando as pessoas com deficiência eram abandonadas à morte? A nós cabe, atualmente, a indagação: qual concepção de homem temos em nossa sociedade que nos permite falar/pensar em incluir pessoas com deficiência nas diferentes instituições sociais, como a escola? Teríamos avançado para uma concepção de homem que transcende a ideia da produção do capitalismo, como assistimos no início do século XIX?

Discutir o paradoxo inclusão/exclusão, questão amplamente debatida por inúmeros filósofos, sociólogos, educadores e outros, remete-nos a pensar que concepção de homem e de mundo concebemos e damos sentido em nossas práticas sociais. Insistir numa discussão do sujeito com deficiência, bem como um currículo que seja capaz de incluí-lo nas práticas sociais e escolares, sem enraizarmos os fundamentos ontológicos do ser, desvalida os movimentos sociais emergidos no final do século XX. Por conseguinte, esse afastamento tende a levar esses movimentos às teias da política neoliberal que adota o individualismo ancorado na culpabilização única do homem.

Entretanto, podemos afirmar que ser/estar neste momento do movimento de inclusão educacional nos evidencia possibilidades de uma nova/outra concepção de homem e de mundo. A partir da busca pela inclusão do outro, a nosso ver nossa própria inclusão enquanto ser humano, poderemos redimensionar nossas concepções e atitudes. Para isso, uma outra reflexão ontológica toma nossos pensamentos: de que educação estamos falando, defendendo?

como essenciais ao processo de inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais por deficiência. No contexto da inclusão educacional, concordamos com Grundy (1991, p. 22), reportando-se ao currículo, quando afirma que “toda prática educativa supõe um conceito de homem e de mundo”.

Currículo e inclusão escolar: os desafios diante