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O interesse emancipatório como constituidor do conhecimento crítico: uma outra perspectiva

para o currículo na perspectiva da inclusão

escolar. Reflexões finais?

O grupo “Noturno” constituiu-se em espaço de autorreflexão coletiva e individual favorecedora de mudanças das práticas das professoras. Por realizarem-se coletivamente, as mudanças ocorridas com as professoras eram também analisadas, institucionalmente, e as professoras passaram a articular com outros profissionais da escola a necessidade de uma outra lógica para o currículo. Ademais, vislumbrávamos a possibilidade da formação continuada em processo viabilizar a transformação das práticas educativas. A escola era um espaço privilegiado desse processo de (trans)formação docente.

Sendo assim, ao analisarmos o caminho traçado pelo grupo, pudemos evidenciar que o grupo analisa as implicações sociais e políticas presentes no contexto escolar, próprias dos pressupostos da ciência social crítica de Habermas, como reflete a professora Cristina:

Nós, professores, precisamos refletir e analisar para além do espaço da escola. Precisamos pensar nas esferas sociais, econômicas e políticas que existem por trás da escola.

As professoras refletiam sobre o lugar da ação docente nesse contexto, como observamos na discussão que prosseguiu nesse encontro:

O professor não pode chegar a uma escola e se acomodar e propor um ensino precário; é preciso propor sempre o melhor, para lutar contra esse tipo de desigualdade (professora LUIZA).

O professor precisa ter essa responsabilidade de mudar, conscientizar (professora SULAMAR).

Observamos a conscientização das professoras diante do papel político da atividade docente. Acreditamos ser fundamental que os professores possam assumir responsabilidade ativa pelo levantamento de questões referentes ao que ensinam e identificar os ideais mais amplos pelos quais estão lutando. Concebemos, como Giroux (1997), os professores como intelectuais, o que nos propicia repensar e reformar as condições que os impedem de assumir seu potencial como estudiosos e profissionais reflexivos. Para tanto, é preciso “[...] contextualizar em termos políticos e normativos as funções sociais concretas que desempenham [...]” (p. 61). Portanto, a reflexão realizada pelas professoras, relacionada às implicações sociais, políticas e econômicas, que estão impregnadas no contexto de aprendizagem nas escolas, é coerente com o pensamento de Giroux (1997, p. 162), ao assinalar que

Um ponto de partida para interrogar-se a função social dos professores, enquanto intelectuais, é ver as escolas como locais econômicos, culturais e sociais que estão inextrincavelmente atrelados às questões de poder e controle. [...] as escolas são lugares que representam formas de conhecimento,

práticas de linguagem, relações e valores sociais que são seleções e exclusões particulares de uma sociedade mais ampla.

Assim, a professora Luiza nos chamava a atenção para o fato de que

Muitas vezes o professor é usado como fantoche dessa política neoliberal. Porque não quer estudar, não para pra refletir.

Na verdade, negligenciar o saber e a reflexão crítica imprescindíveis à atividade docente é compactuar com os modelos de formação de professores, difundidos pela política hegemônica, concebendo o profissional da educação meramente como técnico. A autorreflexão crítica coletiva nos permite conceber os professores como autônomos e responsáveis pela formação e pela transformação educacional.

Dessa forma, as professoras discutem, recorrentemente, a questão da formação continuada como essencial à reconquista da profissionalização do professor. Como as discussões no grupo estavam em torno da educação inclusiva, as professoras refletiam a necessidade do aprimoramento profissional quanto ao saber e ao fazer, que atendessem aos alunos com necessidades educativas especiais, como podemos evidenciar nas falas a seguir, no sétimo encontro do grupo:

Trabalhei com uma professora que, depois de vinte anos, repetindo o que fazia, começou a mudar quando começou o curso de graduação e diz que isso a ajudou. Ela não tinha um conhecimento mais crítico, e agora ela vê quanta coisa precisava saber (PROFESSORA).

É fundamental que a formação dos educadores se afaste das concepções da racionalidade técnica, própria das ciências positivistas e, ainda, possa ir além do pragmatismo da

racionalidade prática. Implica compreender a profissionalidade como não exterior às condições psicológicas e culturais dos professores que, por sua vez, se inserem num contexto mais amplo dos fatores sociais, políticos e econômicos nos quais exerce sua função (SACRISTÁN, 1999).

Cumpre observar que o processo vivenciado com as professoras nos indicava a possibilidade da colaboração na construção de grupos autorreflexivos, numa perspectiva da ciência social crítica, o que nos permitiu uma outra visão da formação continuada e do desenvolvimento profissional. As discussões e reflexões no grupo transcendiam o universo da prática imediata de cada uma de nós, evoluía para questões mais amplas da educação e da profissionalização docente, até mesmo a configuração social e econômica de nossa sociedade que, também, influencia as relações e as práticas na escola. Acreditamos que “[...] uma ciência social crítica é, para Habermas, um processo social que combina a colaboração em processo de crítica com a vontade política de atuar para superar as contradições da ação social e das instituições sociais [...]” (CARR; KEMMIS, 1988, p. 157, tradução nossa).

Vislumbramos, portanto, que a crença na formação continuada de professores a partir da pesquisa-ação crítico- colaborativa, na perspectiva do professor como pesquisador crítico de sua própria prática, pode configurar-se em estratégia potencializadora da ressignificação do currículo escolar, na perspectiva da inclusão de todos os alunos.

Nesse contexto, o desafio que nos propusemos dialogar neste texto prossegue a partir das múltiplas relações que cada leitor possa realizar. Pensar um currículo que atenda à heterogeneidade humana presentificada nas práticas escolares, diante das tensões vividas pela proposta de inclusão de alunos com deficiência, mostra-se difícil, mas, com inúmeras possibilidades de concretização. Antes de tudo é preciso acreditar no possível, ter um olhar prospectivo, como já nos propunha Vygotsky, na década de 20. A crença no homem, num outro lugar social para esse homem, pode nos fazer acreditar, novamente, na escola como espaço para a construção de outra lógica de interação humana. Poderemos, então, pensar/fazer outros currículos capazes de responder às demandas e às possibilidades da sociedade que queremos construir. Portanto,

convido a todos e a todas militantes da educação a enxergar as brechas, os indícios da mudança possível, como nos diz McLaren (2000, p. 12, grifo nosso),

Espaços de esperança aparecem de fato [...] qualquer que seja a razão de sua existência, tais espaços devem ser aproveitados estrategicamente. Eles oferecem encorajamento às forças da justiça, mas não são suficientes por si só [...] devem ser tornados públicos. É preciso expandi-los [...] É necessário transformá-los em identidades coletivas.

REFERÊNCIAS

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